A breve história do cinema é ainda um espaço de grande disputa. Não somente por sua juventude, definitivamente a linguagem artística mais recente entre as formas de criação humana, como também pelo seu ineditismo e consequente predominância — ninguém com um cérebro iria duvidar da predominância cultural do cinema — o resultado as experimentações com fotografia no final do século XIX ainda encontra muitas formas de enfrentamento: seja pela variedade dos olhares lançados sobre seu desenvolvimento e evolução, ou até pelas dúvidas levantadas a respeito de sua capacidade como forma de expressão, taxando-a como equivalente à uma indústria de automóveis. Com tantas nuances, qualquer história do cinema valeria a pena ser lida, mas nem todas têm o esmero técnico e conceitual da contada por Mark Cousins.
Em História do Cinema, vemos como a hagiografia dos filmes ainda se encontra bastante anamórfica. Cousins revisita com atenção todos os movimentos cinematográficos, ressalta suas propostas estéticas, desconstrói generalizações e, sobretudo, propõe reformas. Tudo isso com uma linha de raciocínio clara e arguta, muitas vezes cáustica e sugestiva, fugindo de juízos e por vezes os confessando. Aliás, é com muito arbítrio que Cousins resolve dar espaço narrativo para situações da história do cinema que, principalmente para um cinéfilo principiante, parecerão inusitadas, sem que com isso se enverede através de julgamentos precipitados ou obscuros – tudo está claro para seu leitor. Mesmo como consumidor atento de discussões sobre o tema, o resenhista surpreendeu-se com o protagonismo dado à Yasujiro Ozu, aqui sobreposto aos parágrafos dedicados a Akira Kurosawa – que, no entanto, passa longe de parecer eclipsado ou subestimado pelo escritor.
A atenção dada ao termo classicismo confere ao texto um ineditismo especial na abordagem do cinema americano e japonês dos anos 30, onde Cousins contrapõe o “realismo romântico fechado” ao “classicismo japonês”, atentando às suas respectivas tendências formais e contradizendo seus contemporâneos. Quando não reinventa a roda, Cousins é notado por uma maturidade que lhe permite fugir de opiniões batidas no meio de aficionados pelo “cinema de arte”. Ele jamais obscurece a importância de um Howard Hawks, por exemplo, devido a seu envolvimento com o recorte industrial de Hollywood, e reconhece seu protagonismo no desenvolvimento do cinema americano.
Nem sempre o autor elucida a relação entre tendência cinematográfica e contexto histórico, conquanto elas se façam presentes nos exemplos incontornáveis (Eisenstein e a Revolução Russa, etc.), nos quais sua omissão apontaria com razão para uma isenção em excesso. Essas observações se fazem na mesma medida em que Hobsbawm, em seus momentos de incursão pela História da Arte, afirma como foi afetada Hollywood pelo macarthismo ou como o stalinismo murchou a profícua vanguarda russa dos anos 30/40, ressaltando quais diretores eram demasiadamente panfletários em seus filmes e não colaboravam muito com a evolução da forma. Aliás, é muito peculiar o liame adotado pelo escritor para dar razão às diferentes e conflitantes tendências cinematográficas e suas contribuições para a evolução da forma.
Para Cousins, uma lógica na evolução da forma é já a primeira das coisas a se pensar numa história do cinema, e assim ele entrega seu método: é o que ele chama de “artistas inspirando artistas”, diretores copiando e variando os planos e ideias visuais uns dos outros quando meios novos eram dispostos, ou não. Assim, ele vai de Reed, passa por Godard e chega a Scorsese. De Griffith a Dovzhenko. De Mizoguchi a Bèla Tarr, ou até, como o bom cosmopolita que é, de Ford até Glauber Rocha; da Nouvelle Vague a Djibril Mambéty. De Capra a Satyajit Ray. Uma leitura erudita e elegante, a minha central referência sobre o tema até então. Uma leitura indispensável.
História do Cinema (The Story of Film – From Silent Classics to Modern Movies) – Reino Unido, 2004.
Autor: Mark Cousins
Editora: Martins Fontes
Tradutor: Cecília Camargo Bartalotti
Páginas: 511