As “crises” estão para a DC Comics assim como as “guerras” estão para a Marvel Comics. E nada poderia gritar mais “guerra” do que o tie-in Guerra Civil na nova saga Guerras Secretas. Com o Doutor Destino tornando-se deus e criando seu próprio mundo dividido em regiões auto-contidas dentro do chamada Battleworld, com cada uma recriando os eventos mais importantes da história editorial da Marvel, era óbvio que Guerra Civil, a saga mais importante de todas não poderia ficar de fora.
Diferente das duas histórias O Que Aconteceria Se… sobre Guerra Civil, publicadas em um one-shot em 2008, essa versão alternativa de Guerra Civil não lida com o que teria acontecido no meio do evento e sim com a seguinte e singela hipótese: o que aconteceria se a Guerra Civil não tivesse acabado? O catalisador dessa hipótese é uma explosão gigantesca na prisão da Zona Negativa causada pelo Pantera Negra que, ao ser canalizada pelo poder de teletransporte de Manto, mata diversos heróis e 15 milhões de civis. A gigantesca tragédia, então, divide os Estados Unidos em dois: o leste, comandado pelo presidente Tony Stark, é rebatizado de The Iron (O Ferro) e o oeste, comandado pelo General Steve Rogers é rebatizado de The Blue (O Azul) e, no meio, como uma chaga que não se fecha, há The Divide (A Divisão), que demarca a fronteira entre os dois lados e que é unida por uma ponte que simboliza a esperança de união, ponte essa gerenciada por Miriam Sharpe, mãe de uma das crianças que morreu no incidente original, em Stamford, que levou ao começo do embate.
Esse é o panorama que temos no começo da história, passada seis anos após o momento explosivo que comentei mais acima. Os dois lados tentam novamente um acordo de paz tendo Sharpe como mediadora, mas, quando ela é alvo de um atentado, as conversas degringolam novamente e um ataque final liderado pelo Capitão América começa a ser posto em prática.
Charles Soule tem pouco espaço para escrever, mas o que ele faz em apenas cinco números merece aplauso. Praticamente recriando o mapa geopolítico americano, ele consegue apresentar muito claramente cada um dos lados ao dividir famílias e amizades ao meio. Peter Parker é, agora, o braço direito de Rogers, mas Mary Jane e sua filha May (Mayday?) ficara do lado leste. Bucky Barnes, o Soldado Invernal, é o segundo em comando de Stark, apesar de sua história com o Capitão América. Com isso e mais as modificações de comportamento e de aparência de cada um desses heróis, que ainda incluem dentro do foco principal a Mulher-Hulk, agora interesse romântico de Stark e Speedball, agora adulto e um membro do grupo dos justiceiros, que trabalha para Rogers, Soule consegue trabalhar bem o conflito e resolvê-lo de forma muito satisfatória, criando um twist bem estruturado que acaba por reunir duas sagas Marvel em uma só.
Claro que ele toma alguns atalhos e corre aqui e ali. O plano de Steve Rogers, cortesia do cérebro do Fera, é tirado da cartola muito rapidamente, ainda que o roteirista se esforce para demonstrar que era algo já pensado há muito tempo. O mesmo vale para Stark e a missão que Jennifer Walters vai atrás das linhas inimigas. Mas a grande verdade é que tudo funciona de maneira muito orgânica, sem sobras ou enrolações. Na verdade, essa foi uma das poucas minisséries de minha memória recente que desejei que fosse mais longa e não mais curta. Teria sido fascinante, por exemplo, ler um “tie-in do tie-in” só sobre Peter Parker e como ele tornou-se o braço direito de Rogers e como passou a usar a roupa do Falcão. E o mesmo vale para a relação entre Stark e Walters ou para o grupo de infiltração formado por Elektra, um novo Venom e um novo Pantera Negra sob o comando de Parker.
A minissérie é repleta de ação, mas todas elas caminhando para um ponto de convergência muito interessante e que é dependente da reviravolta que mencionei, mas que não explicarei qual é para evitar spoilers. O fato é que há organicidade no trabalho de Soule que o torna, como os americanos dizem um page turner, ou seja, é impossível não devorar a história toda até o fim.
A arte ficou ao encargo de Leinil Francis Yu, que começou sua carreira na Marvel ainda nos anos 90 no título solo de Wolverine. Sua reimaginação do Universo Marvel é impressionante. São sempre os mesmos heróis, mas com um grau de evolução – ou involução, pode escolher – acima, tornando-os perfeitamente críveis como uma visão de futuro próximo de cada um deles: Rogers, Stark, Parker, Walters, Barnes e também Hulk, Speedball, Capitã Marvel e diversos outros. No lugar de uniformes espalhafatosos, temos algo mais tático, mas que faz referência aos respectivos originais. E os detalhes. Ah, os detalhes! O artista impressiona nas sequências de combate, trabalhando cada personagem, por mais desimportante que seja, com o mesmo cuidado que desenha os protagonistas, além de mostrar-se um mestre na distribuição espacial e na progressão dos quadros que nunca confunde o leitor e faz o melhor uso possível de algumas surpresas escritas por Soule ao longo da narrativa (esperem só para descobrir quem é o Wolverine, por exemplo…).
Essa nova versão de Guerra Civil é uma daquelas histórias que o leitor não quer que acabe. E se isso não é a marca da excelência nos quadrinhos, não sei mais o que é.
Guerra Civil (Civil War, EUA – 2015)
Contendo: Guerra Civil (2015) #1 a #5
Roteiro: Charles Soule
Arte: Leinil Francis Yu
Arte-final: Gerry Alanguilan
Cores: Sunny Gho
Letras: Joe Sabino
Editora original: Marvel Comics
Datas originais de publicação: setembro a dezembro de 2015
Páginas: 106