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Crítica | Han Solo: Uma História Star Wars (Com Spoilers)

por Gabriel Carvalho
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  • O texto a seguir contém spoilers! Leiam a crítica sem spoilers aqui.

A imortalidade de um personagem como Han Solo, eternizado por Harrison Ford em Guerra nas Estrelas, é uma afirmação mais concreta que uma referente ao caráter eterno do intérprete que o tornou famoso. Tendo sido explorado em livros, quadrinhos, games e até no nosso próprio imaginário, amado ou odiado, é certo pontuar uma considerável separação de ator com personagem. Harrison Ford, no final das contas, não é Han Solo, mas uma espécie de vetor dessa figura, levando-a das páginas de um roteiro para a vida nas telonas, assim como faz Aiden Ehrenreich, cuja interpretação, nesse prelúdio, busca traçar a personalidade do anti-herói em suas primeiras aventuras. Han Solo: Uma História Star Wars não tem, como estrela de sua jornada, o Han Solo de Harrison Ford, mas uma reinterpretação levemente diferente, com a manutenção, contudo, de um espírito bastante similar. As diversidades servem como uma distinção de um ator para o outro; a interpretação não é uma cópia, não é um cosplay, mas justamente uma interpretação. Todavia, diferentemente de outros possíveis casos, o papel também é diferente, visto que temos, ao nosso lado, uma versão mais jovem do contrabandista mais famoso da galáxia. Os problemas desta história Star Wars não se encontram na atuação de Aiden, bastante competente, muito menos na ausência de necessidade de sua realização, algo que surge da existência do filme e não do anúncio dele, mas em outros aspectos a serem analisados em todas as suas vertentes nesse texto.

A começar, temos uma obra que não celebra personagens anti-heroicos, cheios de moralidade dúbia e convicções distantes de convenções éticas, mas, de certa forma, os parodia, intensificando o discurso de “não devemos confiar nas pessoas” de uma maneira óbvia, premeditando as resoluções da obra. Dessa maneira, quando, no clímax do filme, reviravolta acontece após reviravolta, uma seguindo a outra, a faceta aberta não é outra coisa senão cômica. Os saqueadores revelam-se como os mocinhos de toda a história, o “mestre” como parceiro do vilão, Han Solo como uma figura inteligente o suficiente para ter presumido esta reviravolta da natureza de seu falso aliado, entregue por tal discurso emburrecedor citado acima. Consequentemente, outro twist dentro desse twist referente a carga de coáxium, o macguffin da história, surge, com os saqueadores vencendo os inimigos verdadeiros, apenas para o tutor traidor então decidir agir por conta própria. A “mocinha” presumidamente trai o “mocinho”, porém, descobre-se que ela não o traiu na verdade, matando, enfim, o vilão. Para completar esse passeio histérico, a mocinha, no último segundo, revela-se como vilã, atendendo ordens de um outro cara mau que antes não havia sido apresentado, originando-se um novo twist dentro do twist de um twist anterior. A óbvia confusão é paralela ao fato de que muito do que Han Solo tem para oferecer ao público está espalhado nesse terceiro ato, supostamente inteligente, mas verdadeiramente desqualificador de uma trama decididamente esperta, com algo a dizer de modo consciente, e não disperso meio a uma trama sem qualquer inspiração.

Chewie é o meu co-piloto.

Porém, devemos retornar ao ponto inicial de toda essa história, a trama em si, para entendermos as mais variadas aproximações do espectador com os deméritos – e também méritos – da obra. Portanto, chegamos em Corellia, lar original de Han Solo – e que, de começo, também é parte de um dos grandes problemas do filme: o design de produção, muito pouco inventivo. A rápida introdução já nos define o interesse amoroso do personagem no filme, Qi’ra (Emilia Clarke). Ambos buscam sair daquele lugar, mas são perseguidos pelas autoridades. Han Solo foge de Corellia, mas Qi’ra não, criando-se um objetivo primeiro ao protagonista, o de salvar sua amada. Para uma história com esse teor de oposição entre herói e anti-herói, é um pouco curioso que o mote inicial, em um momento em que ele ainda se encontrava na frente do coáxium, introduzido subsequentemente, é consideravelmente heroico. As intenções heroicas são importantes, afinal, estamos falando do mesmo personagem que um dia iria se tornar parte da Aliança Rebelde, mas elas são pouco questionadas a ponto de nos levar a uma construção de personagem deliciosa de acompanhar. No último respiro da obra, com essas tantas reviravoltas, somos induzidos a um pensamento de transformação, de mudança. O atirar primeiro é a concretização de uma mudança no protagonista, mas a história de amor, embora contrariada, pouco contribui para isso. Acaba sendo desonesto querer dar ao filme um aspecto de jornada interna, quando o mesmo não usufrui disso de maneira funcional, quase incoerente, mas não totalmente incrível.

