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Crítica | Gen V – 1X01 a 03: God U. / First Day / #ThinkBrink

Expandindo o universo de The Boys.

por Ritter Fan
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Fiquei com nada menos do que três receios quando Gen V, segundo spin-off de The Boys depois da coletânea animada Diabólicos, foi anunciada: a série poderia sinalizar para aquela expansão exagerada e sem rumo de uma franquia que Hollywood tanto gosta de fazer; que ela não passaria de mais do mesmo e, finalmente, que, por não ser diretamente baseada nos quadrinhos (há uma base indireta, que é o arco Hora de Partir da HQ The Boys, mas a distância do material é gigantesca), ela poderia nascer esvaziada de vigor criativo. Afinal, a longeva The Walking Dead e seus infinitos filhotes estão aí para dar base a meus medos, não é mesmo? Por isso, fui com trepidação conferir a nova série que, ao que consta, se passa de maneira razoavelmente simultânea à ainda não lançada quarta temporada da série mãe.

Felizmente, porém, os três primeiros episódios da série que foram sabiamente lançados de uma vez no Prime Video conseguiram afastar esses meus medos. Claro que tudo pode mudar ao longo do restante da temporada, mas fiquei feliz em constatar que Gen V consegue ser mais do que apenas uma repetição de The Boys, sabendo manter o que a primeira série tem de mais característico e, ao mesmo tempo, emprestando um frescor narrativo ao derivado que justifica plenamente sua existência. Em outras palavras, tudo aquilo que fez de The Boys a série que é, ou seja, a violência extrema e o sexo doentio quase explícito combinados com uma abordagem satírica e repleta de críticas sociais, está presente aqui, mas com características e abordagens próprias que ampliam de maneira relevante esse fascinante universo.

O primeiro grande acerto da série é seu foco em Marie Moreau (Jaz Sinclair, em uma atuação contida, mas que acerta o tom desde o início), uma jovem adolescente que tem um poder que parte de autoflagelo, já que ela precisa ferir-se para extrair seu sangue que ela manipula como uma arma mortal, e que carrega consigo uma tragédia em seu passado que vemos em detalhes logo no começo de God U., o ótimo primeiro episódio da temporada, e que carrega inteligentes paralelos com Carrie, a Estranha. Confinada quase que a vida toda em um centro de reabilitação para jovens, ela consegue uma cobiçada vaga na Universidade Godolkin e parte para lá com a firme intenção de fazer de tudo tornar-se uma super-heroína parte d’Os Sete. É a partir de seus olhos substancialmente inocentes sobre a podridão do mundo em que vive que somos reapresentados às maquinações da Vought, com a narrativa funcionando ao mesmo tempo como uma jornada de amadurecimento a passo apertado e um estudo sobre as ansiedades e problemas de toda sorte que afetam cada vez mais os jovens do lado de cá da realidade.

Muitos poderão afirmar que a correlação de poderes e situações do cotidiano moderno – especialmente distúrbios mentais e questões relacionadas com a sexualidade – são, talvez, óbvias e convenientes demais, começando da necessidade que Marie tem de cortar as palmas de suas mãos para usar o sangue que jorra dali, passando por Emma Meyer (Lizze Broadway muito convincente em seu trabalho), sua colega de quarto que precisa provocar vômito para ativar seu poder de reduzir seu tamanho (e comer muito para voltar ao normal) e chegando a Jordan Li (London Thor e Derek Luh), assistente do respeitado professor Richard “Rich Brink” Brinkerhoff (Clancy Brown, o bom e velho Kurgan), que tem a capacidade de trocar de sexo quando quer, mas tenho para mim que esse é outro grande acerto da série. A completa falta de sutileza nesses aspectos tão importantes nos dias atuais serve justamente para normalizá-los e para permitir que os episódios abordem-nos de maneira mais franca, sem floreios e sem receio de lidar com a verdade de muitos.

