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Crítica | Gremlins: Segredos dos Mogwai – 1ª Temporada

Retornando ao fascinante universo dos Mogwai.

por Ritter Fan
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Apesar do sucesso de Gremlins, em 1984, uma continuação só chegou aos cinemas seis anos depois e, provavelmente por ter sido incompreendida, foi um fracasso de crítica e bilheteria, enterrando a franquia por nada menos do que 33 anos. Somente em 2019, diante da intensificação dos revivals de obras clássicas causada pela feroz concorrência dos serviços de streaming que se proliferam mais facilmente do que as criaturas do título, é que o projeto do ainda desconhecido americano de ascendência chinesa Tze Chun ganhou luz verde na Warner, colocando em movimento a produção que teve seu primeiro episódio exibido no Festival Internacional de Filmes Animados de Annecy, em julho de 2022, com a estreia oficial mundial ocorrendo quase um ano depois, no HBO Max.

Composta de 10 episódios, a temporada inaugural é um prelúdio ao filme original situado na China, em 1920, que tem a difícil tarefa de pegar um material que obviamente não foi feito para ser “explicado” e criar contexto e origem para ele. Em outras palavras, o trabalho do showrunner consistiu em, principalmente, partir de uma ideia pronta e ampliar o universo criado na primeira metade da década de 80 por Chris Columbus emprestando algum semblante de lógica a tudo o que foi inserido lá, seja a existência da regras inquebrantáveis, mas completamente aleatórias para cuidar de Gizmo, seja a próxima existência dos Mogwai em suas duas formas, a fofa e simpática e a asquerosa e caótica. Mas, em uma obra com contornos fantásticos, a lógica é relativa e ela pode muito bem passar a existir quase que literalmente em um passe de mágica, que é precisamente o que Chun faz.

Na história, Gizmo (A. J. LoCascio fazendo um ótimo trabalho de emulação de Howie Mandel) vive em um vilarejo idílico no místico Vale de Jade juntamente com diversos outros de sua espécie, até que um gavião o leva para o “mundo dos homens”, onde ele passa a ser uma atração de um circo itinerante. Em Xangai, ele é salvo por Sam Wing (Izaac Wang), mais conhecido como o idoso Sr. Wing (vivido por Keye Luke) que se recusa a vender Gizmo a Randall Peltzer (Hoyt Axton) no início do longa de 1984 e que, aqui, é um menino de 10 anos superprotegido pelos pais (Fon e Hon Wing, com vozes, respectivamente, de Ming-Na Wen e B. D. Wong)  que, com o sábio e aventureiro Vovô Wing (James Hong) que conhece a lenda dos Mogwai, têm uma loja de medicina tradicional na cidade. Mas Gizmo é cobiçado pelo vilanesco Riley Greene (Matthew Rhys) que não só é rico, como tem poderes mágicos, o que inicia uma jornada por parte de Sam que, ao lado de Elle (Gabrielle Nevaeh Green), uma jovem ladra que inicialmente trabalha para Greene, mas logo se bandeia para o lado do bem, objetiva levar Gizmo de volta ao seu lar.

O que pode dar a impressão de ser uma animação bobinha e leve no primeiro episódio não demora a passar por uma transformação e a ganhar contornos que andam no fio da navalha entre o humor e o horror, exatamente como no primeiro longa da franquia, o que, confesso, foi uma surpresa muito bem-vinda. Claro que ainda é uma animação em tese voltada para o público infanto-juvenil, pelo que não há nada explícito, mas as sugestões de violência e de morte não só estão presentes, como elas são constantes e sustentadas ao longo de todos os episódios, sem nem mesmo poupar as encantadoras versões peludas dos Mogwai. De sangue mesmo, só a gosma verde dos Mogwai transformados, mas há de tudo um pouco na série, inclusive decepamentos, envenenamentos, pedradas até a morte e outras situações que esgarçam até o limite, por vezes ultrapassando um pouco, o que é pode ser considerado apropriado para uma criança pequena.

Em termos de estrutura, apesar de a temporada ter a missão de devolver Gizmo ao seu lar original, o que é bem claro e objetivo, os roteiros do miolo embarcam na “criatura sobrenatural da semana” como uma forma de justificar os 10 episódios e de contextualizar a pegada mística que gravita ao redor dos Mogwai, evitando que as criaturinhas pareçam únicas. Com isso, há muito espaço para ótimas invencionices que seguem elementos da mitologia chinesa que, quando começam a cansar, logo abrem caminho novamente para que a história principal volte a ser o grande foco. Por outro lado, nem todas as ameaças fora do eixo central são realmente interessantes e alguns personagens que são introduzidos tardiamente, especialmente o menino Rabanete (Calvin Shen), ficam perdidos em meio à correria.

O design dos cenários e dos personagens cambam para versões caricatas da realidade, com as criaturas fantásticas sendo o real centro das atenções. Se Gizmo é bem parecido com o original live-action, suas contrapartidas lagartoides não são, elas mesmos parecendo caricaturas das originais, algo que é bem utilizado para a criação de versões novas dos monstrinhos baderneiros, uma delas muito claramente inspirada pelo gremlin inteligente de Gremlins 2, além da esperta líder das criaturas que tem uma tara por Gizmo. Por outro lado, a animação em si, um 3D que faz uso de cel-shading para justamente reduzir a impressão de tridimensionalidade, não funciona sempre, especialmente em planos abertos, exigindo uma curva de “costume” por parte do espectador.

Em um mundo em que reaproveitamento de propriedades de priscas eras é a regra, Gremlins: Segredos dos Mogwai foi, sem dúvida alguma, uma boa maneira de se retornar a esse pouco desenvolvido universo. Tze Chun acerta muito mais do que erra aqui e consegue não só capturar o espírito ousado do longa oitentista original, como oferece de bandeja ordem em meio ao caos representado pelos Mogwai em suas duas formas. A segunda temporada já teve sua produção autorizada, pelo que fica a torcida para que o showrunner continue acertando com as destruidoras criaturas que, há décadas, passaram a fazer parte indelével da cultura pop como em um passe de mágica.

Gremlins: Segredos dos Mogwai (Gremlins: Secrets of the Mogwai – EUA, 23 de maio a 22 de junho de 2023)
Desenvolvimento: Tze Chun (baseado em personagens criados por Chris Columbus)
Direção: Michael Chang, Stephanie Gonzaga, Vaughn Ross, Alexandra Chiu
Roteiro: Tze Chun, Brendan Hay, Anna Christopher, Sarah Nerboso, Peter Chen
Elenco: Izaac Wang, Ming-Na Wen, B. D. Wong, James Hong, Matthew Rhys, A. J. Locascio, Gabrielle Nevaeh Green, Calvin Shen, Haviland Morris, Sandra Oh, Randall Park, George Takei, Bowen Yang, Julie Nathanson, Keone Young, Ramona Young
Duração: 224 min. (10 episódios)

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