Apesar disso, existem pontos muito interessantes em relação a personagem de Emila Clarke, importantes de serem ressaltados. Primeiramente, as interações de Qi’ra com Han Solo são muito boas. O filme subverte completamente o caráter “donzela em defesa”, colocando-a para agir por contra própria, sem esperar o retorno de Han Solo, mas fugindo de Corellia sozinha, por caminhos muito provavelmente obscuros. Existe uma falta de amadurecimento no personagem de Aiden, preso ao passado, enquanto o de Clarke foi obrigado a se desvencilhar de amarras deste outro tempo. Os erros, contudo, permanecem, ao passo que “você não vai mais me amar da mesma forma ao saber das coisas que fiz” não traz em consequência uma real explicitação das reais coisas que ela fez. Han Solo: Uma História Star Wars, para variar, diz mais do que mostra. “Ela não é confiável”, aponta certo personagem, mesmo que, no filme todo, Emilia Clarke permaneça sorrindo e se relacionando de modo simpático com Han Solo e o público. O conflito internalizado da personagem não é evidenciado, com esse contraste de quem ela era no passado com o que ela se tornou no presente ficando à deriva de um produto confuso. Apenas no final da obra, ao se comunicar com Darth Maul, uma aparição surpresa, é que somos realmente apresentados a uma tendência obscura; uma apresentação, contudo, bastante porca, que se baseia muito mais no inesperado retorno desse personagem do que na contradição da “mocinha”, brevemente pincelada e bastante tardia.

Aliás, o que Lawrence Kasdan, roteirista que também trabalhou em O Império Contra-Ataca, e seu filho, Jon Kasdan, buscam fazer com a aparição do personagem é, basicamente, jogar sujo com o público, utilizando do fanservice com o mero intuito de trazer uma reação ausente de real emocional e sentido. Primeiramente, a maior parte dos espectadores e fãs de Star Wars apenas assistiram aos filmes, consumindo um ou outro produto vindo de uma diferente mídia. Ou seja, o único contato destas pessoas com Darth Maul é com a sua versão de A Ameaça Fantasma, a mesmo com pouquíssimas falas e inexistente carisma e personalidade, além da espetacular maquiagem e estiloso comportamento em batalha. Os espectadores entendidos do Universo Expandido, por outro lado, saberão que Maul sobrevivera aos acontecimentos de A Ameaça Fantasma. A questão é que, nos filmes, isso não existe, sendo uma dissonância entre as mídias, visto que esta é a primeira vez em que algo que acontece nas telonas necessita de um conhecimento prévio por parte do público. Aqueles que não sabem disso ficarão estupefatos, indagando: “Mas ele não tinha morrido?”. Sem nenhum acordo com a natureza da obra, a qual, diferentemente do esperado, se configura como mais uma com a aparição de um sabre de luz, completamente desnecessário, além de um Sith, a presença de Darth Maul é simplesmente a referência mais desonesta de todas do filme. O que aparenta-se de tudo isso não é o real interesse do roteiro em justificar o retorno do vilão – isso fica para filmes futuros – mas simplesmente causar a tal reação, sem nenhum interesse narrativo, com a mera causa sendo simplesmente, além da busca pela comoção, o vazio no cânone existente, para o personagem, durante a época em que o filme se passa.

Embora a presença de Darth Maul seja carregada de uma substância problemática, a realidade é que Han Solo: Uma História Star Wars não tem muita ideia em como trabalhar as demais referências, muitas sendo parte de um escopo relacionado a respostas de perguntas que nunca fizemos realmente. Mesmo assim, observa-se uma fraca costura de uma resposta para outra, de uma referência a outra, projetando no espectador um sentimento episódico, como a própria apresentação de Lando Calrissian (Donald Glover). Em termos interpretativos, contudo, diferentemente do que foi feito por Aiden, observa-se uma atuação mais interessada em seguir as pontuações feitas por Billy Dee Williams, em O Império Contra-Ataca. O visual é certeiro, mas o grande destaque desse personagem está na apresentação da robô L3-37 (Phoebe Waller-Bridge). O seu relacionamento com ela é sujeito a um caráter sexual extremamente inédito na saga, interessantíssimo, mas a morte da personagem tem qualquer caráter emocional extraído pelo equívoco na suavização de sua personalidade. É de extrema irresponsabilidade da obra apresentar o anseio de L3-37 na libertação dos dróides sob uma vertente completamente cômica, quase como um deboche. Em momento algum, Lando olha para os desejos de sua parceira de um modo sério. Todavia, é necessário se exaltar as ótimas interações do personagem de Glover com os demais, recebendo um texto mais cômico e o aproveitando muito bem. Aliás, também existe nisso tudo o olhar anti-heroico sobre a figura de Lando, extremamente covarde e malandro, notavelmente comentado pelo roteiro, durante sua fuga apressada consequente a chegada dos saqueadores.

