Chris Evans e Ana de Armas podem ser bonitos, simpáticos, carismáticos, encantadores, charmosos e todos os demais adjetivos semelhantes que quisermos usar, inclusive bons atores, mas nada disso adianta quando o material que lhes é dado para trabalhar parece ter sido escrito por gente que não tem a menor ideia do que é uma obra cinematográfica, mesmo aquelas “só para divertir” e quando a direção parece acovardada ou simplesmente incompetente demais para sequer extrair uma conexão entre os atores principais – a famosa química -, quanto mais lidar com supostamente grandiosas sequências de ação. Como essa introdução não deixa dúvidas, Ghosted: Sem Resposta é, para resumir, uma gigantesca e cara porcaria, mais um da aparentemente interminável safra de filmes de ação vazios e realmente idiotas vindo dos serviços de streaming como, por exemplo, Agente Oculto (outra parceria entre Evans e de Armas, aliás), Alerta Vermelho, O Projeto Adam e Resgate.
Inexplicavelmente necessitando de quatro roteiristas, o longa é, em essência, uma tentativa vagabunda de se inspirar na premissa de True Lies para criar uma história em que o fazendeiro certinho e asmático Cole Turner (Evans) tem um relacionamento de uma noite (e um dia) com a enigmática Sadie Rhodes (de Armas) que, em seguida, desaparece, sequer respondendo suas mensagens. Não demora muito para Cole atravessar o Atlântico para correr atrás de Sadie que, por sua vez, se revela como uma agente da CIA em plena missão perigosíssima envolvendo uma arma de destruição em massa. O que segue daí, portanto, é o esperado de uma premissa dessas, mas que não só não consegue chegar aos pés da obra de James Cameron (como um diretor bom faz a diferença, hein?), como nem ao menos consegue ter gabarito para lamber as botas de outras obras menores com a mesma premissa básica como Sr. & Sra. Smith e Encontro Explosivo (e olha que eu nem gosto de Encontro Explosivo…).
Para começo de conversa, como disse mais acima, Dexter Fletcher (mais conhecido por dirigir duas cinebiografias de cantores/compositores, Bohemian Rhapsody e Rocketman) já começa metendo os pés pelas mãos nos 20 e poucos minutos iniciais em que falha miseravelmente em estabelecer química entre as beldades protagonistas. O negócio é tão sério que Evans e de Armas parecem estar atuando sozinhos ou diante de chromakey, sem sequer reconhecer de verdade a existência do outro a poucos centímetros de distância. No entanto, se conseguirmos ultrapassar esse aspecto, mesmo assim esse começo é risível de ruim, pois ele parece um manual particularmente didático sobre tudo o que vai acontecer nos intermináveis quase 100 minutos restantes, sejam os rastreadores que o esquecido Cole coloca em tudo (forçadíssimo, aliás), sejam as ridículas meias palavras de Sadie para esconder quem ela é de verdade ou, pior ainda, as diferenças de personalidade entre eles representada pela tentativa de Sadie em comprar uma planta e a relutância de Cole em vender uma para ela.
Quando a desconcertante meia hora inicial acaba e a pancadaria começa, a situação melhora um pouco (só um pouco, vejam bem), mesmo que seja necessário fechar os olhos para formações rochosas que são mais falsas que o interior de brinquedos da DisneyWorld e uma perseguição em um desfiladeiro que desavergonhadamente tenta “homenagear” Os Caçadores da Arca Perdida, mas que é tão cheia de CGI que fica parecendo um desenho animado ruim. Fletcher não tem o menor senso de timing de ação, vale dizer, com suas sequências mais parecendo esquetes de séries de comédia, mas sem humor algum e sem o menor vestígio de senso de perigo, de tensão ou de que existe alguma chance, por mais remota que seja, de algo ruim acontecer com quem quer que seja. Aliás, a coisa é tão tonalmente desastrada que o filme não consegue ser comédia ou thriller de espionagem ou mesmo uma fusão das duas coisas. E não ajuda muito as maneiras mais bobalhonas possíveis – chega a ser caricato – que o diretor encontra para não mostrar uma gota de sangue sequer, mesmo em meio a um morticínio interminável.
No departamento de montagem, o problema não é menor. As cenas não se encaixam fluidamente, o que demonstra que a decupagem de Fletcher foi falha já na fase de planejamento, algo que a trinca de montadores até bastante experientes não consegue nem de longe resolver. E eu poderia falar das tenebrosas escolhas musicais ou dos set pieces à la James Bond, mas sem nenhuma elegância bondiana e até mesmo da fotografia cansada e artificial – mesmo nas poucas cenas que eu suspeito foram em locação em algum deserto genérico dos EUA -, mas creio que a adjetivação que usei seja suficiente para o leitor entender aonde eu quero chegar.
Talvez, com boa vontade, a única coisa minimamente bacana ao longo dessa tortura audiovisual seja a sequência dos caçadores de recompensa no Paquistão em razão de alguns atores particularmente bem escolhidos para fazer micro-pontas (não leiam a lista abaixo do elenco se quiserem alguma surpresa). Mas só, pois nem mesmo a simpatia da dupla principal é capaz de aliviar alguma coisa em um filme rasteiro, mal executado e que não merece sequer o esforço de clicar play no controle remoto da TV. E não, não me venha aqui a turma do “é só para divertir, não precisa ser Cidadão Kane“, pois estou cansado de rebater esses comentários cretinos, até porque é muito provável que essa turma sequer tenha assistido Cidadão Kane…
Depois de perder 116 minutos de minha vida vendo essa aula de como não se fazer filme e mais outros tantos minutos para escrever essa inevitável diatribe, minha paciência foi para o brejo, pelo que não tenho muito mais o que dizer a não ser que esse filme merece ser esquecido. É só uma pena que, para isso acontecer, é necessário primeiro assisti-lo…
Ghosted: Sem Resposta (Ghosted – EUA, 21 de abril de 2023)
Direção: Dexter Fletcher
Roteiro: Rhett Reese, Paul Wernick, Chris McKenna, Erik Sommers
Elenco: Chris Evans, Ana de Armas, Adrien Brody, Mike Moh, Tate Donovan, Amy Sedaris, Lizze Broadway, Mustafa Shakir, Anthony Mackie, John Cho, Sebastian Stan, Ryan Reynolds, Anna Deavere Smith, Tim Blake Nelson, Tiya Sircar, Marwan Kenzari, Stephen Park, Humza Shabazz, Israel Vaughn, Burn Gorman, Victoria Kellher, Jordan Blair Brown, Zane Shaw, Stephanie Weis, Dexter Fletcher
Duração: 116 min.