O drama escrito e dirigido por Sally Potter explora a vida de duas adolescentes, Ginger (Elle Fanning) e Rosa (Alice Englert), melhores amigas numa Londres em situação de Guerra Fria. Juntas, elas atravessam processos desafiadores de amadurecimento enquanto o mundo está prestes a acabar. Aos poucos, a crise política internacional começa a se misturar com a crise da relação entre as duas, que começam a se estranhar enquanto explodem movimentos antiguerra e uma tensão limítrofe do lado de fora.
Sendo portanto um típico coming-of-age, acompanhamos aspectos importantes que dão feição ao gênero, bem como, no espectro dramático, são desenvolvidas as questões próprias de uma feminilidade juvenil que começa a assentar de modo mais definitivo. Ao encontro da rebeldia da tenra idade, está a busca pela liberdade sexual que caracteriza os anos 60, e que pega em cheio essas duas personagens, totalmente avessas ao tradicionalismo inglês. O filme consegue dar bastante ênfase nesse momento de transição da cultura mundial, fazendo com que nos adaptemos ao contexto em que o longa está inserido, seja através da exposição das datas, seja na constante citação dos problemas geopolíticos que atravessam o enredo.
Gosto também da escolha de um enredo que é auto refletido o tempo inteiro. A grande característica do longa-metragem se dá nos termos de “crise” e “transição”. É aí, nesses termos, que ele se manifesta no seu aspecto temático-estilístico. Uma das maneiras da cineasta dar forma à subjetividade do turbulento momento de transição das meninas é fazendo-as ocupar uma posição de estarem no centro de uma possível guerra e então ao passo que as coisas desandam na política internacional vemos refletido nelas mesmas o impacto da crise, com laços de amizade se desfazendo, descobertas perigosas, aventuras infaustas, crise familiar, etc. Estruturalmente, o filme confronta-se com essa característica de iminência e emergência. A Guerra é real, mas é também uma alegoria para o estado de amadurecimento de Ginger e Rosa e, ao contrário, idem, utiliza-se da situação das meninas para falar da Guerra. É que, nessa idade, tudo é o fim do mundo – e essa expressão torna-se ideal para entender os conflitos internos que só essa fase do crescimento é capaz de gerar, causando cisões dolorosas.
Embora seja muito elogiável todo o roteiro e a ideia de filme, ele peca numa falha de profundidade narrativa, uma vez que se abordam muitas coisas para pouco tempo de filme, ficando na superfície de todos os assuntos de que trata. Assim, a cineasta não leva nenhum desses temas a sério, lidando com eles de forma boba. Das suas personagens, ela erroneamente crucifica uma e eleva outra, o que é um erro crasso na mensagem fílmica. Chama-se “Ginger e Rosa” o longa-metragem, mas pouco sabemos de Rosa, senão dela por meio de Ginger, que é a protagonista de um filme que deveria ser dividido para duas personagens.
Até por conta dessa baixa densidade no desenvolvimento de Rosa, Ginger, interpretada por Elle Fanning, ganha relevo, se destacando imediatamente por meio de uma atuação convincente e inflamada. É por meio dela que expressões como “é o fim do mundo” ganham relevo, uma vez que tudo para ela é amplificado. E ela tem razão mesmo, afinal, viver numa família desestruturada, com um pai extremamente problemático e uma mãe que não sabe muito bem como atender às suas demandas, acaba se tornando um desafio um tanto árduo e doloroso. Ali, tudo que ela precisa é de apoio e um terreno sólido, mas recebe sempre o oposto.
Nas cenas finais, observamos uma crítica um pouco empolada a respeito da ideia do homem moderno super politizado que, pregando liberdade absoluta a tudo, mostra a sua face de crápula, abusador, misógino, entre outros. A sua defesa – que faz de si mesmo – é um tanto inverossímil, de modo que acaba não fazendo muito sentido a maneira pela qual tudo é articulado naquele finalzinho de terceiro ato. Naquele terceiro ato, muitas informações são jogadas sem cuidado, e com a mesma rapidez que se expõe novos problemas, a cineasta os encerra sem pudor algum. Um fato essencial e que daria liga para um filme completo é jogado ao fim da película, gerando insatisfação por parte de quem assiste pela não resolução da trama. Embora Sally Potter tenha uma concepção firme da sua obra, me parece que se perde nas indefinições dos debates abertos, sem finalizar nenhum, tampouco sem aprofundar nenhum deles.
Neste sentido, lembro-me de que o último filme de Tarkovski (O Sacrifício, 1986), apostando neste mesmo argumento, faz da sua produção uma obra-prima porque insere nela uma concepção densa não só de dissolução do mundo empírico, mas de valores consolidados, dotando a crise que remarca a sua película de uma espécie de apocalipse do próprio personagem, mas nunca deixando que o geral tome conta do específico ou que o enredo se perca em afirmações frívolas de cunho político, como ocorre nas últimas cenas do filme de Sally Potter, algo que me incomoda profundamente. Mesmo sendo uma crítica, é fraca.
O filme de Sally Potter, bem como sua filmografia, tem entregado imagens bastante coesas com a trama proposta, como observamos na paleta gelada utilizada aqui na construção de uma atmosfera melancólica e ríspida, soando sempre um clima de desesperança. Entretanto, há uma constante impressão de algo faltante, de uma não completude dramática. Como em outras produções, a senhorita Potter tem pecado no aprofundamento de suas narrativas, talvez lhe fosse mais interessante dar enfoque num problema e explorá-lo com paciência e detalhe, retirando, do mínimo, o máximo. Assim, como há em Ginger e Rosa, embora seja um argumento extremamente pertinente e pensado de maneira original, nos fica a ideia de superficialidade, quando a cineasta poderia ir muito além. Quero dizer: o filme não preenche o gosto do espectador, mas apenas o seu tempo.
Ginger e Rosa (Ginger & Rosa, Canadá, Croácia, Dinamarca, Reino Unido, 2012)
Direção: Sally Potter
Roteiro: Sally Potter
Elenco: Elle Fanning, Alice Englert, Alessandro Nivola, Annette Bening, Timothy Spall, Oliver Platt, Christina Hendricks, Jodhi May, Luke Cloud, Brock Everitt-Elwick, Poppy Bloor, Magdalene Mountford, Ray Lonnen
Duração: 90 min.