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Crítica | Helen de Wyndhorn

Uma aventura inesquecível.

por Ritter Fan
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O que Tom King e Bilquis Evely criaram com Helen de Wyndhorn merece todo o destaque possível não só por quem aprecia quadrinhos, mas, também, por quem gosta de fantasia do tipo “capa e espada”, dos autores dessas fantasias e, diria, de todo o próprio processo de apreciar obras literárias, cinematográficas e de quadrinhos do gênero, tudo embalado em uma jornada de busca de propósito na vida, de como lidar com a dor da perda e os vários mecanismos de autoproteção que inconscientemente ativamos quando mais precisamos, nem sempre com bons resultados. A graphic novel concebida pela dupla com cores de Matheus Lopes e letras de Clayton Cowles, e publicada pela Dark Horse Comics, tenho certeza, tocará muita gente que se cerca de obras famosas e também pouco conhecidas e que passa horas devorando-as e conversando com amigos da mesma maneira que tocará muita gente que luta diariamente contra a melancolia e um vazio interior que nunca é realmente preenchido.

Em sua superfície, a minissérie em seis edições de King lida com uma estrutura que se assemelha à premissa de As Crônicas de Nárnia, em que o mundo real em que vivemos tem uma passagem para um mundo de fantasia, mas essa superfície é constantemente desafiada pela maneira como o roteiro é construído como um relato de percepções que começa com uma entrevista da idosa governanta Lilith por Thomas Rogers, biógrafo do autor falecido por suicídio C.K. Cole, o pai da fantasia desse universo que parece ter sido inspirado em Robert E. Howard, que é entremeada com as próprias concepções do entrevistador e o que as obras de Cole representaram para a cultura pop, começando pelo reconhecimento constante por algumas gerações, mas chegando ao esquecimento. Cada uma das seis edições conta com um salto temporal no presente de “nossa realidade”, enquanto “ouvimos” as gravações de Lilith que nunca foram usadas por Rogers por ele jamais ter acreditado nos relatos, com esses saltos contando uma história e o conteúdo de cada edição contando outra.

E essa “outra história” é, claro, a da personagem do título, filha de C.K. Cole, inicialmente uma jovem de 16 anos rebelde e viciada em álcool e em cigarros que sofre pela perda de seu pai e é “resgatada” por Lilith, que  fora contratada por seu avô Barnabas, para trazê-la de volta à Wyndhorn, uma gigantesca e riquíssima propriedade que por si só parece pura magia. Lá, Helen descobre outro mundo, mundo esse que seu avô visita com frequência e em que ele é, basicamente, o Conan de lá, com a jovem então finalmente encontrando um norte e começando a entender seu lugar no mundo. Mas Barnabas não é um homem fácil de se lidar e sua distância, frieza e até violência são barreiras que Helen precisa ultrapassar com a ajuda de Lilith, que, por sua vez, faz de tudo para se agarrar à realidade que conhece, com o mordomo Joseph – que é muito mais do que apenas um mordomo, assim como Alfred – servindo de treinador para Helen.

A dinâmica da narrativa de Tom King é uma perfeição, pois ele consegue trabalhar tempos diferentes e espaços diferentes sem causar nenhum tipo de estranhamento e sempre com uma cadência que mantém a curiosidade do leitor aguçada. Mas, claro, o que faz a história – ou, melhor dizendo, as histórias – realmente funcionar é a deslumbrante arte de Bilquis Evely que cria três mundos, o real familiar (mal comparando, nossa realidade), o real mágico (tudo em Wyndhorn) e o puramente mágico (o Outro Mundo, como Helen chama sua versão de Nárnia), sem nenhum tipo de solução de continuidade, brindo os leitores com belíssimas splash pages e experimentações de quadros e de transições que tornam a lenta e detalhada apreciação visual de seu trabalho uma obrigação de todos os leitores. Evely cria desde detalhes em espadas, machados e armaduras até dragões e tavernas medievais, passando pelo gigantesco castelo de Barnabas em Wyndhorn, os quartos, os jardins e até os prosaicos figurinos de Joseph e de Lilith com tanto cuidado e com um evidente carinho, que cada quadro, cada página ganha vida própria e envelopa o leitor em uma experiência imersiva da qual não queremos sair assim como Helen não quer sair do Outro Mundo.

Apesar de Helen de Wyndhorn ser algo raro de se ver por aí nos quadrinhos semi-mainstream e apesar de Tom King deixar o final preparado para um retorno a esse universo, ainda que apenas uma fresta, tenho para mim que a graphic novel é completa como está. Paradoxalmente, sei que darei boas-vindas e lerei mais desse mundo pela mesma dupla criativa, mas, no fundo, tenho para mim que tudo o que precisamos saber dele e de seus personagens nós aprendemos aqui e a continuada exploração cairá não na armadilha da falta de qualidade, pois confio em King e Evely, mas sim em uma fina ironia em razão dos comentários que o texto faz justamente sobre as infindáveis adaptações que são feitas de obras famosas. Já há muito o que extrair dessa leitura e o melhor que se faz é reler o material sempre que bater saudades de Helen, Barnabas e demais.

Helen de Wyndhorn (Helen of Wyndhorn – EUA, 2024)
Contendo: Helen of Wyndhorn #1 a 6
Roteiro: Tom King
Arte: Bilquis Evely
Cores: Matheus Lopes
Letras: Clayton Cowles
Editoria: Daniel Chabon
Editora original: Dark Horse Comics
Datas originais de publicação: 13 de março, 17 de abril, 19 de junho, 18 de setembro, 25 de setembro e 13 de novembro de 2024
Páginas: 176

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