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Crítica | Guardiões da Galáxia

por Gabriel Carvalho
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“Por que você quer salvar a galáxia?”
“Por que eu sou um dos idiotas que vive nela!”

  • Acessem, aqui, nosso índice do Universo Cinematográfico Marvel.

Contém feitiçaria pélvica.

Os heróis mais improváveis se unem para enfrentar uma ameaça maior. Muitos diriam que Os Vingadores seriam esses heróis improváveis, seres poderosos, mas desajustados tanto individualmente quanto coletivamente. Um milionário arrogante com problemas envolvendo bebida, um cientista sem controle de sua raiva, um soldado fora de seu tempo, uma espiã russa destruída por dentro, um Deus asgardiano cheio de problemas familiares e um arqueiro com senso de inferioridade em relação aos seus aliados maiores, melhores e mais úteis, como Vingadores: A Era de Ultron revelaria mais para frente nesse Universo Cinematográfico da Marvel. O anúncio de Guardiões da Galáxia, portanto, após o sucesso que foi a reunião de tantos personagens amados pelo público, justamente pelos seus problemas, com nada de infalíveis, foi a maior surpresa que a Marvel Studios ousou fazer. Sem nenhuma apresentação individual, nos moldes clássicos de se fazer franquia de super-grupo. A mesma ideia dos Vingadores: personagens desajustados. Porém, dessa vez, ainda mais desajustados. O tom cômico elevado para níveis nunca tentados antes, com uma liberdade imensa dos realizadores para tornar tudo maior; as batalhas com proporções gigantescas, as cores vibrantes, as armas singulares e o drama ainda mais pesado, nas poucas vezes que surge é claro. Certamente, se o estúdio tivesse outras propriedades, o público não teria se encantado com tais aventuras completamente inesperadas, mas que provaram ser, talvez, parte do maior acerto cinematográfico da empresa.

“Ooga-chaka Ooga-Ooga
Ooga-chaka Ooga-Ooga”

A começar, Guardiões da Galáxia é justamente isso. Uma versão completamente marginal de Os Vingadores, subvertendo tudo que antes “precisaríamos” para fazer um filme de super-grupo funcionar, regras criadas pela própria Marvel. Seus heróis não são heróis, mas criminosos procurados, capturados e encarcerados pelos verdadeiros mocinhos. Se antes o objetivo era conseguir colocar personagens incríveis em escopos mais acessíveis, mais palpáveis, longe de qualquer fantasia mais alucinada (até mesmo Thor tornou toda a magia interplanetária em ciência ainda não compreendida), James Gunn, diretor que se encarregou com extremo carinho da franquia galáctica, não precisa nem ao menos se preocupar com ficção pé no chão. Guardiões da Galáxia se passa no espaço e torna-se, dada a dimensão mais terráquea que os filmes do Thor tomaram, a primeira incursão verdadeiramente cósmica feita pela Marvel Studios. A criação de universo permite cores muito mais vivas, personagens azuis e verdes, arquiteturas completamente irreais, além de composições visuais inimagináveis. Não é por menos que temos a melhor fotografia de um filme do estúdio, ainda mais pelo fato dos efeitos visuais, muitos criados por computação gráfica, serem geniais, belíssimos componentes da imagem. O espaço para criatividade é imensa, abarrotado de imaginatividade para que até mesmo o humor, o mais coerente de todo o Universo Marvel, faça sentido dentro da proposta. Sendo assim, James Gunn quer uma comédia, mas quer, além de qualquer coisa, uma identidade, uma alma única. Guardiões da Galáxia é o sinônimo de espirituosidade.

Mas como o diretor alcança esse êxito? De tantas space operas que vieram após um certo sucesso de George Lucas , datado de 1977, Guardiões da Galáxia é muito provavelmente a mais bem sucedida, com uma identidade completamente própria. Para isso, acima de tudo, James Gunn tem um grandiosíssimo aliado ao seu lado: a Awesome Mix Vol. I. O diretor caçou de sua coletânea setentista pessoal músicas que, diegeticamente ou não, tornaram-se sinônimos de Guardiões da Galáxia. Nesse lado da trilha sonora, o longa mistura representações musicais como a de Hooked on a Feeling, tendo mais cara de “videoclipe”, com outras executadas dentro da própria estrutura narrativa, como quando ao início do filme, um Peter Quill (Chris Pratt) criança, prestes a perder sua mãe, está escutando I’m Not in Love, uma escolha acertadíssima de James Gunn – uma canção sentimental, preparatória para a dor. De ambas as formas as músicas relembram, por todo o filme, a memória do passado e das conexões com a Terra, mesmo que o presente não seja carregado de lamentação, mas muito divertido. Dessa forma, ao sair da perda trágica e terrivelmente verdadeira – o não dar as mãos é uma atitude humana decorrente do medo de concretizar aquela partida – e passar pela abdução alienígena, inesperada e abrupta,  James Gunn muda completamente o tom da produção, mas de forma fluida, não o quebrando. Apresenta-se, portanto, um dançante Senhor das Estrelas a performar Come and Get Your Love, com toda uma preparação antes a nos dar tempo de respirar após o começo destruidor e criar uma atmosfera completamente diferente, mas coesa com a anterior.

