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Crítica | Gremlins 2: A Nova Geração

Uma incompreendida continuação.

por Ritter Fan
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Poucos filmes são tão autoconscientes do que representam como Gremlins 2: A Nova Geração, continuação tardia do clássico e inimitável Gremlins, de 1984, que acabou sendo um fracasso de bilheteria e enterrou por muitos anos – basicamente até 2023, com o lançamento de uma série de TV animada – qualquer pretensão de se ampliar a franquia. Mas, de maneira muito semelhante ao que aconteceria com Tropas Estelares sete anos depois, o retorno de Joe Dante ao universo das anárquicas criaturas criadas por Chris Columbus foi uma obra incompreendida em sua época talvez justamente por ela ser o que é.

Se vista à distância, Gremlins 2 é a típica continuação hollywoodiana que perverte e destrói a premissa original e arremessa pela janela qualquer semblante de história e de construção de personagens, tudo com o objetivo de ampliar os exageros, o caos e os fogos de artifício para agradar um público cada vez mais denominador comum que só quer diversão rasa. No entanto, se vista com cuidado e com boa vontade interpretativa, o longa tem, como mencionei acima, perfeita consciência do que é e do que representa e, por isso mesmo, se não funciona exatamente como uma ótima continuação, revela-se como uma ferina sátira justamente à fábrica de sequências que o cinema americano mainstream nunca deixou de ser, mas que, não é de hoje – e hoje mais do que nunca – , vem intensificando seus esforços para ser quase que exclusivamente.

Então sim, Gremlins 2 pega o cuidadoso equilíbrio de terror e comédia da obra original e o defenestra em prol de uma comédia rasgada e sim, Gremlins 2 não se contenta em correr desabaladamente para levar Gizmo a se multiplicar e a fazer com que sua prole se transforme de bichinhos fofinhos em monstrinhos destruidores, e logo arruma um jeito qualquer de criar variações geneticamente alteradas como em um passe de mágica para que tenhamos um gremlin-aranha, um gremlin-morcego, um gremlin-crânio, um gremlin-vegetal(???), um gremlin-elétrico e até mesmo um gremlin-transgênero em uma enlouquecida progressão narrativa que transforma o filme em uma espécie de experimentação audiovisual sobre as possibilidades dos animatrônicos criados pelo sensacional Rick Baker que, depois de muita insistência de Dante, substituiu Chris Walas, que decidira tentar carreira como diretor. O resultado é um filme que é mais anárquico do que o primeiro, a ponto de ser basicamente um frenesi que coloca seus personagens humanos em segundo plano (inclusive o grande Christopher Lee, que faz uma ponta como cientista maluco) e foca nas criaturas do título em uma sucessão muito divertida de sandices, com destaque para o gremlin-crânio que, depois de beber uma poção do laboratório de genética, começa a falar com a voz do veterano Tony Randall que faz o personagem ter a empáfia de um intelectual de nariz em pé.

Somando-se a tudo isso, o longa, que traz de volta a dupla principal do filme anterior – Zach Galligan e Phoebe Cates como Billy Peltzer e Kate Beringer, agora morando juntos em Nova York e trabalhando no Clamp Center, o prédio de tecnologia duvidosa do magnata Daniel Clamp (John Glover, o Lionel Luthor de Smallville) onde quase toda a ação se passa -, ainda conta com diversos momentos que conversam diretamente com o espectador, como é a genial interrupção da projeção por um gremlin na sala de projeção que só retorna depois da ameaça de um raivoso e descamisado Hulk Hogan e que, para o lançamento em home video, seria alterada para parecer que as criaturas quebraram o aparelho de VHS e que fazem escárnio do próprio filme, como é o caso da participação do crítico de cinema Leonard Maltin como ele mesmo falando mal do longa de 1984 (como ele realmente falou, vale lembrar) e sendo atacado pelos gremlins em seguida e assim por diante. E isso sem contar com a literal transformação de Gizmo em uma versão peluda e em miniatura de John Rambo, com direito à sequência de treinamento, faixa na cabeça e arco e flecha, em uma excelente escolha narrativa que, trocando em miúdos, quer dizer o seguinte: isso aqui é uma paródia do filme anterior que reconhece como continuações destroem o espírito da obra original exatamente como Rambo II: A Missão destruiu Rambo – Programado para Matar.

Em resumo, Gremlins 2 é uma dose gigante de anarquia e destruição que anarquiza e destrói Hollywood como poucos filmes fazem, quase como se Joe Dante estivesse mostrando seu dedo do meio à indústria que o “forçou” a retornar a seu clássico seis anos depois. Ao olhar para o que é e para a ambição que o tornou possível, Gremlins 2: A Nova Geração é uma zoeira completa cuja critica e lição de moral certamente passaram despercebidas não só pelos executivos da Warner como pelo público da época. Mesmo que essa indústria nunca aprenda essa lição – teria sido inevitável e obviamente irônico se o filme tivesse feito sucesso na bilheteria e ganhasse uma continuação pelo próprio Dante – é sempre bom ver que há cineastas que estão dispostos a inventivamente esculhambar seu próprio ganha-pão e entregar algo inteligente com roupagem de pura bobeira audiovisual.

Gremlins 2: A Nova Geração (Gremlins 2: The New Batch – EUA, 1990)
Direção: Joe Dante
Roteiro: Charles S. Haas (baseado em personagens criados por Chris Columbus)
Elenco: Zach Galligan, Phoebe Cates, John Glover, Robert Prosky, Robert Picardo, Christopher Lee, Haviland Morris, Dick Miller, Howie Mandel, Tony Randall, Frank Welker, Kirk Thatcher, Mark Dodson, Jeff Bergman, Neil Ross, Jackie Joseph, Gedde Watanabe, Keye Luke, Kathleen Freeman, Don Stanton, Martin Stanton, Jason Presson, Belinda Balaski, Paul Bartel, Kenneth Tobey, Julia Sweeney, Charles S. Haas, Jerry Goldsmith, Leonard Maltin, Hulk Hogan, Dean Norris, Raymond Cruz
Duração: 106 min.

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