- Há spoilers. Leiam, aqui, as críticas dos demais episódios e séries do universo e, aqui, dos quadrinhos.
É quase uma ciência produzir um derivado que mantenha a “voz” da obra original, mas que tenha verdadeira personalidade própria, justificando sua existência por suas qualidades intrínsecas e não por basicamente fazer mais do mesmo. Se não posso dizer que Gen V chega próximo do que Better Call Saul foi para Breaking Bad, porque não chega mesmo nem perto, não seria exagero afirmar que a equipe criativa do spin-off de The Boys vem realmente se esforçando para alcançar esse resultado, algo raro em uma Hollywood cada vez mais mecanizada que só se interessa em inflar franquias até torná-las homogêneas e, em última análise, sem graça.
Os três episódios iniciais, lançados simultaneamente, estabeleceram com qualidade o recorte universitário desse universo de super-heróis canalhas controlados pela Vought ao criar um mistério básico sobre um laboratório de experiências “mengelianas” em jovens superpoderosos para servir de pano de fundo, de forma a ter tempo para investir em seus protagonistas, chegando a um equilíbrio quase ideal entre choque e construção narrativa. The Whole Truth segue na mesma linha, ainda que com um pouco menos eficiência por focar talvez demais em Tek Knight (Derek Wilson), ex-super (nos quadrinhos de Garth Ennis, ele é o Batman desse universo) transformado em âncora de uma série de TV sobre crimes reais que, claro, é outro instrumento de manipulação da mídia pelo conglomerado responsável pelo Composto V.
Não que o novo personagem não seja interessante, pois ele definitivamente é, com sua irritante atitude de superioridade e seu poder de basicamente ser um polígrafo humano, além de sofrer de uma “pequena” compulsão de preencher todos os buracos que encontra com seu pênis (daí o jogo duplo do título, já que hole – buraco – é pronunciado exatamente da mesma forma que whole – tudo ou toda), mas é inegável que sua tentativa de encontrar um bode expiatório aceitável para o assassinato de Rich Brink e o suicídio do Garoto Dourado ocupa talvez tempo demais da minutagem do episódio. Claro que seu interrogatório de Marie que finalmente a leva a confessar que Jordan foi a única pessoa a enfrentar Luke, levando-os a um relacionamento e seu confronto com a diretora Shetty que mostra que tem muito poder mesmo sem Composto V em suas veias são os maiores objetivos da presença de Knight no capítulo, mas tenho para mim que o mesmo resultado poderia ter sido obtido com um pouco mais de economia.
Mesmo assim, porém, o roteiro de Jessica Chou (responsável por Herogasm) consegue lidar muito bem com a conexão entre Sam e Emma, primeiro pulando a sequência de fuga, mas deixando evidente o nível de poder e brutalidade do jovem até então encarcerado e, depois, imediatamente aproximando-o de sua diminuta salvadora em uma lanchonete abandonada onde ele costumava ir com seu irmão. Se essa conexão parece abrupta, a grande verdade é que ela não é, pois os dois personagens são muito carentes e um enxerga isso no outro, atraindo-os não exatamente de maneira romântica – pelo menos não agora -, mas sim como duas almas gêmeas em busca de compreensão. Além disso, achei corajoso que não houve qualquer tentativa de afirmar que Sam não é problemático, algo que cheguei a duvidar que seria feito, dúvida essa que se dissipou quando Jason Ritter (não, não é parente), vivendo ele mesmo, aparece na televisão em um pastiche de Avenida Q, conclamando Sam a matar o Doutor Edison Cardosa (o brasileiro Marco Pigossi, protagonista de Cidade Invisível).
E isso leva à sequência final em que Sam parte justamente para eliminar Cardosa, com Marie e os demais intervindo, mas sem muito sucesso, até que Emma usa seus poderes ao contrário e se agiganta para segurar o jovem enquanto tenta acalmá-lo. Essa é, basicamente, a única sequência de ação propriamente dita no episódio e uma que é muito bem conduzida pela direção de Steve Boyum (de Over the Hill with the Swords of a Thousand Men), direção essa que ordena o caos e entrega algo que podemos classificar de realista dentro do que já aprendemos sobre esse universo. Claro que o final abrupto fará muita gente coçar a cabeça e eu até agora não sei se gostei muito, mas deixarei meu julgamento final sobre isso para o próximo episódio quando provavelmente teremos alguma explicação que, imagino, será conectada, mesmo que indiretamente, com o telepata abusador que Marie procura para tentar descobrir o paradeiro de sua amiga e cujo pênis ela explode em uma sequência literalmente dolorosa.
The Whole Truth, que já marca a metade da temporada, continua deixando claro que Gen V não é apenas um subproduto de The Boys, mas sim uma série que anda com suas próprias pernas e que aborda problemas do cotidiano de adolescentes e jovens adultos sem deixar de falar todas as suas verdades, sejam elas agradáveis ou não. Os produtores de séries de TV interconectadas poderiam aprender um pouquinho com Gen V, não?
Gen V – 1X04: The Whole Truth (EUA, 06 de outubro de 2023)
Desenvolvimento: Craig Rosenberg, Evan Goldberg, Eric Kripke
Direção: Steve Boyum
Roteiro: Jessica Chou
Elenco: Jaz Sinclair, Chance Perdomo, Lizze Broadway, Maddie Phillips, London Thor, Derek Luh, Asa Germann, Shelley Conn, Alexander Calvert, Sean Patrick Thomas, Marco Pigossi, Ty Barnett, Miatta Ade Lebile, Derek Wilson, Jason Ritter
Duração: 47 min.