E o terceiro grande acerto é a estrutura de mistério a ser investigado, ou seja, uma história que, em essência, coloca Marie, Emma, Jordan e também Andre Anderson (Chance Perdomo), segunda geração de uma família de heróis que manipula metais e Cate Dunlap (Maddie Phillips), uma manipuladora de mentes a partir do toque físico, em uma investigação sobre os mistérios da universidade em que estudam em razão de eventos que envolvem Luke Riordan (Patrick Schwarzenegger), um pirocinético que é a grande promessa da Godolkin como futuro membro d’Os Sete e seu irmão mais novo Sam (Asa Germann), que se suicidara três anos antes. Com isso, de certa forma, a série mantém seu foco em poucos personagens e em um espaço fundamentalmente confinado, permitindo um bom uso do tempo generoso de cada episódio que passa, então, a focar em diversos outros aspectos que enriquecem a narrativa.

Um desses aspectos, por exemplo, além dos que mencionei acima, é o poder das redes sociais em um mundo competitivo, com Marie representando aqueles que não têm nenhuma presença nessa pós-modernidade, mas que se vê tragada para ela e, mais do que isso, começa a gostar do que ela parece significar, e seus colegas uma espécie de amálgama do status quo em que selfies e vlogs de toda sorte são as regras e não as exceções ou, mais do que isso, a manifestação aceita da realidade e não a realidade em si, que é bem menos interessante, claro. Outro aspecto bem explorado nesse início é o preço da fama, já começando pela perfeição física de Luke – manifestada também por sua nudez e, portanto, boa dotação, toda vez que usa seus poderes – que esconde sua profunda tristeza pela perda do irmão que se manifesta por meio de sonhos que podem ou não ser reais e, claro, a própria Marie subindo em velocidade vertiginosa os degraus da celebridade e, no processo, sendo usada por aqueles em posição de poder e, de sua maneira, usando ou ignorando aqueles que dela se aproximam.

Em termos visuais, Gen V é tão esperta e tão econômica quanto The Boys no uso de efeitos práticos e de computação gráfica. Quando uso os adjetivos “esperta” e “econômica” em uma mesma frase, quero apenas dizer que nenhuma das duas séries dependem de efeitos para funcionar, apesar de, em tese, lidarem com personagens que, para meramente existirem de maneira crível, precisam de gastos vultosos nesse departamento. Com isso, pouco importa se o sangue que Marie manipula ou se o fogo de que Luke se cerca são obviamente digitais ou se a superposição de imagens para lidar com as sequências em que vemos Emma em miniatura não são muito melhores do que muitos filmes de baixo orçamento. Esses momentos são meros detalhes em meio a algo muito mais interessante do que o foco em um hiper-realismo cuja cobrança sequer faz muito sentido. O que importa é que há consistência no que é posto na telinha, com os efeitos funcionando apenas e tão somente como instrumentos de algo maior que eles próprios.

Por tudo isso, Gen V já começa muito bem e promete uma temporada inaugural que, se não alcançar o nível da primeira de The Boys, um sarrafo consideravelmente alto, pelo menos tenderá a ser um spin-off cuja existência agrega e não detrai do universo em que se insere. Tenho consciência de que talvez esteja cantando vitória antes do tempo, mas minha esperança é que a trinca inicial de episódios tenha sido apenas um tira-gosto do que está por vir por aí e que Eric Kripke, que também assina a produção, continue acertando em sua transposição do universo doentio de Garth Ennis para a televisão.

Gen V – 1X01 a 03: God U. / First Day / #ThinkBrink (EUA, 29 de setembro de 2023)
Desenvolvimento: Craig Rosenberg, Evan Goldberg, Eric Kripke
Direção: Nelson Cragg (1X01 e 1X02), Phil Sgriccia (1X03)
Roteiro: Craig Rosenberg, Evan Goldberg, Eric Kripke (1X01); Zak Schwartz, Brant Englestein (1X02); Erica Rosbe (1X03)
Elenco: Jaz Sinclair, Chance Perdomo, Lizze Broadway, Maddie Phillips, London Thor, Derek Luh, Asa Germann, Shelley Conn, Patrick Schwarzenegger, Alexander Calvert, Clancy Brown, Sean Patrick Thomas, Marco Pigossi, Jessie T. Usher, Ty Barnett, Miatta Ade Lebile, Colby Minifie, P. J. Byrne, Chace Crawford
Duração: 59 min. (1X01), 50 min. (1X02), 52 min. (1X03)

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