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Crítica | Gladiador 2 (2024)

Agora a franquia engata!

por Luiz Santiago
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Desde 2001, Ridley Scott nutria a ideia de expandir o universo de Gladiador. A princípio, seus planos envolviam resgatar Maximus do Purgatório para transformá-lo numa espécie de Highlander histórico; no entanto, foi apenas em 2019 que uma nova visão para a continuação começou a ser oficialmente delineada, sem Maximus em cena. Dois anos mais tarde, o roteiro estava concluído, e explorava uma narrativa ambientada no reinado turbulento dos irmãos Caracala (Fred Hechinger) e Geta (Joseph Quinn), em um período que prenuncia a decadência do Império Romano. Sem precisar de uma longa e chateante introdução, a trama, aqui, nos transporta diretamente para o ano 200 da Era Comum, na Numídia, onde o irascível Lucius é feito prisioneiro, tornando-se uma figura central na arena e na transformação do Império. Ridley Scott não apenas revisita, mas reinventa o filme original, fazendo de seu Gladiador 2 uma narrativa de poder e sacrifício, que une o grandioso ao íntimo, tentando criar um bom espetáculo.

Seguir os passos de um filme tão icônico quanto Gladiador (2000) não é tarefa fácil. Naquele longa, Ridley Scott não apenas entregou um marco do cinema épico contemporâneo, mas também redefiniu como a ficção histórica seria abordada nas décadas seguintes. O retorno ao universo que ele mesmo reviveu era, portanto, uma aposta arriscada. Enquanto o filme original encerrou sua história de maneira tão redonda que a ideia de uma continuação sequer parecia plausível, Gladiador 2 abandona qualquer pretensão de autossuficiência. Fica evidente que as produtoras Scott Free, Red Wagon, Parkes+ e MacDonald Image estão lançando as bases para uma franquia. É como se um letreiro em neon piscasse na tela, avisando ao público que as portas da Antiguidade estão abertas novamente, prontas para explorar não apenas o Império Romano, mas qualquer reino ou civilização onde traições políticas, a glória dos combates e a manipulação das massas por pão e circo possam sustentar uma narrativa de prisioneiros lutando até a morte. O resultado é um projeto que oscila entre o oportunismo comercial parcialmente bem explorado, e uma tentativa de se aproximar do impacto causado pelo projeto original.

O roteiro de David Scarpa (que imediatamente antes trabalhou com o diretor em Napoleão) e Peter Craig, mantém aquela linha de masculinidade ferida, enlouquecida e provocada, onde o uso da força bruta e as maquinações pelo poder falam mais alto. De um lado, o drama familiar de Lucius ganha corpo, assim como sua participação cada vez mais intensa no Coliseu. Aqui, a malfadada cena com o rinoceronte sobre a qual Scott choramingou esses anos todos, finalmente, pode ser realizada, juntamente com lutas de babuínos e uma batalha naval (simulando da Batalha de Salamina) com direito a tubarões dentro do anfiteatro, o grande momento de desafio a todos os graus de bom senso que o diretor concebeu; o único ponto do filme que é conceitualmente muito ruim, por ser desnecessariamente forçado, ter pouco impacto prático para os personagens que realmente importam, e aproximar Gladiador do sharksploitation, o que parece piada, por si só. A escala é inegavelmente admirável, mas, em certos momentos, revela artificialidade, especialmente nas panorâmicas e nos planos abertos que exibem multidões em protestos nas ruas ou vibrando no Coliseu. Essa grandiosidade, porém, encontra sua verdadeira força no microcosmo, onde os detalhes ganham vida: a direção de arte cuidadosa (pelo amor dos deuses, não me venham com “imprecisões históricas”!), os figurinos meticulosamente elaborados, a fotografia que captura o máximo de nuances e o elenco, que encontra espaço para brilhar. É nesse terreno mais íntimo que o filme sustenta seu frágil roteiro.