“Ooh-oo child
Things are gonna get easier”

Sejamos honestos, Guardiões da Galáxia não despiroca tanto na paleta de cores quanto o seu sucessor e até mesmo Thor: Ragnarok. O próprio planeta do início do filme, Morag, é mais cinzento, rochoso, enquanto Guardiões da Galáxia Vol. II já partiria para um alucinógeno embate ao som de Mr. Blue Sky. O planeta é vivo, contudo, mesmo completamente abandonado. O que realça os olhos, porém, é o contraste. A maquiagem torna certas figuras interessantes contradições ambulantes. No entanto, enquanto o tom do filme, em um apuro visual, é extremamente coerente, há certos deslizes por parte do roteiro na forma de encarar os seus vilões. Ronan, o Acusador (Lee Pace), grande ameaça do filme, em busca do Orbe que Peter Quill encontra nos minutos iniciais, é superficial. O interesse do vilão em destruir e conquistar povos inteiros não é algo explorado e a própria maleficência dele é menor, residindo em coisas que vão além do que se é mostrado. A subversão, contudo, de certos embates conclusivos que existem nas fórmulas cinematográficas de como se contar histórias, é muito mais interessante. A “dancinha” funciona. O uso de Thanos (Josh Brolin), entretanto, para criar um estado de submissão em Ronan, seria muito mais impactante se o personagem de Brolin fosse devidamente importante na trama, talvez surgindo como uma ameaça nas sombras. Capangas como Korath (Djimon Rounsou) e Nebulosa (Karen Gillian), esta muito mais operante ao ser tratada junto de Gamora (Zoe Saldana), não oferecem muito ao filme. Guardiões da Galáxia não tem muito esmero ao tratar dos seus vilões, que destoam dos heróis e não são integralmente compensados.

Todavia, tais naturezas mais falhas, como, por exemplo, os personagens menores da Tropa Nova, deixados de lado pelo roteiro, ou então, a tentativa mais desonesta do filme em criar, no clímax da obra, emoção do espectador na partida de um certo personagem que não nos importávamos, desmoronam quase por completo quando vamos olhar para a coesão da trama em relacionar os protagonistas entre si. A equipe liderada por Peter Quill não possui uma figura por trás para uni-los, como acontece em Os Vingadores. Tudo acontece pela pura coincidência de todas aquelas criaturas terem sido presas na mesma prisão. O vínculo entre cada um, em consequência, é mais orgânico pelo próprio caráter da união. Por um lado, temos Esquadrão Suicida, forçando uma conexão entre os personagens. Por outro, Guardiões da Galáxia cria essa química de uma maneira invejável e apreciável. O acaso, porém, é parte do jogo, do envolvimento do espectador nessa diversão cheia de personalidade. Os eventos que surgem são todos muito bem amarrados, uma causa e consequência atrás da outra, sem quebra desse ritmo mais dinâmico. Quando vamos falar de motivações, que levariam personagens aleatórios a tornarem-se salvadores de mundos, temos um deboche escancarado por parte de Gunn, que coloca suas figuras para zombar de pretensões meramente altruístas. Todos têm suas fraquezas, seja desvios de um caráter infalível, passados comprometedores, falta de emoções, a vontade destruidora por vingança ou até mesmo a incapacidade de entender metáforas. Muitas dessas características “humanas” tornam-se piadas engraçadíssimas, mas Guardiões não esquece do peso delas e nos faz, na medida do possível, entende-las. Nada se esvai, apenas se transforma, como um certo graveto a principiar uma árvore

“Cause baby there ain’t no mountain high enough
Ain’t no valley low enough”

O guaxinim – ou não – menosprezado por si mesmo, a árvore inabilitada de se comunicar com os outros, a assassina criada e transformada pelo ser que matou seus pais, o destruidor de risada histérica com um passado destrutivo e o garoto que guarda para si a única lembrança de sua falecida mãe, raptado por saqueadores – ou seriam salvadores? Tantos personagens diferentes, um bando de idiotas, formam os Guardiões da Galáxia. Se o plano de James Gunn era conseguir incorporar as vozes de Bradley Cooper e Vin Diesel, respectivamente Rocket Racoon e Groot, armas tanto para a comédia, quanto para o drama e a ação, em personagens amadíssimos, novos ícones do fascínio de um mundo por super-heróis, ele conseguiu. Como três palavras, sempre repetidas da mesma forma, na mesma ordem, conseguiram, em cada repetição, trazer um significado diferente? Da mesma forma, um brutamontes como Drax (Dave Bautista), destinado, na maioria das vezes, a ser o peso pesado de uma equipe, uma simples manivela narrativa para “se passar de fase”, torna-se uma criatura amável nas mãos de James Gunn, relacionável e ainda mais falho do que se esperaria. De todas as falas do filme, nenhuma consegue simbolizar tanto a amizade criada pelo grupo que as exposições constantes do grandão em “como se é bom ter amigos”, extremamente verdadeiras pelo tom de ingenuidade de um homem que, provavelmente, há muito não sorria. Por último, um pequeno Senhor das Estrelas qualquer, interpretado por uma nova versão de Chris Pratt, extremamente carismático, divertido, questionável, mas sem perder uma personalidade única, assim como o filme que estrela – uma cantarolante e inesquecível aventura por galáxias as quais sabemos por quem estão sendo guardadas.

Guardiões da Galáxia (Guardians of the Galaxy) EUA, 2014
Direção: James Gunn
Roteiro: James Gunn, Nicole Perlman (baseado nos quadrinhos escritos por Dan Abnett e Andy Lanning)
Elenco: Chris Pratt, Vin Diesel, Bradley Cooper, Zoe Saldana, Dave Bautista, Lee Pace, Michael Rooker, Karen Gillan, Djimon Hounsou, John C. Reilly, Glenn Close, Benicio Del Toro, Laura Haddock, Josh Brolin
Duração: 121 min.

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