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Crítica | Hellraiser – Renascido do Inferno

por Leonardo Campos
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“Cada corpo é um livro de sangue”, diz Clive Baker em determinada passagem do texto de Hellraiser – Renascido do Inferno, para logo depois, reforçar que “sempre que nos abrem, a impressão é vermelha”. Emblemática, essa passagem imprime o tom do clássico cult de 1987, escrito e dirigido por Baker, também autor do conto The Hellbound Heart, uma das histórias de seu universo literário que se tornou franquia de sucesso, desgastada com o avançar de tantas continuações, mas um marco no horror dos anos 1980, período que costumo chamar de slasher tardio. Na trama, sexualidade, sadomasoquismo, violência gráfica extrema, monstros e altas doses de dor como punição e, ao mesmo tempo, alegoria para determinado tipo de prazer, preenchem os 90 minutos da trajetória de Frank (Sean Chapman), homem que compra uma misteriosa caixa mágica oriunda de uma prática ritualística e abre literalmente as portas do inferno, território que no universo em questão, é encharcado de sangue e dominado pela dor.

Depois que arruma uma estratégia para decifrar e abrir a caixa, ou “cubo mágico”, como prefiro chamar, o jovem homem é levado ao encontro dos cenobitas, criaturas que habitam uma dimensão infernal paralela, liderada por Pinhead (Doug Bradley), monstro do cinema que ganhou, com o passar do tempo, o status de ícone slasher, ao lado de Jason, Freddy, Michael, Candyman, dentre outros representantes do horror no cinema, bases estruturais importantes para a cristalização do slasher como subgênero rentável. Ele sempre chega acompanhado de outras três criaturas: um obeso que possui os óculos cravados na face, uma misteriosa mulher com a garganta cortada e um homem com a boca escancarada, todos acometidos por um momento de estraçalhar da carne no passado, tal como as novas vítimas no tempo presente da narrativa. Eles são os gestores dessas experiências aberrantes de permitir aos seres humanos, experiências nada convencionais envolvendo torturas com ganchos, correntes, etc.

De volta ao mundo de Frank, depois do inesperado momento de horror, ele fica preso no sótão da casa para a eternidade. Deixa de ser matéria e torna-se “algo”. As coisas vão mudar quando o seu irmão, Larry (Andrew Robinson), decide se mudar para a casa com a esposa Julia (Claire Higgs), mulher que esconde um segredo do marido, pois no passado, foi amante de seu cunhado, transformado em algo que será despertado quando na mudança, um pequeno acidente com um móvel sendo carregado de um cômodo para outro promove um corte num personagem. O breve respingar de sangue no piso do sótão desperta Frank de seu status de “algo”, transformado agora numa massa disforme que lembra de longe a forma humana. Ele é basicamente uma gosma que dependerá de Julia, novamente seduzida, depois do susto inicial ao encontra-lo. A missão da mulher é trabalhar como uma sereia, isto é, atrair homens para o local e mata-los para que Frank consiga retomar, por meio das energias alheias, a sua forma anterior. A sequência de corpos é considerável e aqui temos um tipo de slasher diferencial, mas dentro das regras do subgênero.

Em determinado trecho, a final girl da narrativa entra em ação. Kirsty (Ashley Laurence), a sobrinha de Frank, filha de Larry, jovem que decide tomar outro rumo e não morar com o pai, haja vista as desavenças com sua madrasta. Ela aluga um apartamento pequeno, apenas para si, sempre em companhia do namorado, Steve (Robert Hines), o seu companheiro na missão de mandar Pinhead e os seus acompanhantes de volta ao inferno depois que acidentalmente, a garota tem acesso ao cubo e acaba por abri-lo, trazendo o cenobita maior para tocar o terror em nossa dimensão. Nesta jornada de horror e morte, corpos são dilacerados, mortes criativas se expõem diante do espectador e a equipe técnica de Clive Baker faz um trabalho marcante, dando ao território do slasher um novo fôlego criativo, tal como O Mistério de Candyman fez posteriormente, numa guinada diferencial, sem se ater ao estilo perseguição mascarada de jovens incautos em acampamentos ou pesadelos.

Detalhe importante é que só aceitei a denominação slasher para a franquia depois de assistir ao documentário Chiller 13, produção que elenca os mais marcantes representantes deste subgênero do cinema. É numa análise mais detida que podemos confirmar a aderência da Hellraiser – Renascido do Inferno e de toda a sua franquia no interior do movimento, mais pelas bordas, sem recorrer aos requisitos exatos desta tipologia narrativa dos filmes de terror. Pinhead, importante ressaltar, é um personagem que segundo entrevistas fornecidas por Clive Baker, já tinha sido formulado na figura do torturador de uma peça escrita pelo autor em 1973, criatura que tal como os demais monstros de seu universo para a franquia, foi elaborada com base em muitas pesquisas do escritor na época, desde as análises literárias aos dias que visitou clubes de sadomasoquismo em Nova Iorque e Amsterdã, além de sua observação aos adereços da cultura punk e da semiótica do catolicismo. Ademais, ainda sobre “diferenciais”, a Configuração dos Lamentos e a decifração do cubo trazem alguns elementos que fogem da simbologia clichê.

Tudo isso, no entanto, não nos diz ou nos mostra que Hellraiser – Renascido do Inferno seja uma narrativa completamente perfeita. Alguns diálogos são muito bons, principalmente quando Pinhead está em cena, mas o ritmo e a atuação do elenco carecem de melhor nível de qualidade. A condução musical de Christopher Young é um dos melhores pontos, textura percussiva que independe do filme, inclusive, para funcionar. É atmosférica, grandiosa, intensa, sem ferrões para favorecer o design de som em jumpscare, como muitas trilhas mais atuais. É um trabalho grandioso, tal como os setores de figurino, maquiagem e efeitos visuais, supervisionados por Joanna Johnston, Nigel Booth e Cliff Wallace, respectivamente, eficientes na construção dos aspectos visuais desta obra de horror que teve Robin Vidgeon na direção de fotografia, eficiente também, principalmente nos ângulos de apresentação do líder dos cenobitas, visto com grandiosidade, e design de produção de Michael Buchanan, bom trabalho na construção dos espaços de ambas as dimensões por onde circulam os personagens.

Hellraiser – Renascido do Inferno (Hellraiser) — Reino Unido, 1987
Direção:
 Clive Barker
Roteiro: Clive Barker
Elenco: Andrew Robinson, Clare Higgins, Ashley Laurence, Sean Chapman, Oliver Smith, Robert Hines, Anthony Allen, Leon Davis
Duração: 94 min.

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