- Contém spoilers do episódio. Leiam, aqui, as críticas dos episódios anteriores.
O mesmo problema principal que acometeu Queen Takes Knight, o midseason finale, está presente com mais força nesse recomeço de temporada: há linhas narrativa demais e simplesmente não há tempo para lidar com elas adequadamente. Mas, em Pieces of a Broken Mirror, isso já era de certa forma esperado diante dos acontecimentos bombásticos da primeira metade da história. Há a esperada rearrumação de tabuleiro, com a introdução de novas situações que abrem espaço para a continuidade da série. Mas é muita coisa acontecendo ao mesmo tempo e o resultado é desnorteador.
Se pararmos friamente para pensar, o showrunner de Gotham sempre mostrou enorme propensão de marretar a maior quantidade possível de vilões da mitologia do Batman a cada temporada, tornando a cidade que batiza a série um Asilo Arkham a céu aberto, com apenas um punhado de personagens com algum semblante de normalidade. Não que eu queira ou procure realismo, claro. Por outro lado, espero um tratamento lógico e menos do alucinado para cada uma das figuras estranhas que populam esse universo. E isso a quarta temporada não vem entregando mais.
Vejam o episódio sob análise, por exemplo. Nele, temos a volta de Ivy em sua terceira forma (Peyton List), o que já pede que indaguemos se isso era mesmo necessário. Além disso, temos a volta de Lee Thompkins, agora sob o pseudônimo misterioso que dura 10 minutos The Doc, tentando reerguer os Narrows ao lado de Edward Nigma e Solomon Grundy. Grundy, por sua vez, como vimos no episódio anterior, depois de ser torturado – com amor – relembra que ele já foi Butch Gilzean em algum momento do passado e vai atrás de sua paixão. Como se isso não bastasse, somos introduzidos à versão da série do Toy Maker, um assassino que usa brinquedos como armas e que é contratado para acabar com Lee. Aqui, ele é Griffin Krank (Thomas Lyons), pai de Cosmo Krank (vivido por Chris Perfetti e efetivamente o vilão na série animada The Batman) e ele é morto por Gordon ao final certamente para permitir a “origem” da versão mais jovem do personagem.
Mas isso não é tudo. Por alguma razão completamente misteriosa e sem sentido, Alfred Pennyworth, que fora demitido pelo insuportavelmente mimado Bruce Wayne, aparentemente mora justamente nos Narrows, demonstrando que o ex-militar britânico é no mínimo perdulário e não guarda um centavo sequer. E, como se isso não bastasse, ele ainda se envolve em uma subtrama bobalhona de “dama em perigo” acoplada com “acusado por um crime que não cometeu” que se resolve na velocidade que alguém leria uma tira de jornal do Batman e não acrescenta absolutamente nada à história, a não ser um possivelmente vingativo novo vilão que voltará alguma hora para tentar matar Alfred em temporada futura. Isso se a garçonete morta não reviver como uma zumbi, transformando-se em mais uma personagem esquisita da série.
Sei que meus comentários estão parecendo particularmente jocosos e desdenhosos aqui, mas eles se justificam para ilustrar a velocidade vertiginosa de um roteiro de Danny Cannon que literalmente atira para todos os lados, não nos deixando tempo nem mesmo para apreciar a inauguração do Siren’s Club, já que ele está lá somente para nos obrigar a ver Wayne novamente (já falei que está na hora de ele ser mandado para o Nepal treinar com um monge e voltar três temporadas no futuro já como proto-Batman) e para introduzir a nova Ivy às suas amigas/inimigas. É tudo muito rápido, picotado e perdido, com tanto material “socado” em um espaço só que chega a cansar e, confesso, irritar. E o que torna a coisa ainda mais ridícula é que essa quantidade de gente exige que tudo aconteça geograficamente muito próximo, bastando, para isso, reparar no “comício” de Lee, que acontece no mesmo prédio onde Ivy revive e que fica a um quarteirão de onde Alfred e Gordon estavam, mas por razões diferentes. É como se Gotham fosse uma cidade do meio-oeste americano no século XIX, composta de uma rua só…
Ainda que não tenha sido um episódio particularmente inspirado, confesso que o visual da cidade, objeto de reclamação minha na crítica anterior, voltou a ser o que era: uma amálgama muito bem feita de passado e presente, criando uma ambientação belíssima e atemporal com um CGI claramente presente, mas bem utilizado mesmo assim. Isso fica particularmente evidente pelo contraste entre os Narrows e a parte rica da cidade e os diversos cenários utilizados ao longo do episódio. Outro aspecto positivo é o plot twist final em que descobrimos que foi o Charada que contratou Krank para matar Lee, estabelecendo a volta do personagem (mais um), para surpresa e horror de Nygma.
Com tanta gente, foi uma surpresa notar que nem o “Coringa que não é Coringa” e o Pinguim deram as caras. Não que eu quisesse, mas, diante da profusão de linhas narrativas, achei que Cannon não resistiria a pelo menos nos mostrar alguns segundos dos dois jogando xadrez no sanatório. De toda forma, suas ausências só foram mesmo sentidas, pois todos os demais apareceram, com Gordon hilariamente “materializando-se” em praticamente todos os lugares como o Capitão Kirk usando teletransporte.
Pieces of a Broken Mirror foi um recomeço frenético para uma temporada que precisa caminhar mais devagar, sob pena dela se auto-sabotar. Há muita coisa interessante para ser desenvolvida, mas “desenvolver” é a palavra-chave e não “introduzir”. Na maioria das vezes, menos é mais e Bruno Heller já devia saber disso.
Gotham – 4X12: Pieces of a Broken Mirror (EUA, 1º de março de 2018)
Showrunner: Bruno Heller
Direção: Hanelle M. Culpepper
Roteiro: Danny Cannon
Elenco: Ben McKenzie, Donal Logue, Robin Lord Taylor, David Mazouz, Cory Michael Smith, Camren Bicondova, Sean Pertwee, Anthony Carrigan, Maggie Geha, Jessica Lucas, Crystal Reed, Charlie Tahan, John Doman, Morena Baccarin, Peyton List
Duração: 43 min.