Número de temporadas: 7
Número de episódios: 146
Período de exibição: 15 de janeiro de 1981 a 12 de maio de 1987
Há continuação ou reboot?: Houve apenas um spin-off, Beverly Hills Buntz, uma comédia que foi ao ar entre 05 de novembro de 1987 e 22 de abril de 1988, com apenas 13 episódios, quatro deles jamais indo ao ar.
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Pelo menos para Brett Martin, autor de Homens Difíceis, a indústria audiovisual televisiva viveu e vive três Eras de Ouro. A primeira delas foi mais ou menos em seu nascedouro, nos anos 50, a segunda foi breve, no começo dos anos 80, que serviu de caldeirão criativo para o que viria a ser a terceira e de longe a mais longa e, diria, a mais prolífica, iniciada por Família Soprano e chegando até os dias atuais. Hill Street Blues, originalmente transmitida por aqui como Chumbo Grosso, um título infeliz que de forma alguma faz jus a ela, foi um dos expoentes dessa segunda era, que revelou ao mundo Steven Bochco e Michael Kozoll como seus showrunners e que seria o começo da carreira não só de diversos atores, como também de grandes escritores e criativos da TV, como ninguém menos do que David Milch, que partiria para criar NYPD Blue e, depois, a espetacular Deadwood.
O que diferencia Hill Street Blues das demais séries da época? Bem, antes de mais nada sua ambientação. Sua caótica, enervante, realista e magnífica ambientação dentro da delegacia de Hill Street em uma cidade propositalmente mantida sem nome para significar “qualquer cidade americana”. E esse maravilhoso caos começa com a clássica e icônica reunião matinal (ou “chamada”) comandada pelo veterano sargento Phil Esterhaus (Michael Conrad), braço direito do capitão de polícia Frank Furillo (Daniel J. Travanti) que marca todo o início de episódio – até isso ser alterado na derradeira temporada) e continua com a forma como os assuntos profissionais e privados do avantajado elenco, que parece disputar ombro a ombro o espaço cênico, lida com o cotidiano. O piloto que, em linhas gerais, lida principalmente com uma situação envolvendo reféns em um assalto a uma loja de conveniência por adolescentes, chega a ser angustiante pela maneira como as transições são feitas e como os assuntos “já iniciados” são tratados sem didatismo, fazendo com que o espectador tenha que “correr atrás” para estabelecer o contexto de tudo o que vê.
Claro que nem tudo se passa dentro da delegacia, como a própria situação de reféns e também o final chocante do episódio envolvendo a dupla formada por Bobby Hill (Michael Warren) e Renko (Charles Haid) que têm seu carro patrulha furtado em plena luz do dia e que dá azo para um pulo temporal de seis meses em relação já ao segundo episódio. Mas tudo – dentro e fora da delegacia – é tratado com um grau raro de realismo, especialmente para a época e com um elenco, também para a época, muito diverso, contando com afro-americanos, mulheres e hispânicos em papeis de destaque e não apenas como coadjuvantes “para constar”. Sim, sem dúvida alguma o roteiro escrito pelos próprios showrunners é datado e crivado especialmente de machismo e misoginia que feririam de morte as suscetibilidades atuais (e com razão), mas isso não retira dele o mérito de criar uma espetacular sensação de organização no já mencionado caos que, com muita eficiência, apresenta um elenco grande e variado em um espaço confinado quase claustrofóbico, mas ao mesmo tempo repleto de camaradagem e companheirismo.
No entanto, mais do que tudo isso, Hill Street Blues é crítico da polícia em si, algo ainda mais raro no começo dos anos 80 em que as séries policiais procedurais no estilo “caso da semana” não paravam de glorificar a profissão, glosando todo e qualquer problema inerente à ela, especialmente a violência. Neste primeiro episódio, essa crítica fica por conta da advogada Joyce Davenport (Veronica Hamel) que, ao longo da minutagem, descobrimos que namora Furillo em uma daquelas relações realmente de igual para igual, sem dependência de um pelo outro, e que é vocalmente contra as posturas dos subordinados do chefe de polícia, literalmente dizendo que todos ali mereceriam ser presos. Claro, como toda série de TV, especialmente de antes dos anos 2000, tudo é muito mais “falado” do que “mostrado”, mas o diálogo de Davenport vem depois que todo o contexto da delegacia é apresentado, com uma ação policial particularmente violenta (e, diria, talvez caricata demais) que encerra a situação de reféns que mencionei acima, pelo que podemos realmente acreditar no que ela afirma categoricamente para seu namorado e cuja reação é quase de indiferença, como se ele soubesse – e ele sabe – que mudanças dificilmente viriam sem um choque de gestão que ele mesmo não está muito disposto a iniciar.
Hill Street Blues foi uma série da TV aberta americana que começou aos trancos e barrancos quase que completamente sem audiência, mas que, contra todas as probabilidades, sobreviveu por sete temporadas, servindo de trampolim para que o amadurecimento do audiovisual televisivo americano. E, realmente, julgando apenas pelo episódio piloto, a série é uma joia em estado bruto que imediatamente mostra seu valor e seu brilho, sem fazer concessões e sem dourar a pílula como era comum na época (e continua sendo até hoje em dia em muitos casos). Televisão de primeira vinda de uma época em que esse termos era raramente usado.
Hill Street Blues (Chumbo Grosso) – 1X01: Hill Street Station (EUA – 15 de janeiro de 1981)
Criação: Steven Bochco, Michael Kozoll
Direção: Robert Butler
Roteiro: Michael Kozoll, Steven Bochco
Elenco: Daniel J. Travanti, Michael Conrad, Michael Warren, Bruce Weitz, James B. Sikking, Joe Spano, Barbara Bosson, Taurean Blacque, Kiel Martin, Rene Enriquez, Betty Thomas, Charles Haid, Veronica Hamel
Duração: 50 min.