Apesar de partir de uma premissa mais interessante, abrindo com a tomada da Numídia pelo General romano Marcus Acacius (Pedro Pascal), o filme tropeça em mudanças de foco narrativo que frustram o espectador e diluem o potencial da história. Esse problema é particularmente evidente no arco de transformação do gladiador protagonista, vivido com competência por Paul Mescal. O ator constrói um Lucius reservado e estrategicamente frio, evitando mergulhar no desprezo que a História reserva a certos personagens, função que é assumida com eficácia pelos imperadores e pelo proprietário dos escravizados-lutadores, sobre quem falarei mais adiante. As batalhas, embora notáveis mais pela brutalidade e pela escala do que pela sofisticação das coreografias, ainda se beneficiam da habilidade de Ridley Scott com a câmera: o diretor captura os movimentos com precisão, construindo a dose certa de tensão e assegurando que os momentos na arena continuem sendo o ponto alto da película.

Paradoxalmente, é no ato mais frágil do longa que desponta a força inigualável da obra: Denzel Washington, como Macrinus. Sua presença magnética e imponente domina a tela, eclipsando todos ao seu redor com uma performance de peso dramático incontestável. É um espetáculo desses que nos fazem esquecer por instantes as imperfeições do filme, tamanha a intensidade com que ele guia cada cena. Macrinus assume o centro do grande arco político, ao lado de Pedro Pascal e dos Senadores, determinados a derrubar o governo corrupto e tirânico dos “imperadores gêmeos”. É aí que o roteiro tropeça de verdade, ao tentar conciliar essa trama com o que realmente sustenta a essência do universo Gladiador. Tal como no filme original, tudo que foge às lutas e à arena parece insípido, uma sombra pálida em comparação ao vigor das batalhas. O bloco final consegue resgatar um pouco do valor dramático da narrativa, em grande parte graças à presença ampliada de Denzel Washington, que assume o protagonismo na articulação política. Ainda que o desfecho de seu personagem seja patético, é impossível negar que ele sustenta boa parte do filme e que sua atuação não apenas eleva a qualidade das cenas, mas também reforça o carisma do Lucius de Paul Mescal, que estabelece a base para o futuro da saga.

Gladiador 2 é, em essência, uma sombra mais cara de seu antecessor. No primeiro ato, o filme surpreende ao se mostrar superior em diversos aspectos, mas assim que Lucius chega a Roma, o enredo perde força e opera em um patamar inferior, até mesmo reciclando cenas do original para apresentar personagens e conduzir a trama. Essa escolha compromete a capacidade única do filme e escancara a dependência nostálgica e pouco criativa da sequência. As cenas dessaturadas dos flashbacks também retornam, misturando filtros e referências visuais do primeiro longa com novas perspectivas que, infelizmente, não se harmonizam com o restante da obra. Gladiador 2 oferece momentos de diversão genuína, especialmente para quem aprecia o épico, a ficção histórica e as lutas, mas é impossível ignorar que, para uma continuação de um filme que deveria ter permanecido único, o resultado — considerando o tempo de desenvolvimento, o orçamento exorbitante e a experiência acumulada de Ridley Scott — deixa um gosto agridoce. Ser “apenas um bom filme” não é o suficiente para justificar sua existência ou o peso do legado que carrega.

Gladiador 2 (Gladiator II) — Reino Unido, EUA, 2024
Direção: Ridley Scott
Roteiro: David Scarpa, Peter Craig (baseado em personagens de David Franzoni)
Elenco: Connie Nielsen, Paul Mescal, Pedro Pascal, Denzel Washington, Joseph Quinn, Derek Jacobi, Fred Hechinger, Rory McCann, Matt Lucas, Peter Mensah, Yuval Gonen, Tim McInnerny, Lior Raz, Alec Utgoff, Line Ancel, Alexander Karim, Lee Charles, Chi Lewis-Parry, Chidi Ajufo, Riana Duce, Alfie Tempest, Dean Fagan, Hadrian Howard, Chris Hallaways
Duração: 148 min.

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