Golpe de Sorte em Paris (2023) é mais uma obra que integra a “fase de rejeição” de Woody Allen, iniciada por volta de Magia ao Luar (2014); um período marcado pelo crescente distanciamento público, alimentado de tempos em tempos por reportagens, artigos e entrevistas, em diversos meios de comunicação, reavivando as acusações de abuso contra sua filha, Dylan Farrow, em 1992. Pela primeira vez, desde o início de sua carreira, em 1969, Allen encerra as filmagens de um filme sem ter outro projeto em pré-produção, reforçando a declaração feita durante a divulgação desta obra de que, possivelmente, estamos diante de seu último trabalho. Por mais de uma vez, o diretor afirmou que tem vontade de seguir trabalhando, mas está cansado de correr atrás de financiamentos; e que, talvez, parar em uma marca histórica (este é o seu 50º longa-metragem!) não seria uma má opção. Até o momento da escrita desta crítica — setembro de 2024 –, o único projeto confirmado de Allen para 2025 é um curta-metragem chamado Mr. Fischer’s Chair, onde ele será apenas narrador.
O roteiro e a direção de Golpe de Sorte em Paris são assinados por Woody Allen (um padrão, em suas produções), e muitos articulistas defendem a ideia de que a obra é uma simples revisão de Match Point, comparação que tem fundamento referencial, mas não é capaz de definir verdadeiramente a identidade do longa atual. Primeiro, porque temos uma evidente diferença de qualidade em quase toda a película, comparada à de 2005. Aqui, à parte mais uma extraordinária colaboração com Vittorio Storaro na fotografia (o 5º filme que ele faz com Allen) e os belos figurinos de Sonia Grande, temos uma produção que segue elegantemente no automático. Não dá para dizer que lhe falta identidade, porque as já citadas áreas técnicas impedem que o olhar do espectador perca o encanto, mas essa beleza visual não é abraçada por um enredo que sai do básico, não tem uma boa dramaturgia e não tem uma construção de diálogos digna da sórdida e inteligente fineza dos textos allenianos. A verdade é que Golpe de Sorte mostra um cineasta cansado, ainda capaz de fazer algo bom, mas sem avançar muito além dessa linha.
De similaridade com Match Point, temos o protagonista criminoso que, desta vez, não acredita na sorte. O texto adequa bem o personagem aos novos tempos, fazendo-o um estereotipado “homem de negócios” que combina com a bolha elitista cara ao cineasta. As sementes do suspense são plantadas cedo, mas o diretor estabelece primeiro o romance, para depois quebrá-lo através de um ato de violência limpo e irrastreável. Não é uma das dinâmicas mais fluídas do diretor, nem na progressão narrativa, nem na organização interna da obra, um problema que não consigo atribuir completamente à montagem, mas sim à direção reticente de Woody Allen. Por mais elegante e experimente que Alisa Lepselter seja no agrupamento do filme (e note que conhecemos o seu trabalho com Allen desde 1999, em Poucas e Boas), há ausências demais, fades escuros demais e cenas de reuniões sociais aleatórias demais no pacote, coisas que quase estragaram o filme de vez. Repito a ideia de um “diretor cansado“. Aqui, seu trabalho é o típico “interessante, mas nem tanto“, e mesmo que proponha uma trama para a contemporaneidade, seu cinema parece preso ao passado, e tem dificuldade de erguer algo que verdadeiramente funcione nesta nova realidade.
É quase doloroso ver o 50º filme de um diretor e escritor do porte de Woody Allen ser um produto “apenas ok“. A nostalgia perante sua filmografia, no entanto, acaba sendo um dos fatores de charme na fita, especialmente para os iniciados em seu Universo jazzístico, neurótico, cômico e filosófico, tudo isso reproduzido aqui. Estes espectadores encontrarão piscadelas de uma longa filmografia e um romance-suspense gostosinho de assistir, apesar de sua construção marcada por problemas claros de qualidade narrativa. A frase mais comum nos anos recentes em relação a Woody Allen tem sido “este não foi o seu melhor filme“. Contudo, é um Woody Allen bom; ainda capaz de gerar belas e instigantes cenas, mesmo que, após a sessão, tenhamos a sensação de que falta algo muito importante e que o diretor, talvez, realmente precise se aposentar.
Golpe de Sorte em Paris (Coup de Chance) — EUA, França, Reino Unido, 2024
Direção: Woody Allen
Roteiro: Woody Allen
Elenco: Lou de Laâge, Niels Schneider, Anna Laik, Melvil Poupaud, Yannick Choirat, Guillaume de Tonquédec, William Nadylam, Elsa Zylberstein, Arnaud Viard, Jeanne Bournaud, Anne Loiret, Sara Martins, Alan Risbac, Éric Frey, Samantha Fuller, Valérie Lemercier, Emilie Incerti-Formentini
Duração: 93 min.