O homem mais charmoso da galáxia.

Dos demais coadjuvantes, Tobias Beckett (Woody Harrelson) também é uma agradável presença. Ele, assim como a desperdiçada Val (Thandie Newton) e o carismático Rio (Jon Favreau), são introduzidos de um modo bastante peculiar, interessante, inseridos durante um dos contatos de Solo com o inferno armado. A melhor coisa a ser dita desse segmento, uma passagem muito repentina, é o ótimo estabelecimento, porém curto, da guerra, no qual Ron Howard, diretor do filme, coloca a câmera no meio do combate, aliando-se a uma fotografia alaranjada, completamente diferente da escuridão inicial, um quesito que atrapalhou deveras a ambientação, o design de produção de Corellia, algo citado acima no texto. Já a ação seguinte, um roubo de carga com espírito faroeste, é muito mais ágil se comparada com o frenético, mas cansativo, percurso de Kessel. A frase “essa é a nave que completou o percurso de Kessel em menos de 12 parsecs” finalmente é justificada, de um modo realmente inteligente, visto que parsec é uma unidade de distância, não de tempo – ou seja, teoricamente, essa afirmação estaria equivocada. Ademais, o conflito simples do filme é resolvido com a presença de um vilão simplório, Dryden Vos, interpretado por Paul Bettany. Apesar do ator estar bem no papel, com trejeitos ímpares, o roteiro pouco se esforça em não construir sobre o ator uma antagonização extremamente genérica. O personagem aparenta ser mais um Sith do que um típico gângster – o envolvimento dele com Qi’ra é isento de qualquer profundidade. Além disso tudo, a trilha sonora apresenta pequenos excertos de melodias clássicas, usando-os para impulsionar nostalgia e fervor no espectador durante a ação.

Já em um último ponto, no desespero da fuga de Corellia, o protagonista é forçado a se alistar, sendo o sobrenome Solo, imposto por um oficial imperial, utilizado para introduzir uma vertente solitária no personagem, a qual nunca é desenvolvida de outra forma senão nessa única citação. Ele trabalha sozinho, mas no filme temos, além de Chewbacca (Joonas Suotamo), um grupo enorme de pessoas ao seu lado. O destino do protagonista também é rumar para Tatooine, ser parte de uma outra trupe, agora a montado, muito provavelmente, por Jabba the Hutt. Em relação ao melhor amigo do homem, mais para frente, em inventiva cena, Han Solo se comunica em linguagem wookie com Chewbacca, e a amizade vai se estabelecendo, através de bons, porém poucos, “diálogos”. Todavia, o anseio de Chewie em ajudar a sua espécie poderia ter sido realçado mais, visto que esta é a única possibilidade de explorar o personagem vastamente. Enfim, Han Solo atira primeiro, mas também ajudaria Luke Skywalker a salvar o dia. A esperança de que essa construção fique para o futuro permanece, assim como o desejo por aquela aventura refrescante, descompromissada, mas tão instigante a ponto de ser memorável, no melhor estilo Os Caçadores da Arca Perdida, mas com blasters substituindo chicotes. Han Solo: Uma História Star Wars, em primeira instância, é a aventura mais despretensiosa de todo esse universo estelar. Já em segunda, uma reviravolta dentro da própria intenção da obra, o filme é uma aventura com pretensões estranhas, ainda seguro, mas buscando puxar continuações, de diferentes lados, e expandir a mitologia para caminhos pouco interessantes, pobremente moldados para que, presumidamente, o espectador saia da obra interessado no futuro. A realidade é que, a essa altura, já estou cansado de reviravoltas.

Han Solo: Uma História Star Wars (Solo: A Star Wars Story) – EUA, 2018
Direção: Ron Howard
Roteiro: Jonathan Kasdan, Lawrence Kasdan
Elenco: Alden Ehrenreich, Joonas Suotamo, Woody Harrelson, Emilia Clarke, Donald Glover, Thandie Newton, Phoebe Waller-Bridge, Paul Bettany, Jon Favreau, Linda Hunt, Ian Kenny, John Tui, Anna Francolini, Andrey Woodall, Warwick Davis, Clint Howard, Ray Park, Sam Witwer, Anthony Daniels
Duração: 135 min.

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