- Há SPOILERS! Confira a crítica para os outros episódios da série aqui.
Inicialmente, gostaria de pedir perdão pelo atraso com as críticas dos últimos episódios da série e por não ter respondido os comentários dos meus queridos leitores. Tive que me ausentar das tarefas do site por conta das festas de fim de ano e uma curta viagem sabática – todo mundo merece férias, não é mesmo? hehehe -, mas estou de volta. Como His Dark Materials vinha lançando os episódios em dupla semanalmente, cá estamos com os quatro capítulos finais da adaptação da HBO. Vamos lá!
No Way Out e The Abyss lidam principalmente com Lyra e Will na Terra dos Mortos, com os jovens buscando uma forma de salvar Roger e tantas outras almas perdidas e aprisionadas em um “mundo” sem emoção. A direção de arte e a fotografia deste cenário são relativamente simples em sua abordagem meio cinzenta/monocrática num palco rochoso, mas é visualmente eficiente para transpassar a sensação de morte e solidão desse purgatório. Muitos enquadramentos fechados, performances fantasmas efetivas – achei que o ator-mirim do Roger mandou muito bem -, diálogos secos e muitas metáforas sobre História ajudam a construir bons momentos dramáticos.
O fato de que relembrar o passado ajuda a combater os monstros deste mundo é um artifício infantil que achei interessante, se vinculando a veia coming of age que a série me passa às vezes. É didático na mesma medida que é charmoso. Sinto, porém, que pela despedida de Lee e do pai de Will não terem sido bem construídas, suas aparições acabam deixando de carregar uma profundidade emotiva, mas é bonito ver o encontro dos personagens, ainda mais por conta do tom melancólico que a narrativa ganha nesse espaço.
Também há de se apreciar como a montagem melhorou nesses dois episódios, deixando a trama na Terra dos Mortos se assentar, ser paciente e sem ter tantas intrusões de outros núcleos. Até mesmo os recortes com Asriel conversando com Iorek, e de Marisa tentando salvar Lyra potencializam o arco na Terra dos Mortos, deixando a organicidade da história menos picotada e mal contextualizada como vimos tantas vezes ao longo do seriado.
Confesso, porém, que não acho nada excelente. Talvez seja uma subjetividade pela falta de carinho que tenho com os personagens ou pelo próprio da adaptação nunca ter conseguido criar esse carisma que vemos em outras obras infanto-juvenis como Harry Potter, mas todos os momentos de aventura e conquistas de Lyra me soaram no máximo elegantes, com destaque para a despedida de Roger e Lyra.
Ainda assim, há bastante eficiência na narrativa em No Way Out e The Abyss para nos encaminhar ao clímax da rebelião em The Clouded Mountain, um dos melhores e mais grandiosos episódios da série. Em termos visuais, mesmo com as limitações orçamentárias da produção (não é uma obra de bilhões, vale ressaltar), não tenho nada a reclamar. As batalhas de anjos e bruxas, assim como as aparições dos espectros continuam sendo de grande valor técnico.
É possível notar uma certa limitação em termos de cortes de batalhas que são poucos e das pequenas locações, mas a direção consegue compensar isso com uma abordagem expansiva. Destaco particularmente a sequência em que Metatron, Asriel e Marisa caem do “céu”, que, por sua vez, foi lindamente e ironicamente desenhado como este local imaculado e cheio de confrontos “espelhados” antes da sarcástica queda do anjo negro, simbolizando a própria queda de Lúcifer, mas em outro tipo de contexto.
Confesso que adoro essas pequenas alusões e analogias, algo que me fez apreciar o arco um tanto arbitrário e pessimamente encaixado de Mary no “paraíso” e essa perspectiva bonita da história sobre natureza, ciclos e passagem pós morte. No embate final, notamos as várias críticas da série a instituições religiosas, apesar da participação pífia do Magisterium na reta final não trazer o peso narrativo necessário para as cutucadas do material original – toda a parte sobre ciência e conhecimento acaba escanteada, por exemplo.
Minha maior crítica ao clímax épico de The Clouded Mountain acaba sendo essa sensação de correria para finalizar a rebelião e mover a história para o epílogo de The Botanic Garden, aludindo ao Jardim do Éden (mais dele à frente). Mas, como sempre, se o espetáculo não é necessariamente fantástico, His Dark Materials mantém uma qualidade eficiente para a finalização de arcos. É tudo bem fechadinho dentro da mitologia e profecia da história, com destaque para o fechamento dramático de Marisa e Asriel, que acabam confrontando suas respectivas amoralidades, defeitos e o amor um tanto ambíguo e perturbado que sentem por Lyra, misturado com desprezo e inveja. No final, resta o sacrifício, como a narrativa sempre indicou.
Boas performances do elenco e um diálogo bem-escrito se comparado com tantas conversações expositivas da série auxiliam o bom clímax da série, incluindo a pequena ponta d’A Autoridade como quase uma reflexão tardia do roteiro. O resto das pontas soltas são explicadas em The Botanic Garden, que foca no núcleo de Mary, agora com participação de Lyra e Will. É um episódio que certamente terá recepções divididas e acaloradas, considerando que os protagonistas não acabam juntos.
Bem, da minha parte, não ligo muito para a rachadura romântica dos jovens, principalmente pela série nunca ter criado esse laço com os personagens. Para mim, me pareceu um amor súbito para vermos um desfecho de coração partido, que, de certa forma, vai na contramão das mensagens de ousadia e de amor que a história sempre passou. Por outro lado, há uma perspectiva interessante a ser analisada a partir do drama de amadurecimento nas entrelinhas do show, sobre o primeiro amor perdido, sobre se tornar adulto, sobre consequências para nossas ações e para um final corajoso ao evitar as reticências de fábulas. Sobretudo, achei um epílogo chato, arrastado e muito meloso para o tom melancólico e crítico do capítulo anterior, mas tudo é amarrado, há seus destaques emotivos e suas mensagens bonitas. Enfim, um bom desfecho para uma boa série, mas nada de especial a ser encontrado.
His Dark Materials (Fronteiras do Universo) – 3X05 a 08: No Way Out / The Abyss / The Clouded Mountain / The Botanic Garden — Reino Unido, 2022
Direção: Vários
Roteiro: Vários
Elenco: Dafne Keen, Ruth Wilson, Amir Wilson, Simone Kirby, Ruta Gedmintas, Jade Anouka, Remmie Milner, Will Keen, Sasha Frost, Bella Ramsey, Ella Schrey-Yeats, Cristela Alonzo, Kit Connor, James McAvoy, Adewale Akinnuoye-Agbaje
Duração: 50 min. (cada)