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Crítica | Germinal, de Émile Zola

por Leonardo Campos
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O francês Émile Zola é um dos autores que marcaram o naturalismo literário, época povoada por obras que levantavam bandeira para a necessidade de reflexão acerca de temas polêmicos: animalização do homem, condições sociais decadentes e avanço do capitalismo em detrimento das relações humanas. “Vanguarda” comumente conhecida por ter inspiração na medicina e no positivismo, o naturalismo pregava a conduta humana como uma possível herança genética e relação com o meio. É algo que podemos ver de forma bem lúcida ao passo que a narrativa avança. Os seus temas, como sabemos, parecem inesgotáveis, haja vista o grau de retrocesso de nossa sociedade. A cada passo avante, outros tantos são dados para trás. O Brasil contemporâneo e as propostas que circulam pela tenebrosa viela “legislativo-judiciária” são a prova cabal das afirmações em questão. Germinal, décimo terceiro volume da saga familiar Rougon-Macquart, publicado em 1885, antecipa as discussões sobre as celeumas que acometem os personagens dos filmes citados anteriormente.

Inspirado no extenso A Comédia Humana, de Balzac, a obra é um romance panfletário sobre as condições exaustivas e desumanas vividas por operários de uma mina na França do século XIX. A atualidade constante do tema faz a obra ecoar ainda em nossos dias, numa junção de sistematização romântica enquanto estética e subtexto com reflexões de cunho social, algo típico dos realistas. “Tratado” que resume os princípios que regem a estrutura dos sindicatos na contemporaneidade, Germinal foi escrito por Zola através da observação participante, tal como Flaubert e Balzac fizeram ao longo de suas jornadas literárias, tendo o jornalismo como toque técnico na descrição dos acontecimentos.

O critico literário Otto Maria Carpeaux foi certeiro ao dizer que o autor era um dos “grandes poetas” do destino da literatura moderna. Antecipador de muitas questões do século XX, Zola refletiu sobre as mazelas do capitalismo, numa obra bem “a cara” do estilo de escrita comum ao seu período, isto é, uma narrativa maniqueísta, com batalhas travadas entre o “bem” e o “mal”, tendo a burguesia ascendente constantemente em contraste com o proletariado em condições análogas ao trabalho escravo. Em sua descrição minuciosa das coisas, algo que em determinados momentos “trava” a leitura, tamanha a possibilidade de dispersão, mas ao mesmo tempo, faz um tour cinematográfico pelo tempo e espaço, o autor representa bem os burgueses que dão alimento como esmola, na ilusão de que estão fazendo a sua parte da luta contra a situação ultrajante, em contraponto aos esfomeados que fedem e precisam catar cascas de batatas e restos de comida para preparação de suas “refeições”.

Germinal começa com a peregrinação do personagem Étienne em busca de emprego na cidade de Marchienne. Quando chega ao local, a situação apresentada é desoladora. Os olhos de Étienne focalizam a mina de Voreaux, uma das “fontes de trabalho da cidade”. Ele percebe a miséria, mas ainda assim, decide fincar raízes temporárias no local. No ambiente, Étienne é inserido em situações grotescas e bastante desumanas: vê as pessoas que passam fome, a mesma água para banho sendo partilhada por tantos, crianças esfomeadas a pedir esmolas, bem como situações que denunciam os aparatos ideológicos do capitalismo, isto é, a opressão ao trabalhador em prol da produção em larga escala. Trabalhadores precisam empurrar os vagões de carvão (pesados), suportar as condições úmidas e sufocantes (pelo calor) do local, além de suportar a exploração oriunda da redução de salários, algo que culminará na futura greve que mudará a vida de todos os personagens.

Étienne não é um subversivo qualquer: seu trabalho é feito com qualidade, mesmo diante da falta de condições para tal, o que chama à atenção das pessoas que estão próximas. Enquanto desenvolve cada ofício, o personagem inicia uma revolução de ideias em sua mente, algo que será levado para a prática quando solicita orientações ao intelectual Pluchart, um homem bem alimentado de ideias políticas, participante da Primeira Internacional, associação criada por Karl Marx para os trabalhadores refletirem as suas condições de atuação.

