O conceito de Shinichiro Kobayashi para a sequência de O Retorno de Godzilla (1984) foi colocado na linha de produção da Toho após um concurso do estúdio. Embora os detalhes dessa ideia tenham sido amplamente modificados, a criação de Biollante, a presença de uma garota com poderes psíquicos e o final solene e conciliador entre monstro e humanidade foram mantidos, dando uma quebrada nada elogiosa na tensão gerada pela história de espionagem industrial. Como ponto de partida, estamos nos momentos imediatamente posteriores ao final do longa de 1984, com funcionários de um laboratório tentando encontrar pistas genéticas da passagem destrutiva de Godzilla pela cidade. Mas ali também estão os mercenários da organização terrorista Bio-Major, que ao longo do filme protagonizará diversos contratempos em suas ações para roubar as “células G” do lagartão.
Assinado por três diretores, o filme começa bem, mas perde muito de sua qualidade com a inserção de elementos demasiadamente solenes, que descambam para o melodrama. Embora diluído em uma base mais séria, esse contexto é tão contrastante com o todo que acaba gerando uma recepção nichada: de um lado, o grupo que amou o que viu; do outro, aqueles que odiaram o resultado. Aqui é mais difícil encontrar um meio-termo. Mas apesar da estranheza no início, não podemos dizer que se trata de uma ideia ruim. Existe um princípio coeso com a busca genética das indústrias. A jovem Erica está fazendo uma pesquisa botânica, e sua morte acaba impulsionando três coisas: o pai geneticista a uma pesquisa envolvendo as rosas da filha; a ideia de comunicação das plantas e, adicionalmente, a proposta de criação de uma bactéria que pudesse matar ou ferir intensamente o Rei dos Monstros.
Envolvendo laboratórios oficiais e paralelos, governos de países fictícios, terroristas e espiões numa luta pela produção de armas químicas ou acesso a material genético de kaiju, é evidente que o longa irá criar uma imensa expectativa no público. Justamente por este motivo é que a linha sobrenatural, com a jovem de poderes psíquicos e toda a mística ligada a Erica e sua (possível? Temporária? Parcial?) ligação de alma com Biollante envenena a película. São conceitos que funcionariam muito bem num filme da Mothra, mas não em um filme de Godzilla cuja base dramática está consideravelmente distante dessas ideias, desde a direção de arte e desenho das naves, centrais tecnológicas e locais de pesquisa, até a intenção dos personagens e o que se permitem fazer para alcançar seus objetivos.
É interessante, entretanto, a presença de um vilão que se origina de algo do nosso cotidiano, algo que não tínhamos na franquia desde Hedorah, o monstro feito de lixo. O ingrediente de “terror ecológico” que perpassa a criação de Biollante e até mesmo o desenho e habilidades do kaiju são muito bons, assim como suas lutas com Godzilla, que infelizmente são curtas e perdem impacto, já que a edição resolveu cortá-las para mostrar as inutilidades misteriosas do núcleo humano. O roteiro, no entanto, procura fechar suas ideias abraçando a espionagem industrial, a menina psíquica e o espírito de Erica vivendo (?) em Biollante, emprestando muita coisa da atmosfera dos filmes da Mothra, como já mencionado, e deixando-nos em uma conciliação ambígua com o lagartão atômico. Propõe-se que Godzilla aprendeu que existem seres capazes de enfrentá-lo e que ele deve recuar em alguns casos. Mas nada indica que haverá uma mudança no tratamento do personagem. Isso torna o final do filme uma estranhíssima fábula com nuances morais vindas dos bichões destruidores, um flerte bem açucarado com os “filmes infantis” da Era Showa. E isso, nem de perto e nem de longe, é um elogio.
Godzilla vs. Biollante (ゴジラVSビオランテ / Gojira tai Biorante) — Japão, 1989
Direção: Kazuki Ômori, Koji Hashimoto, Kenjirô Ohmori
Roteiro: Shinichiro Kobayashi, Shin’ichi Sekizawa, Kazuki Ômori
Elenco: Kunihiko Mitamura, Yoshiko Tanaka, Masanobu Takashima, Kôji Takahashi, Tôru Minegishi, Megumi Odaka, Toshiyuki Nagashima, Ryûnosuke Kaneda, Kazuma Matsubara, Yoshiko Kuga, Yasunori Yuge, Yasuko Sawaguchi, Haruko Sagara, Kôichi Ueda, Kôsuke Toyohara, Katsuhiko Sasaki, Hirohisa Nakata, Kenzo Ogiwara, Kenpachirô Satsuma
Duração: 104 min.