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Crítica | Habemus Papam

por Luiz Santiago
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É possível entender Habemus Papam como uma experiência atípica na filmografia de Nanni Moretti. Isso porque a ausência de uma crítica contundente ao objeto filmado e uma quase desmedida linha cômica estão na linha de frente deste filme que poderia ser uma pequena obra-prima, mas que é um pouco esvaziado pela atuação do diretor, e por sequências sem significado algum para o filme. O argumento é muitíssimo interessante: um cardeal eleito papa não suporta a pressão do cargo, não assume o pontificado e foge de sua missão, tendo nesse meio tempo o tratamento de dois psicanalistas. O roteiro, do qual Moretti é coautor, explora a humanidade dos líderes da igreja, especialmente do papa, em uma abordagem que consegue manter vivo o interesse do espectador do começo ao fim. Não fosse a aparição demasiada do personagem interpretado por Moretti e o estranhíssimo jogo entre os cardeais em algum momento do filme, estaríamos diante de algo bem mais impactante — mas não se engane: o filme é ótimo.

A veia cômica utilizada é interessante na maior parte do tempo. Os motivos religiosos são satirizados pelo diretor desde o início, com a abordagem televisiva da reclusão dos cardeais para a eleição do novo pontífice. O próprio conclave é invadido pela câmera, e temos acesso não apenas ao comportamento quase infantil dos cardeis, que tentam olhar de soslaio o voto dos companheiros, mas também ao pensamento deles, pedindo a Deus: “Eu não, Senhor, por favor!”. A oposição entre o sagrado e o profano que o diretor escancara no filme é ainda acrescida da velha disputa entre fé e ciência. Essa relação entre o mundo fechado do Vaticano e o mundo secular e profano constitui-se um dos mais interessantes conflitos dramáticos em filmes do gênero na atualidade. A própria fuga do papa, que busca não apenas forças para assumir o cargo que lhe foi confiado, mas, de alguma forma, encontrar suas raízes, é uma forma de repensarmos o papel exercido pelo religioso, que assim como qualquer outra pessoa, tem um passado e pode ser assombrado por ele.

A atuação de Michel Piccoli como papa, é soberba. A fragilidade do homem indeciso e que se julga incapaz de guiar milhões de fieis pelo mundo é perfeitamente transmitida através de sua atuação emotiva e tecnicamente aplaudível. O discurso final do personagem é ainda mais interessante, porque o ator carrega toda a sequência em alterações de tom vocal e expressões, uma vez que a direção e a montagem da sequência são muito simples, quase jornalísticas. O uso da música sacra e secular está bem dosado, um fator que não carrega o filme nem para uma tensão barroca nem para uma incompatibilidade dramática entre música, imagem e tema.

Habemus Papam é um filme incrível. A ironia aos ritos eclesiásticos, a posição do homem frente à sua humanidade, em detrimento da posição social que ocupa, é um trunfo louvável que Moretti consegue articular. Lamento que o diretor tenha permitido algumas sequências soltas durante o longa, e que tenha carregado muito a câmera em seu personagem. A indecisão, a dor e os conflitos psicológicos são tratados de maneira simples, precisa, e com muita ironia. Percebemos que, independente de sua fé, chamado divino ou responsabilidade social, o ser humano tem a imperativa necessidade de lidar com seus próprios demônios, e mesmo que todos imaginem uma personalidade como uma fortaleza escondida e indestrutível, há, por trás de qualquer título ou posição, alguém que sofre, deseja ou ri por alguma coisa.

Habemus Papam (Itália, França, 2011)
Direção: Nanni Moretti
Roteiro: Nanni Moretti, Francesco Piccolo, Federica Pontremoli
Elenco: Michel Piccoli, Jerzy Stuhr, Renato Scarpa, Franco Graziosi, Camillo Milli, Roberto Nobile, Ulrich von Dobschütz, Gianluca Gobbi, Margherita Buy, Camilla Ridolfi, Leonardo Della Bianca, Dario Cantarelli, Lucia Mascino, Massimo Verdastro, Giulia Giordano, Francesco Brandi
Duração: 102 min.

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