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Crítica | Guardiões da Galáxia Vol. 3

Uma carta de amor de James Gunn a seus personagens.

por Ritter Fan
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Homem-Formiga e a Vespa: Quantumania pode não ter começado muito bem a Fase 5 do Universo Cinematográfico Marvel e nem funcionado como o final da Trilogia Homem-Formiga que muitos talvez esperassem. Vários fatores contribuíram para isso, claro, como a fadiga de filmes de super-herói (só na Fase 4 a Marvel Studios derramou 18 obras!) e a escolha narrativa de se amarrar o filme à infraestrutura mais ampla de uma cada vez mais expansiva rede de obras audiovisuais interconectadas. Ao revés, felizmente, o segundo longa da Fase 5, que é também o canto do cisne de James Gunn como diretor do UCM, acerta no alvo primeiro ao ser um filme que quase só se curva aos anteriores da trilogia e, depois, no que se propõe a fazer, que é, principalmente, dar um fim digno aos Guardiões da Galáxia, divertido grupo (ou, talvez melhor classificando, família) cósmico heterogêneo que foi uma das mais arriscadas apostas criativas de Kevin Feige, aposta essa que se pagou regiamente em um filme de origem que continua sendo um dos melhores do estúdio até hoje e uma sequência que, mesmo com seus defeitos, é também da mais alta qualidade.

Depois de uma ausência alongada do universo quebrada em 2022 pelos decepcionantes Thor: Amor e Trovão e Especial de Festas, o Volume 3 vem para fechar de maneira mais do que digna a Trilogia Guardiões da Galáxia entregando os encerramentos de arco que cada um de seus componentes merecia, inclusive a Gamora de outro universo (Zoe Saldaña). Enquanto o filme em si tem seus tropeços, quase todos eles devido ao inchaço tipicamente hollywoodiano do roteiro de Gunn, é claramente perceptível o carinho do cineasta com os personagens que ele tornou popular ao inserir o seu tipo de humor galhofeiro e muita música no DNA de suas (re)criações, já que ele faz das tripas coração para dedicar essa segunda continuação a cada um deles quase que igualmente (ok, um exagero meu, mas é por aí), de Peter Quill (Chris Pratt) a Rocket Raccoon (Bradley Cooper), passando por Drax (Dave Bautista), Mantis (Pom Klementieff) e Groot (Vin Diesel) e chegando à Nebulosa (Karen Gillan) que tem sua participação e importância bastante ampliada. Até mesmo Cosmo (Maria Bakalova), desde o Especial de Festas uma cadela para homenagear mais diretamente a cadela Laika em que o personagem original foi baseado) e Kraglin Obfonteri (Sean Gunn) têm ótimo espaço no longa para mostrarem seu valor.

A história tem como coração o próprio Rocket que, às portas da morte depois de ser atacado por um misterioso e poderoso ser de pele dourada (Will Poulter vivendo uma versão que subverte radicalmente o Adam Warlock dos quadrinhos e que, por isso, pode irritar leitores que não aceitam liberdades com seus hominhos preferidos), não consegue sofrer intervenção cirúrgica por ele ter um implante protegido por senha que impede qualquer uma dessas medidas. Desesperados, Quill e seus colegas partem para invadir um mega-laboratório espacial vivo que Nebulosa identifica como sendo a fonte dos implantes que o pequeno e violento guaxinim tem em seu corpo, logo juntando-se à Gamora que agora faz parte dos Saqueadores e, claro, enfrentando o grande vilão do longa, o Alto Evolucionário (Chukwudi Iwuji), em uma sucessão de sequências de ação em ambientações diferentes, seja o tal laboratório, seja a Contra-Terra, base do vilão e um ainda maior laboratório ao ar livre, seja em seu quartel-general piramidal.

Apesar de Gunn manter sua assinatura cômica, o pano de fundo do terceiro filme dos Guardiões da Galáxia é o mais sombrio e sinistro de todos, já que o passado de Rocket, visto em lembranças e alucinações do personagem, é um festival de horror com experimentações crudelíssimas em animais pelas mãos de um vilão obcecado em criar a raça perfeita, um verdadeiro Dr. Moureau espacial. Na verdade, Dr. Moureau é pouco para caracterizar o insano personagem que Iwuji encarna de maneira assustadora, variando entre olhos vidrados e insanidade completa, já que ele está mais para um Dr. Mengele dos animais, um monstro capaz de qualquer coisa para, na cabeça desvairada dele, fazer as vezes de Deus. Se o UCM em grande parte sempre falhou com seus vilões, aqui Gunn esculpe uma figura irredimível, alguém que qualquer um ficaria muito feliz em trucidar e que o roteiro, diferente da irritante mania atual, não dedica um diálogo sequer para criar uma “explicação” para ele ser como é. É o mal em sua forma pura, sem planos maiores do que aqueles ditados por sua horrorosa e perversa húbris, algo que funciona especialmente bem considerando que o tema central do filme é, por mais brega que isso possa soar, o amor que sentimos pelos membros de nossa família, seja a de sangue, seja aquela a que escolhemos pertencer.

