Home TVTemporadas Crítica | Harley Quinn (Arlequina) – 5ª Temporada

Crítica | Harley Quinn (Arlequina) – 5ª Temporada

Mudança de ares.

por Ritter Fan
3,K views

  • spoilers. Leia, aqui, as críticas das demais temporadas. 

É inevitável. Relacionamentos amorosos, com o tempo, tornam-se repetitivos, sem novidade e as partes entram em uma rotina de conforto e também de desconforto. E o mesmo pode ser dito de séries de TV que, na medida em que avançam nos anos, tendem a reutilizar fórmulas e estruturas, a deixar de oferecer verdadeiras novidades aos espectadores. No entanto, assim como relacionamentos amorosos de longa data podem também ser extremamente recompensadores mesmo considerando-se esses movimentos cíclicos, bastando que haja renovação dessa conexão e comprometimento do casal, é perfeitamente possível que séries se perenizem fazendo exatamente a mesma coisa, só que na linguagem audiovisual, logicamente. A acomodação faz parte da vida e acontece todos os dias com basicamente tudo o que fazemos e consumimos e, diferente do que muita gente pode achar, notadamente os mais novos, naturalmente cheios de energia e vazios de maturidade, não é algo ruim, que devemos fugir, pelo menos não sempre, sob penas de sermos eternamente descontentes.

Harley Quinn, que desde já tem tudo para ser, quando ela um dia finalmente acabar, uma das melhores séries animadas baseadas em personagens de quadrinhos, não desaponta e mantém seu altíssimo nível de qualidade em seu quinto ano, com um sexto já em desenvolvimento. Harley (Kaley Cuoco) e sua esposa Pamela Isley, mais conhecida como Hera Venenosa (Lake Bell), encontram-se, no começo dessa temporada, justamente lidando com a rotina de um relacionamento e, não gostando do que veem por sempre terem sido ativas em suas várias vidas antes e depois de se transformarem, mudam-se para Metrópolis, que fica logo ali do outro lado do rio como em algumas versões dos quadrinhos e em BvS – invencionice que abomino, mas que a série satiriza sensacionalmente -, uma verdadeira utopia urbana, especialmente se contrastada com a distopia que é Gotham City. Fazendo amizade com uma extremamente simpática Lena Luthor (Aisha Tyler), irmã de Lex (Wendell Pierce), que está preso e namorada de ninguém menos do que Bruce Wayne (Diedrich Bader) e morando em um gigantesco apartamento branco em um prédio branco com uma bela vista para a cidade branca reluzente, tudo indica que elas estão diante de um genuíno recomeço.

No entanto, claro, tudo é uma grande cortina de fumaça, uma ilusão de que o futuro promete algo diferente, já que Pamela precisa enfrentar seu passado com seu abusivo ex-professor e ex-namorado, o Dr. Jason Woodrue (John Slattery emprestando sua voz e sua aura cafajeste perfeita para o personagem) retornando à sua vida e, entre um “desentendimento” e outro, transformando-se no Homem Florônico, Brainiac (Stephen Fry também soberbo no trabalho de voz), com um trágico passado, secretamente sendo o marionetista que faz de tudo para transformar a cidade em uma perfeição de forma a poder engarrafá-la e vê em Harley Quinn uma inaceitável agente do caos e, finalmente, Lena, mais secretamente ainda, tendo uma agenda maligna própria fruto de traumas passados. Em outras palavras, é o passado – sempre ele – que informa o presente e o futuro e, com Bruce de joelhos por Lena e Superman fora da Terra depois de um papo cabeça com Harley, não há mais os super-heróis tradicionais para lidar com uma situação que vai compassadamente em um crescendo hilário e enlouquecedor, que conta inclusive – e especialmente – com Shaun Shark (Kimberly Brooks), um dos filhos do Tubarão Rei (Ron Funches) e afilhado de Harley e Pamela que dá outro significado ao termo hiperatividade e se torna outro legítimo agente do caos.

A temporada, mais uma vez de 10 episódios, outro sinal de consistência, não tem temor algum em repetir a estrutura narrativa que celebrizou a série. Se destruir Gotham já estava talvez ficando repetitivo demais, a simples transição para Metrópolis foi uma saída simples e, por isso mesmo, genial. Harley é, como Brainiac logo detecta, um peixe completamente fora d’água ali, um lugar de alta tecnologia, sofisticado, elitizado e repleto de gente que, como Lois Lane (Natalie Morales), não para de levantar o nariz e dizer todos os prêmios que ganhou na vida. Para fazer esse transplante com sucesso, porém, os showrunners se valem de conveniências narrativas que transportam os personagens mais importantes que gravitam ao redor das protagonistas também para Metrópolis. Bruce aparentemente está tão apaixonado por Lena que se mudou para um dos apartamentos da mesma torre de Harley e Hera e basicamente esqueceu-se de ser Batman, enquanto que Bane (James Adomian) foi para lá em busca de uma escola holandesa(???) para sua filha adotiva Cachinhos de Ouro (Carla Delaney), personagem e linha narrativa transplantadas diretamente de Homem-Pipa: Ja É!, com basicamente o mesmo valendo para o Coringa (Alan Tudyk). Cara-de-Barro (também Tudyk) leva uma crítica negativa do Planeta Diário para seu show solo e ele decide resolver as coisas sequestrando Perry White (Tudyk novamente!) e tomando seu lugar na redação, basicamente transformando-a em um centro de idolatria ao seu trabalho dramático. Se eu disse que isso tudo é conveniência narrativa? Sim, claro. Mas eu não disse que não gostei. Ao contrário, achei excelente essa “emulação” de quadrinhos de outras eras em que tudo acontecia na base do “porque sim”, sem que houvesse uma lógica forte para as coisas, algo que combina demais com a série sob análise.

