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Crítica | Gritos Mortais

por Iann Jeliel
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Gritos Mortais

Gritos Mortais talvez seja o filme mais significativo para a compreensão do porquê a visão artística de James Wan o tornou o nome mais popular do terror no século XXI. O cineasta além de apresentar um domino exímio e habilidoso na câmera, capaz de envolver o telespectador na sua rítmica acelerada e instigante de mistério, ao mesmo tempo que preza também pela construção atmosférica da ambientação para o susto – que pode vim ou não vim e aí ele é um dos melhores na manipulação do recurso do jump scare –, possui acima disso, um repertório amplo no gênero, utilizado muito bem ao seu favor para a coordenação do efeito assombroso de suas histórias as fazer parecer maiores do que realmente são.

Com exceção de Jogos Mortais, em que o primeiro realmente possuía uma originalidade de “projeto da vida”, trazendo uma visão original a narrativas com seriais killers – tanto que levantou o movimento do torture porn – todos os demais filmes do Wan, normalmente escritos também por ele, nesse início com o auxílio a sua parceria com Leigh Whannell, trabalham com clichês super estabelecidos no horror, especialmente em termos de trama. Há uma fórmula prévia de enredo utilizado nesse sentido, começando com o mínimo de informações possíveis na base e sustenta o plot hole sobre uma crescente de mistério de descobrir qual é a da ameaça principal. Através disso, Wan manipula as próprias linhas de seu texto, essencialmente supérfluo pois é uma amarra batida de elementos do gênero que todo mundo conhece e ele tem bastante repertório, mas que são muito bem direcionadas em etapas no filme em fundamentar seu vilão principal numa iconografia visual que é o sustentáculo para o efeito de distorção da suposta complexidade da história.

Basicamente, quando ele direciona tudo a elaboração imagética marcante da assombração, o público geral se mantém mais envolto no que ela representa no momento da experiência do que nas motivações ou pormenores básicos que a fazem o enredo. Em Gritos Mortais isso é muito curioso e evidente para provar essa eficiência momentânea para compensar uma fragilidade holística da narrativa. Dando um relato pessoal, este foi um dos primeiros filmes de terror que assisti e um dos que mais me deu medo, sendo que nunca tive medo de boneco e mais tarde, diferente de outros clássicos que me marcaram, mas não me assustaram tanto quanto esse, mal lembrava de cenas ou minimamente de partes da trama. Revi tempos depois e o medo continuou sobre a lenda de Mary Shaw (Judith Roberts) e seus ventríloquos sinistros, mas pouco tempo depois, já não lembrava mais deles, nem do nome principal da assombração.

Isso vale no mais tardar para Sobrenatural e Invocação do Mal, que são até evoluções dessa linguagem de pensar o memorável momentâneo num espectro de setpieces ainda mais bem trabalhadas em isolado. Aqui, essa característica incrivelmente adquiri uma unidade, o que explica o esquecimento e a não transformação de Gritos Mortais em franquia como as outras de Wan. Porque se pegarmos em separado, as reciclagens utilizadas pela história, é fácil desmantelá-la a ponto de algumas coisas não fazerem o menor sentido. Exemplificando sem dar detalhes, a grande motivação de Mary Shaw a atormentar o protagonista (Ryan Kwanten), a poderia ter feito se livrar dele muito tempo antes em outras oportunidades. Outro exemplo é a subtrama do policial (Donnie Wahlberg, vulgo irmão de Mark Wahlberg), que persegue inescrupulosamente o principal, sobre a acusação de achá-lo culpado sobre a morte da mulher (Amber Valletta) – que rende uma primeira cena, excelente diga-se de passagem –, mas convenientemente, tem seu caráter cético quanto as defesas do outro culpando justamente o sobrenatural relevado em certas oportunidades que tinha para confirmar sua hipótese, para manter a narrativa sobre o mesmo local assombroso que embala o primórdio visual da atmosfera.

A pouca credibilidade dos personagens e suas motivações, como dito, não são perceptíveis quando estamos envoltos nessa atmosfera, conduzida no sequenciamento de cenas quem podem ou não render susto, sendo as que rendem essa compensação do medo criado de levar susto, funcionando por serem realmente muito bem orquestradas, escondidas a serem soltas no momento certo em que nosso psicológico meio que desistiu deles acontecerem e as que não, sendo parte integra desse processo de envolvimento momentâneo a atmosférica que nos prende ao filme. Isso porque a manipulação de Wan sempre nos mantém muito confortáveis em termos de informações que nos são dadas, onde o diretor as fornece de bandeja, através de flashbacks bem encaixados na montagem delinear da narrativa, que nos faz pensar estarmos junto a ele na resolução do mistério o qual nos convidou no início a participar, mas na verdade, o faz estar um passo à frente, ou pelo menos, fornece um esconderijo a uma grande informação, utilizada no clímax como uma reviravolta.

No grosso, essa grande virada é mais construída pelo efeito de amarrar tudo rapidamente na edição rememorando cenas, do que pela surpresa, pela revelação em si e em como ela se encaixa no storyline. Pouco importa se faz ou não sentido lógico ou não, a de Gritos Mortais não faz o menor, mas ela fecha o raciocínio do que ele prioriza enquanto terror, que é dizer o qual é a da ameaça. Desse modo, o público ignora qualquer brecha de verossimilhança e se concentra na confirmação máxima da periculosidade de Mary Shaw, a qual ele sustentou a atmosfera para lhe dar ênfase a sua iconografia. A cereja do bolo, não foi provar que a história foi mais inteligente do que a gente convidada a imergir nela – por mais que esse seja um pouco do sentimento quando não percebemos as conexões previamente –, mas sim, de que sentimos medo enquanto ela estava sendo contada. A falta de verossimilhança só se ajusta a isso, pois o sobrenatural e o desconhecido que foram a base mínima para investimos no mistério, também são confirmadas. Fora a trilha sonora, que mesmo derivada de Jogos Mortais, é muito boa.

Consequentemente, a reviravolta reafirma o quanto o terror para Wan está a serviço da história e não o contrário, o que torna seus filmes bem mais honestos enquanto exercícios de gênero do que os genéricos surgidos a partir de suas tendências – fora a diferença na execução técnica. Gritos Mortais, apesar de esquecível, consegue ser genuinamente assustador no tempo em que dura.

Gritos Mortais (Dead Silence | EUA, 2007)
Direção: James Wan
Roteiro: James Wan, Leigh Whannell
Elenco: Ryan Kwanten, Amber Valletta, Donnie Wahlberg, Michael Fairman, Joan Heney,  Bob Gunton, Laura Regan, Dmitry Chepovetsky, Judith Roberts, Keir Gilchrist
Duração: 89 minutos

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