Enquanto o grande vilão é realmente merecedor de toda a nossa raiva, a variedade de cenários e de criaturas – algo não exatamente incomum nos filmes dos Guardiões da Galáxia – merece todos os elogios, especialmente por ela ser ainda maior aqui. Não só Luganenhum, que aparece apenas no começo e no final, ganha vida sob o “governo” dos Guardiões, com ruas, vielas e população pujante e que convence mesmo sabendo que aquilo ali fica dentro do crânio basicamente em putrefação de um Celestial, como também os demais cenários são de se tirar o chapéu. Há o já mencionado mega-laboratório espacial que é “construído” a partir de massa viva e que, por isso, é basicamente uma nojeira só, dando oportunidades mil aos designers que optaram por uma bizarra abordagem kitsch; há a Contra-Terra e sua população de animais genética e ciberneticamente alterados pelo Alto Evolucionário, com a equipe de próteses, maquiagem e efeitos práticos provavelmente tendo que trabalhar mais do que 24 horas por dia para criar o que vemos nas telonas e há, finalmente, a nave do vilão que, mesmo sendo o típico “quartel general do bandido”, com até uma paleta de cores que nem por um segundo nos permite esquecer disso, ganha camadas extras por ser também uma horrível prisão-laboratório onde ele dá seguimento a suas experimentações em seres vivos, basicamente a ilha do Dr. Moreau ou, claro, um campo de extermínio do Dr. Mengele.

No entanto, o filme é inflado. Em seu afã por fechar arcos e entregar finais dignos a cada um de seus vários personagens, James Gunn faz questão absoluta – mesmo sob pena de prejudicar a fluidez do longa – de criar sequências de realização pessoal para todos. Se a triste história de Rocket é a força motriz do Volume 3, permanecendo inabalável como a razão de ser da obra e, com isso, quebrando aquele humor mais rasgado do cineasta, isso não impede que os demais também sejam focados com bastante detalhe, normalmente ganhando momentos de crescimento e desenvolvimento pessoal, percepção de seus dons e sequências de ação específicas para que eles resumam visualmente aquilo que aprenderam sobre si mesmos. Enquanto que não esquecer de personagens é normalmente um aspecto positivo, aqui ele chega a ser negativo e, muitas vezes, cansativo, já que não só os personagens de longa data são enfocados, como também aqueles que forma introduzidos há pouco ou que, mesmo introduzidos no primeiro filme, mal apareceram, como é o caso de Cosmo, apenas para citar um exemplo. Diria que até mesmo Peter Quill, em tese o protagonista da trilogia, tem mais destaque do que precisaria ter com todo o seu drama em relação ao amor que sentia pela Gamora que foi sacrificada por seu pai e que ele transfere para a “Gamora do passado” para horror dela, claro. Chega a um ponto em que tudo o que tinha a pensar sobre a insistência do roteiro sobre esse assunto era algo como “tá bom, tá bom, já entendi, mas agora mostra Howard, o Pato, que ele é certamente mais interessante do que essa bobagem”.

E, em meio a esses momentos de autorrealizações infindáveis, Gunn atocha no explicômetro, criando linhas de diálogo para nos lembrar sobre tudo o que ocorreu no passado – a essa altura do campeonato, é nosso ônus lembrar de tudo senão os filmes precisarão começar com 15 minutos de “cenas dos capítulos anteriores” -, algo que ele não sabe fazer de maneira orgânica. Além disso, qualquer modificação no status quo em relação ao último momento em que essa ou aquela pessoa foi mostrada –  como o braço Bombril de Nebulosa – parece precisar de seu “momento didático” mesmo quando, como é o caso do exemplo que dei, ou a explicação não é necessária, ou ela é fácil de de ser deduzida por qualquer um que ligue para isso. E, de novo, Gunn não é bom em enxertar essas coisas sem parecer muito claramente que é isso que ele está fazendo.

Muito sinceramente, porém, o inchaço narrativo é até justificável se pensarmos que estamos diante de um James Gunn despedindo-se com carinho e amor dos personagens que basicamente o levaram de diretor de filmes pequenos ao invejável cargo de chefão do reboot do Universo Cinematográfico DC. De certa forma, era algo até esperado, mesmo que um diretor mais elegante e sutil provavelmente alcançasse um resultado bem superior. Pecados compreensíveis à parte, porém, Guardiões da Galáxia Vol. 3 realmente consegue encerrar muito bem o que agora posso chamar de a segunda melhor trilogia do UCM, dando atenção a cada um de seus inesquecíveis personagens – para o mal e para o bem – e nos entregando não só uma assustadoramente fascinante história de origem para Rocket Raccoon, como um dos melhores vilões de todo esse universo cinematográfico.

Obs 1: Há duas cenas pós-créditos, uma logo depois dos nomes do elenco e outra só no final. No entanto, ambas são bem descartáveis, diria…

Obs 2: Sim, tem dancinha. Mais de uma, na verdade. E isso é bom!

Guardiões da Galáxia Vol. 3 (Guardians of the Galaxy Vol. 3 – EUA, 2023)
Direção: James Gunn
Roteiro: James Gunn
Elenco: Chris Pratt, Zoe Saldaña, Dave Bautista, Karen Gillan, Pom Klementieff, Vin Diesel, Bradley Cooper, Sean Gunn, Chukwudi Iwuji, Will Poulter, Elizabeth Debicki, Maria Bakalova, Sylvester Stallone, Michael Rosenbaum, Stephen Blackehart, Linda Cardellini, Asim Chaudhry, Mikaela Hoover, Judy Greer, Miriam Shor, Daniela Melchior, Jennifer Holland, Tara Strong, Nico Santos, Kai Zen, Callie Brand, Nathan Fillion, Dane DiLiegro, Dee Bradley Baker, Gregg Henry
Duração: 150 min.

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