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Crítica | “Hiding Place” – Tori Kelly

Descobrindo um novo esconderijo de alegria para o Gospel.

por Davi Lima
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Hiding Place

R&B, Soul e Gospel são estilos musicais americanos que tem raízes semelhantes às do Blues, na cultura negra. Tori Kelly, com intuito de produzir o seu primeiro álbum direcionado para a sua fé, trabalha com nada mais nada menos que Kirk Franklin, o rei produtor e musicista da música Gospel nos EUA, capaz conservar a carreira iniciante de Kelly sem “gospelizar” de qualquer jeito. O conhecimento musical de Franklin, de percorrer entre os estilos musicais que integram o Gospel, e com a voz impressionante de palco de Tori, dominando as variações vocais e faz Hiding Place alcançar o Pop do ritmo e da fé, como a cantora é e se propõe como cristã.

Sim, a proposta de cristianismo diferencia e pluraliza o álbum, como um Gospel desenhado para um público diferente da igreja. Lecrae, o rapper que aparece na primeira faixa, Masterpiece, é um chamado Exvangelical (movimento progressista de pensamento de saída das igrejas evangélicas de 2016 nos EUA), enquanto Jonathan McReynolds, que aparece na faixa Just As Sure, pertence ao cenário mais tradicional do gospel contemporâneo – sem ser worship. Isso sem falar de Kirk Franklin, o rei da música gospel americana, permeador da fé cristã com o hip hop e desenvolvendo corais e músicas hits, ao ponto de levar Pharrell Williams para cantar junto e participar de seu podcast. Hiding Place, sendo da Tori Kelly, tem esse mix do cristianismo americano na música, assim como o blues invadiu as igrejas negras para formular o gospel. Masterpiece, que começa o álbum, diz muito sobre essa história até os dias atuais. O coral típico do estilo gospel, depois com a bateria ritmada do soul, com um tom pop, enquanto a letra preserva o godspell do rap de Lecrae, com o finalzinho da música num teclado leve.

Se a fusão musical gospel mais popular recentemente (2019) foi Kanye West com Jesus is King, em 2018 essa dupla Kirk Franklin e Tori Kelly esbanja sobre o amor divino, produzindo um disco daqueles que se abraça e ouve com olhos fechados. Kelly incorpora cada música na medida que Kirk Franklin tem de empolgação em sua personalidade, assim como as letras das canções misturam as boas inspirações românticas da cantora com a teologia popular do gospel que o produtor vende há anos em sua carreira solo. Os dois singles que anunciaram Hiding PlaceHelp Us To Love e Never Alone – na sequência da abertura e na penúltima faixa, respectivamente – são exemplares nessa harmônica parceria musical.

Help Us To Love, que tem a presença do grupo masculino The HamilTones, é caracteristicamente gospel pelo backing vocal desses homens, enquanto Tori coloca seus melismas, variações de voz ao som R&B de fundo até o coral tomar conta da música na ponte e voltar para o refrão. A teologia não é worship, nem pertence ao gospel do conforto da prosperidade, onde  Tori vai aumentando o tom até voltar à  base das vozes graves  da banda, criando um confronto reflexivo cristão nesse recorte: 

God, your love is the cure
For the rich and the poor
God, please will you open our eyes?
‘Cause I want a love so high

Assim como esse single, Never Alone, talvez a faixa mais famosa, incluindo a participação de Kirk Franklin, segue a mesma fusão musical, porém inverte a narrativa. O gospel mais enfático aparece ao fim da música, enquanto todo o percurso é dominado por Tori Kelly. Apenas na segunda repetição do refrão é que o coral aparece. A ponte também é reversa em relação a Help Us To Love, mas pelo sentido de esperança no melisma de Kelly, que dá a porta para Franklin confortar o pensamento cristão acerca da verdade e continuar na jornada:

[Tori Kelly]

My imperfections were part of Your plan
And if all things work together in the end
The broken will be a beautiful

[Kirk Franklin]

There’s not a hole too deep
That God’s love is not deeper still
You’ve come too far to give up now
Let’s Go!

A importância de analisar a letra junto com a melodia é para evidenciar o argumento da produção de Hiding Place com os dois artistas, assim como faz parte do Gospel a letra gravitar uma importância ainda maior para a adoração, a súplica e a oração cantada. Além disso, as oito faixas do disco possuem uma divisão estruturada da seguinte maneira: a primeira e a última faixa temáticas e de gênero musical mais didático; os singles esmiuçados, com Kirk dando aula e Tori efetivando o teste com o gospel; Sunday e Questions como as faixas autorais de Tori Kelly no gospel, fazendo tudo ao seu modo, sem supervisão do Franklin; e por fim, Just As Sure e Psalm 42, com Kelly tentando produzir gospel, não adaptando ao seu modo, com o convidado Jonathan McReynolds do Gospel contemporâneo mais tradicional, e uma tentativa doxológica (músicas judaicas do Antigo Testamento) de cantar Salmos.

Tendo essa noção de divisão, ao mesmo tempo entendendo a maquiagem Pop em todo o desenvolvimento com o Gospel, R&B e Soul – e até Jazz – o mix ainda é qualitativo, mas fica desequilibrado. Lembremos que não é álbum de Kirk e sim de Tori Kelly, o que permite qualificações de teste de um lado e certeiras escolhas musicais de histórico de experiência por outro. Sunday e Questions, uma ritmada pelo estalo de dedos, alguns toques no teclado e um apuro harmônico de instrumentos suaves com backing vocal; enquanto a outra é uma carta de amor cristã mais próxima de Deus, ao ponto de perguntar sobre o mal existir no mundo, e terminar na dúvida. Ambas faixas são o gospel de Kelly, demonstrando muita consciência teológica. Porém, Just As Sure e Psalm 42 parecem covers, quando na verdade são faixas originais.

Talvez Hiding Place só suba em quesito em relação a um disco bom porque, da mesma forma que Kanye West terminou Jesus is King com Jesus is Lord, faixa rápida, de adoração e expurgação transcendental de um neófito na fé (recém convertido ao cristianismo), Tori Kelly, mais madura, e claramente crente nas bases que formam o álbum e sua discografia, termina voltando para uma canção de igreja. Esse é o Hiding Place mais assertivo que se poderia ter no percurso de todo o álbum. Tori se torna cantora de coral, a regente de voz, e o Gospel evoca todo e qualquer significado. Chega a ser arrepiante quando se entende a narrativa de Masterpiece até Soul’s Anthem (It Is Well). Sem dúvida uma proposta cristã manifestada como parte de Tori Kelly.

Aumenta!: Soul’s Anthem (It Is Well)
Diminui!:
Minha Canção Favorita do ÁlbumQuestions

Hiding Place
Artista: Tori Kelly
País: EUA
Lançamento: 14 de setembro de 2018
Gravadora: Schoolboy Records, Capitol Records
Estilo: R&B, Gospel

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