Ao chegar na cidade e se estabelecer na mina, Étienne arruma moradia com o velho Boa-Morte, um homem com uma imensa família para alimentar. Será neste ambiente que se apaixonará por Catherine, elo “amoroso” da sua vida, uma operária que já tem um relacionamento com Chaval, um personagem instável e agressivo. É nesse ambiente da narração que Zola faz uma das análises mais representativas da desumanização apresentada pelo romance. Muitas pessoas, na época, reproduziam apenas para que no futuro, os seus filhos ajudassem na manutenção das contas da casa. É nesta mesma linha de reprodução para o trabalho que a dualidade se instalava, pois a saída de um filho representava prejuízo aos familiares, haja vista uma participação a menos nas contas, no entanto, refletia-se sobre a menor quantidade de pessoas para alimentar, o que de alguma forma diminuía os custos em família. Independente da solução, ambos os problemas são agonizantes.

Quando Étienne acredita que já está relativamente maduro para colocar as suas questões em debate, a propagação das ideias de uma revolução ganha início, da arrecadação de dinheiro para usar em manifestações futuras ao processo de disseminação de uma revolução que permitissem as pessoas o engajamento devido. Será com a diminuição dos salários que o problema se estabelecerá de uma vez por todas. Há condições estruturais que revoltam, tais como um desmoronamento que quase mata um personagem, os desmaios e mortes de outros por condições de saúde, dentre outros problemas.

Ao passo que a greve se alastra, a polícia surge para representar a “força”, massacrando os operários revoltosos, com dor e morte espalhados para todos os lados, mas a semeação da guerra ao capital e ao surgimento de movimentos como o exército vermelho que lá na Rússia, desbancou um imperador e fez valer os valores de uma revolução social que clamava por igualdade social e equilíbrio econômico. Em sua crítica social pessimista, Zola constrói uma narrativa tributária do romance fleuve, estilo conhecido por empregar a descrição de extensos painéis sociais que geralmente permitem a inserção de experiências bem próximas da realidade do leitor. Além disso, Germinal traz outra característica peculiar: a concentração do heroísmo numa perspectiva coletiva, que ao lutar contra a opressão do capital, é representado através da massa organizado, isto é, a saída do herói individual para dar espaço ao coletivismo. Ao traçar um percurso de minas obscuras, crescimento vertiginoso da industrialização, em detrimento da qualidade de vida dos trabalhadores, inseridos em tortuosos e estreitos corredores sem ventilação, espaço de trabalho pesado movido por operários que almoçavam mal e apressadamente, para não perder o ritmo de produção, Zola adensa na análise das celeumas populares da época, num relato que busca representar a necessidade da luta pela democracia e o enfrentamento das desigualdades sociais.

O trajeto final mescla pessimismo e otimismo. Étienne Latier deixa o seu recado, mas é morto no final da história. Sem saber como a obra ecoaria para a posteridade, Zola mata o seu personagem mais central, no entanto, semeia a revolução como tema na literatura, num caminho de duras pedras: é lembrado constantemente pela obra e sempre é citado enquanto exemplar para as questões de cunho marxista no campo da literatura, mesmo que não tenha tido o reconhecimento crítico provavelmente desejado, pois além de ter sido alvejado pelos “especialistas do cânone”, apontado como o autor de uma obra com valor social, mas sem qualidades estéticas, o escritor nunca conseguiu ser um membro da Academia Francesa de Letras. Mesmo após as mais de vinte tentativas. Ser subversivo, quase sempre, traz uma conta alta a ser paga.

Germinal (França, 1885)
Autor: Émile Zola.
Editora no Brasil: Cia das Letras
Tradução: Silvana Salerno
Páginas: 256.

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