Pior do que detestar um filme é sentir a mais profunda indiferença por ele depois que os créditos finais começam a rolar. Afinal, sentir raiva é, pelo menos, um sentimento forte, capaz de mover as pessoas e de gerar discussões e conversas acaloradas. A apatia não gera nada, a não ser aquela vontade automática de se levantar da cadeira do cinema o mais rapidamente possível e procurar fazer literalmente qualquer outra coisa, até mesmo dormir. E foi exatamente isso que senti com o gélido – sim, foi uma metáfora temática tão sem graça quanto o filme – quinto longa-metragem de uma franquia que definitivamente nem deveria ter se tornado uma franquia.
Se a tentativa de se passar o bastão para uma nova geração funcionou razoavelmente bem em Mais Além em razão da homenagem a Harold Ramis e seu Egon Spengler, que muito diferente de algo jogado, fez parte da tecitura narrativa do filme e pela inspirada escalação de Mckenna Grace como a neta e verdadeira herdeira do líder dos Caça-Fantasmas, em Apocalipse de Gelo esse apelo à nostalgia é puramente burocrático e cansado, com a reunião de todo o elenco original, incluindo William Atherton, ator especializado em viver personagens insuportáveis. Nostalgia pura e simples é muleta narrativa e, aqui, ela é do pior tipo, pois a presença de tantos outros personagens além da “nova geração” atrapalha a fluidez do fiapo de história e vira aquela brincadeira imbecilizante de apontar para as referências na tela e exclamar algo como “olha lá fulano!”, como virou moda hoje em dia.
Com isso, o roteiro é varrido para debaixo do inesgotável tapete de referências – tem Geleia e a velha da biblioteca até! – e o que resta é uma criatura que não passa de uma versão mais esguia, mais chifruda e bem menos ameaçadora dos zumbis gelados de Game of Thrones que é apresentado como uma grande ameaça capaz de trazer o fim do mundo, mas que é derrotado em algo como 10 minutos e da maneira mais banal e telegrafada possível, em meio a uma mitologia hindu de contenção de espíritos em esferas de latão explicada a toque de caixa, um personagem novo vivido por um completamente subaproveitado Kumail Nanjiani e um monte de ator convidado correndo para todos os cantos e batendo cabeças graças a uma direção completamente inábil por parte de Gil Kenan, que foi apenas roteirista no filme anterior e que deveria ter permanecido com esse cargo e olhe lá.
Por incrível que pareça, até mesmo o elenco apresentado em Mais Além é tratado como uma amálgama genérica fungível que defenestra até o talento que McKenna Grace mostrara, o normalmente bom timing cômico de Paul Rudd e a simpatia contagiante de Carrie Coon (vamos combinar que Finn Wolfhard e os demais jovens são inexpressivos demais para valer qualquer outra menção). Cada papel parece ter sido milimetricamente escrito para ser o equivalente dramático da linha reta de um monitor cardíaco de hospital e não tem massagem torácica que faça um ator mostrar brilho desse jeito. É, novamente usando metáfora temática, um banho de água fria no que parecia, em 2021, ter sido um bom recomeço para a franquia nos cinemas.
No departamento de efeitos especiais, a computação gráfica é sem dúvida eficiente, com um bom uso também de efeitos práticos aqui e ali. Por outro lado, a economia feita é sensível, com muito do CGI não passando de luzinhas coloridas e muito dos efeitos práticos não sendo mais do que fagulhas, com o tal “império congelado” do título original ganhando não mais do que alguns segundos em cena na base de estalagmites pontiagudas surgindo do chão e neve digital. Em outras palavras – ou nas mesmas palavras, pois vou me repetir – é aquela coisinha sem graça que todo mundo já viu antes centenas de vezes e que não causa nem mesmo um discreto levantar de sobrancelha no espectador.
Para terminar, mais uma completamente gélida piadinha só para minha crítica chegar ao número de palavras com que me sinto confortável: se Ghostbusters: Apocalipse de Gelo fosse um picolé, ele seria um daqueles de uma fruta muito sem graça que congelou e descongelou uma dúzia de vezes no freezer da padaria da esquina, ou seja, não muito mais do que gelo colorido insípido. Tomara que devolvam os Caça-Fantasma para geladeira por mais algumas décadas agora…
Obs: Há apenas um cena de meio de crédito, logo após os nomes do elenco. E sim, vocês adivinharam: ela é tão sem graça quanto tudo o que veio antes.
Ghostbusters: Apocalipse de Gelo (Ghostbusters: Frozen Empire – EUA/Canadá/Reino Unido, 2024)
Direção: Gil Kenan
Roteiro: Gil Kenan, Jason Reitman
Elenco: Paul Rudd, Carrie Coon, Finn Wolfhard, Mckenna Grace, Kumail Nanjiani, Patton Oswalt, Celeste O’Connor, Logan Kim, Emily Alyn Lind, James Acaster, Bill Murray, Dan Aykroyd, Ernie Hudson, Annie Potts, William Atherton
Duração: 115 min.