E tudo isso resulta em uma temporada harmônica, mas frenética, capaz de desvios narrativos brilhantes como é o caso do episódio que conta a origem de Brainiac no planeta Colu em que ele nada mais é do que um funcionário público espacial que não deseja mais do que ficar quieto com sua família, somente para uma tragédia abater-se sobre ele e levando-o à insanidade ao ponto de ele passar centenas de anos falando com seu macaco de estimação enquanto coleciona miniaturas de cidades perfeitas dos mais variados planetas. Mas não é só em desvios que o brilhantismo da série fica evidente, já que é sensacional como a continuada “apalermação” de Bruce Wayne e da batfamília, incluindo Alfred (Tom Hollander), simplesmente não tem preço e se encaixa fluidamente em toda a ambiciosa história. Da mesma forma, a entrada tardia dos pais de Harley na história, com sua mãe Sharon (Susie Essman) não só permanecendo até o fim, como efetivamente tendo papel importante no desfecho de tudo, foi um toque realmente inteligente que agrega à protagonista e expande seu passado. Ou seja, cada peça nova e cada peça reutilizada ganha seu encaixe exato, sendo movimentada precisamente quando necessário para criar organicidade ao conjunto, algo que vale até mesmo para o sumiço do Superman e seu óbvio, esperado e mesmo assim perfeito retorno no momento providencial exato e, como de praxe nas mais diversas mídias, com um poder novo perfeitamente conveniente.

O único aspecto que me deixou coçando um pouco a cabeça durante a temporada foi algo que eu costumo relevar muito facilmente, mas que eu preciso salientar. Afinal, quero falar da animação em si, algo que sempre foi do mais alto gabarito na série e que inexplicavelmente outras séries da DC parecem ignorar, preferindo seguir por caminhos próprios muito mais inanes. O que percebi, aqui, é que os segundo e terceiro planos ganharam menos detalhamento, menos capricho, por assim dizer, criando uma uniformidade de pano de fundo que chamou atenção e que refletiu na técnica de animação em si, um tantinho mais simplificada, ainda que longe, bem longe de ser travada. Se essas forem medidas de economia para manter a série no ar por mais algumas temporadas, não tenho do que reclamar, mas lá no fundo temo que isso seja sinal do sucateamento de Harley Quinn algo não só comum, mas bastante provável desde a entrada de David Zaslav na empresa, com sua visão e estratégia de cortar centavos e de privilegiar o lado Discovery do conglomerado. Espero estar errado e espero que tudo seja apenas impressão minha, algo que poderemos conferir na próxima temporada se, claro, o executivo mencionado não decidir, de uma hora para a outra e sem dar a menor satisfação, cancelar tudo.

Seja como for, o quinto ano de Harley Quinn foi, mais uma vez, um grande acerto para a série e uma maneira muito clara de dizer a criativos por aí que estragam suas próprias criações com baboseiras inaceitáveis, que entrar em um ciclo de conforto e de reaproveitamento de ideias não é algo a ser rechaçado, mas sim abraçado desde que haja a real vontade de usar a estrutura base e já conhecida como motor para algo que solidifica a relação da série com seus personagens e, claro, com o espectador. Não há nada como a fusão daquela tranquilidade, daquele quentinho no coração em se deparar com o conhecido com a oferta de novidades carinhosamente criadas para desafiar relações.

Harley Quinn – 5ª Temporada (EUA, 16 de janeiro a 20 de março de 2025)
Desenvolvimento: Justin Halpern, Patrick Schumacker, Dean Lorey
Direção: Diana Huh, Christina Manrique, Joonki Park
Roteiro: Jamiesen Borak, Leslie Schapira, Vidhya Iyer, Katie Rich, Dean Lorey
Elenco: Kaley Cuoco, Lake Bell, Stephen Fry, Aisha Tyler, Alan Tudyk, Ron Funches, James Adomian, Diedrich Bader, Krizia Bajos, Maria Bamford, Briana Cuoco, Susie Essman, Harvey Guillén, Tom Hollander, Lilimar Hernandez, Natalie Morales, Wendell Pierce, John Slattery, J. B. Smoove, Jacob Tremblay, James Wolk, Kimberly Brooks, Carla Delaney
Duração: 230 min. (10 episódios)

Você Também pode curtir

Este site usa cookies para melhorar sua experiência. Presumimos que esteja de acordo com a prática, mas você poderá eleger não permitir esse uso. Aceito Leia Mais