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Crítica | Histeria (2011)

A história romântica do vibrador.

por Leonardo Campos
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Desenvolvido num contexto de muitas mudanças na sociedade, em especial, por causa das investigações científicas e suas descobertas, Histeria é uma comédia dramática de época sobre várias coisas. Para alguns, a produção é um entretenimento para os interessados numa história de amor convencional, mas envolvente, com as suas idas e vindas. Para outros, o filme funciona como uma ilustração interessante de determinadas etapas da metodologia da pesquisa, narrativa que traz um enredo com personagens diante de problemas, hipóteses, justificativas, objetivos gerais e específicos, dentre outros momentos de uma investigação. Quem vos escreve, por sua vez, consegue se colocar na posição de espectador que contempla as duas vertentes. Enquanto produto de entretenimento, funciona, mesmo que um pouco falho em determinados aspectos que englobam o desenvolvimento de seus personagens, mas nada que atrapalhe o resultado geral. Como observação científica, também possui algumas pontas soltas, mas o conjunto é satisfatório e ajuda bastante na reflexão sobre as etapas que compõem uma pesquisa. Dirigido por Tanya Wexlex, cineasta que toma como base, o roteiro de Lisa Dyer e Stephen Dyer, o filme se inspira na história de Howard Gensler e nos conta a inusitada história do vibrador.

Ao longo dos 100 minutos da trama, temos um painel de personagens com conflitos represados em seus respectivos inconscientes. Os primeiros enquadramentos nos apresentam: Londres, 1880. Como mencionado anteriormente, uma época de invenções. A histeria, vista como um sintoma físico para pulsões internas, era a manifestação de irritabilidade feminina diante de qualquer conflito. O puritanismo tomava conta da sociedade mergulhada nos ideais vitorianos. É nesse contexto que conheceremos o jovem médico Dr. Mortimer Granville (Hugh Dancy), um progressista que deseja se estabelecer melhor em seu campo de atuação. Com faro para investigação, ele trabalha numa era tomada pela falta de assepsia, amputações aleatórias e uso de sanguessugas como partes de alguns procedimentos convenientes na ocasião. Em sua jornada, encontra o Dr. Robert Dalrymple (Jonathan Pryce), médico empreendedor de um segmento bastante peculiar, ponto de partida para uma revolução que mudará a vida de todos.

Viúvo, o Dr. Dalrymple é pai de Emily (Felicity Jones) e Charlote (Maggie Gyllenhaal). Enquanto a primeira é o protótipo da bela, recatada e do lar, a segunda é revolucionária, ajuda os pobres e oprimidos da região, não liga para os bens de sua família e atua como uma feminista engajada. Logo, sabemos que em algum momento da narrativa, ela será acusada de histeria, diferente de sua irmã, uma delicada jovem que ama as artes clássicas e executa um piano divinamente. A aceitação social da recatada é o contraponto da execução moral da outra, considerada fora do lugar para a sua época. Essa dupla de mulheres metaforizam as ações profissionais de Granville e Dalrymple, homens que atendem pacientes com em busca do chamado paroxismo histérico, isto é, o orgasmo por meio da estimulação vaginal realizada durante as sessões no consultório. Este é o método de trabalho no qual o jovem médico é inserido, ao começar a trabalhar com o veterano que lhe oferece a chance de desenvolver novas técnicas na área. Com o tempo, no entanto, as mãos entram em colapso, pois a chegada de energia jovem faz a agenda lotar.

Como lidar? As coisas mudam depois que o Lord Edmund St. John-Smythe (Rupert Everett), um excêntrico homem de negócios em Londres, desperta para uma nova modalidade de vibrador. Esse personagem idolatra qualquer coisa conectada com as novas tecnologias e um simples espanador elétrico em movimento o desperta para os movimentos circulares que darão prazer para as pacientes da dupla de médicos e permitirá que a execução do trabalho seja menos dolorosa para as suas mãos comprometidas. Ao patentear a sua invenção, o Lord investe cientificamente no produto e permite que novos modelos sejam alcançados no futuro. Há até um momento de testagem com Molly (Sheridan Smith), uma das empregadas que cuidam da casa do Dr. Dalrymple. Ousada e sexualmente interessada no médico jovem logo após a sua chegada ao local, ela aceita ser parte do experimento com o estimulador elétrico, permitindo que a invenção tenha caráter de pesquisa científica que busca ajustar o modelo conforme as necessidades dos seus usuários. Tudo isso, costurado num tecido narrativo divertido e fluente, ideal para sensibilização de pessoas interessadas ou que precisam compreender métodos de pesquisa.

Neste processo, então, as etapas de uma pesquisa estão bem desenvolvidas. Temos as manifestações de histeria como problema, a justificativa em torno do prazer atribuído ao conjunto de mulheres supostamente reprimidas, a hipótese em torno da massagem na região como alívio para os sintomas e resolução das crises, seguido do método que envolve a estimulação, etapa que revela a descoberta de novos caminhos para a questão, afinal, ao adquirir lesões por esforços repetitivos, o médico protagonista se mantém atento a tudo que possa gerar um novo procedimento para o seu trabalho, chegando ao invento do Lord Edmund, primeiro passo para os protótipos que se tornariam vibradores no futuro e chegariam ao nosso tempo em novos formatos, mas dentro de outras concepções de uso, voltadas ao prazer e distanciados destas reflexões científicas já refutadas atualmente. No desfecho de Histeria, os personagens debates as frustrações das mulheres na época, exaltada erroneamente como comportamento histérico, quando na verdade se originavam de problemas mais gerais.

Como narrativa cinematográfica, o filme funciona muito bem, desde a direção de fotografia de Sean Bobbitt e seus planos que contemplam curiosamente as sessões de atendimento dos médicos, aos espaços concebidos pelo design de produção, assinado por Sophie Becher, profissional fidedigna ao contexto histórico da narrativa, detalhista na estruturação dos cenários e elementos que compõem a direção artística. Em sua proposta visual, mergulhamos no período e assim, nos relacionamos melhor com a história contada. Ponto positivo também para os figurinos de Nic Eole e a trilha sonora de Gast Waltizing, textura percussiva cheia de graça. Ademais, sem aprofundar muito nos temas, Histeria é apressado enquanto construção romântica e um pouco superficial enquanto narrativa de entretenimento com abordagem sobre a metodologia da pesquisa científica. Na caminhada para dar conta dos dois aspectos, acaba sem conseguir dar maior amplitude para um lado ou outro, mas acredito que é nesse equilíbrio que o filme funciona para o grande público e permite a nós, professores ou estudantes em busca de produções que exponham a realização da pesquisa como ilustração, aderir ao discurso cinematográfico em questão e extrair dele as partes que necessitamos para o estabelecimento de uma boa discussão.

Histeria (Hysteria, Alemanha/França/Luxemburgo/Reino Unido/Suíça – 2011)Direção: Tanya WexlerRoteiro: Howard Gensler, Jonah Lisa Dyer, Stephen DyerElenco: Maggie Gyllenhaal, Anna Chancellor, Ann Overstall Comfort, Ashley Jensen, Elisabet Johannesdottir, Felicity Jones, Gemma Jones, Georgie Glen, Hugh Dancy Duração: 90 minutos

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