Home LiteraturaConto Crítica | Haïta, o Pastor e Um Habitante de Carcosa, de Ambrose Bierce

Crítica | Haïta, o Pastor e Um Habitante de Carcosa, de Ambrose Bierce

por Luiz Santiago
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O americano Ambrose Gwinnett Bierce talvez seja mais conhecido pelo seu fantástico e satírico Dicionário do Diabo (The Devil’s Dictionary, 1906), mas duas de suas obras se tornariam amplamente importantes na construção de Universo de outros autores. A primeira delas é o conto Um Habitante de Carcosa (1886), e a segunda, Haïta, o Pastor (1891), que marca a primeira aparição de Hastur na literatura. Ambos são contos muito simples, embora o primeiro seja muitíssimo superior ao segundo, em qualidade. Eles apresentam aquela atmosfera de que algo muito poderoso e indecifrável está acontecendo, deixando o leitor esperando por um evento inominável logo no parágrafo seguinte — não é à toa que muitos articulistas aproximam esses e outros escritos de Bierce aos de H. P. Lovecraft; não apenas pela refiguração que o artista mais jovem faria de Hastur nos Mythos de Cthulhu (um dos mais poderosos “Grandes Antigos”), mas também pelo estilo enigmático e sombrio de escrita.

Na trama de 1986, vemos um homem da cidade de Carcosa andando por um lugar que parecia um cemitério, mas que de tão antigo, as tumbas já haviam praticamente sido enterradas pela modificação natural do lugar. Esse narrador não sabe como foi parar ali, mas lembra que estava doente, sofrendo de grande febre, constantemente com alucinações. Em sua caminhada, ele encontra um lince, uma coruja e um homem estranho vestido com peles de animais carregando uma tocha, que ignora o narrador. É aí que uma grande revelação se dá e o leitor compreende toda a tensão, toda a sensação de atmosfera opressiva que sentia desde as primeiras linhas da ótima história. Bierce especula aqui sobre a morte do corpo e a morte da alma e essa narrativa é uma forma de explorar melhor essa percepção.

Já no conto de 1891, há bem mais simplicidade e um tantinho a menos de coisas interessantes no decorrer da leitura. Conhecemos Haïta, um pastor ingênuo que faz suas preces no santuário de Hastur — nomeado nessa história como “deus dos pastores” –, e nada sabe de sua origem. Quando as grandes tempestades ameaçam afogar as cidades dos vales, ele ameaça abandonar sua adoração, chantageando Hastur para salvá-los. Essa relação entre o pastor, o deus, um eremita abandonado da vizinhança e uma figura feminina misteriosa (a Felicidade) completam o ciclo de interações que temos no conto, que normalmente impressiona os leitores vindos de Lovecraft ou de O Rei Amarelo, de Robert William Chambers, por mostrar Hastur como uma figura benevolente, talvez não conseguindo esconder seu lado manipulador, mas nada muito diferente disso.

Ambos os contos são interessantes exposições do talento de Bierce em inserir personagens em situações misteriosas, amedrontadoras e ao mesmo tempo cheias de reflexões. O despertar dos dois indivíduos aqui pode ser visto como um choque, um empurrão ou um trauma, refletindo descobertas e encontros simbólicos de um lado, enquanto de outro, mostram coisas completamente realistas; choques, encontros e traumas que nós mesmos atravessamos em nossa realidade.

Haïta the Shepherd e An Inhabitant of Carcosa (EUA)
Autor: Ambrose Bierce
Publicações originais: San Francisco Newsletter (25 de dezembro de 1886) e Wave Magazine (24 de janeiro de 1891)
10 páginas (Haïta) e 18 páginas (Carcosa).

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