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Crítica | Herege (2024)

Crer ou não crer? Eis a questão.

por Luiz Santiago
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Desde 2018, Scott Beck e Bryan Woods têm experimentado uma trajetória cinematográfica marcada por altos e baixos. Do aclamado roteiro de Um Lugar Silencioso ao fracasso criativo de 65 – Ameaça Pré-Histórica, passando pelo texto apenas mediano de Boogeyman: Seu Medo é Real, a dupla parece oscilar entre momentos de brilho e entregas aquém do potencial que possui. Para seu novo projeto, os cineastas tomaram uma decisão crucial: não aceitar intervenções significativas no corte final de seus filmes. O resultado é a elevação notável na qualidade apresentada em Herege (2024), filme que ultrapassa os limites do terror convencional, firmando-se como um experimento teológico e psicológico amedrontador. Partindo de uma premissa instigante — duas missionárias mórmons que se veem reféns de um homem ardilosamente cético — o longa se ancora em uma narrativa de queima lenta, cujo maior trunfo está nos diálogos densos e na construção de um antagonista absolutamente hipnótico. 

Interpretado por Hugh Grant, em um desempenho magistral e possivelmente o melhor de sua carreira (juro que não estou exagerando!), Mr. Reed é um personagem que domina cada cena, exalando uma ambiguidade que combina charme, ameaça e uma inteligência que beira o insuportável. A introdução do filme, surpreendentemente cômica e irônica, abre espaço para uma reflexão desconfortável sobre moralidade, culpa e religião, ao tratar de sexo e pornografia com uma naturalidade provocativa. Essa escolha não apenas desconstrói as expectativas, como prepara o terreno para uma narrativa que, em sua primeira metade, desafia o público a adentrar em um jogo de gato e rato envolvendo fé e as mais diversas formas de discuti-la. A fotografia Chung-hoon Chung (recém-saído de Wonka) é um componente essencial nesse processo, utilizando a iluminação oscilante dos ambientes de forma calculada para intensificar o clima claustrofóbico e realçar os aspectos simbólicos em cena. A casa de Mr. Reed, com sua arquitetura opressiva e detalhes meticulosamente planejados, torna-se um reflexo das armadilhas filosóficas e emocionais que aprisionam as protagonistas. O jogo, portanto, não é apenas teórico; é também material. 

Sophie Thatcher e Chloe East entregam performances convincentes como as missionárias Barnes e Paxton. Seus personagens não apenas contrastam com o magnetismo manipulador de Grant, mas também expressam de forma crível a gradual desconstrução de suas certezas e motivações para enfrentar o vilão. O trabalho corporal das atrizes, com ótimos momentos de hesitação e medo crescente (com direito a mudança de atitudes e personalidade na segunda metade da obra), é majoritariamente sutil, mas possui força o bastante para marcar a postura de “presas de um perigoso predador”, adicionando uma camada de autenticidade ao que poderia facilmente resvalar em caricatura de fanáticas em apuro.

No entanto, Herege não escapa de algumas armadilhas narrativas que comprometem sua potência inicial. A partir do momento em que as missionárias descem as escadas para uma sala subterrânea, a tensão construída na primeira metade começa a perder qualidade. O roteiro, que até então mantinha um ritmo impecável, opta por elementos mais convencionais do terror psicológico (ou algo perto disso), incluindo subtramas editadas com pouco esmero ou desenvolvimento, como a do personagem interpretado por Topher Grace. Apesar de uma cena memorável (quando ele bate na porta de Mr. Reed pela segunda vez, intensificando o suspense), sua participação é mais uma distração do que uma boa peça integral do enredo.

Além disso, o final aberto que os diretores escolheram é consideravelmente frustrante. Enquanto alguns podem valorizar a liberdade interpretativa dessa escolha, o que temos de mais identificável é uma dualidade que peca na coesão e enfraquece o impacto emocional do fechamento. A ausência de uma resolução corajosa, que abraçasse o terror de vez e não tentasse criar certa redenção moral para o antagonista, como se guiada pela frase “na hora da morte, todo mundo é crente”, dialogaria muito melhor com a proposta. Ainda assim, Herege merece atenção por trazer algo mais maduro e mais reflexivo para o terror contemporâneo. Ao evitar sustos fáceis e uma miríade de clichês visuais, os diretores entregam um projeto que se destaca na macabra formação de um “enredo teológico“. Ao sair do cinema, o público se verá questionando até que ponto a fé — seja em uma divindade, na razão ou na própria narrativa — é capaz de nos guiar ou aprisionar. Pode não ser uma experiência fácil, mas é, sem dúvida, uma que permanecerá na mente do espectador, provocando reflexões incômodas e duradouras sobre a ideia de forças divinas… e as instituições que buscam atrair adeptos a partir dessa premissa.

Herege (Heretic) — EUA, Canadá, 2024
Direção: Scott Beck, Bryan Woods
Roteiro: Scott Beck, Bryan Woods
Elenco: Hugh Grant, Sophie Thatcher, Chloe East, Topher Grace, Elle Young, Julie Lynn Mortensen, Haylie Hansen, Elle McKinnon, Hanna Huffman, Anesha Bailey, Miguel Castillo, Stephanie Lavigne, Wendy Gorling, Carolyn Adair, River Codack
Duração: 111 min.

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