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Crítica | Gatinhas (1980)

O começo da carreira de Adrian Lyne.

por Ritter Fan
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O britânico Adrian Lyne, então com apenas dois curtas em seu currículo e alguns comerciais de TV, foi “pescado” por seu compatriota, o célebre produtor David Puttnam, que se gabava por sua capacidade de descobrir novos talentos, e recebeu a tarefa de colocar na tela um roteiro que fora escrito pelo estreante – nesta cadeira – Gerald Ayres que já estava circulando por Hollywood. Sem pestanejar, Lyne arregaçou as mangas e inaugurou sua carreira com um longa que, mesmo tendo sido razoavelmente esquecido pelas brumas do tempo e raramente lembrado como parte de sua filmografia, é uma sóbria abordagem da adolescência feminina no San Fernando Valley do final dos anos 70 e que conta como protagonista ninguém menos do que Jodie Foster, então já consolidada em sua carreira no Cinema apesar de só ter 18 anos.

O roteiro, focado na vida de quatro inseparáveis amigas adolescentes, toma uma interessante forma episódica que procura dar atenção equânime a cada uma delas, mas sem disfarçar que o protagonismo permanece firme com a madura Jeanie, personagem de Foster e sua relação conturbada, mas amorosa, com sua mãe Mary (Sally Kellerman). Jeanie é, para todos os efeitos, o fio condutor da narrativa, algo que é até materializado fisicamente por ela ser a única que tem carro, o que facilita o transporte do grupo de um lado para o outro em seus respectivos cotidianos.

Além de Jeanie, somos apresentados a Deirdre Tompkins (Kandice Stroh), uma jovem consciente de sua beleza e sensualidade e que tem sexualidade mais do que ativa, com vários namorados e casos, enquanto que Madge Axman (Marilyn Kagan) representa o outro lado da moeda, uma menina tímida, acima do peso, que se acha feita, virgem e que é apaixonada por Jay Thompson (Randy Quaid), bem mais velho do que ela. Por último, mas não menos importante, já que sua história é quase tão relevante quanto a de Jeanie em termos de motor narrativo, há a trágica Annie Mallick (Cherie Currie) que foge dos pais, rende-se a todo tipo de vício e tem um pai abusivo que deseja interná-la em uma clínica.

Quando juntas, as quatro são fortes, unidas, felizes e realmente imparáveis, em uma simpática e naturalista visão da adolescência feminina, sem que Lyne objetifique-as ou sexualize-as em momento algum para além do que cada um delas tem a oferecer sem esforços, apenas com suas presenças em tela. Quando separadas, porém, é que os problemas ganham saliência e tratamento particular, por assim dizer, especialmente, como mencionei, Annie e seus problemas de natureza mais grave, envolvendo sua saúde física e mental. E, em larga escala, é isso que faz o filme funcionar, já que as questões são não só diferentes, o que joga uma rede que permite a conexão do espectador com as jovens, como também têm soluções diversas, sem mirando a premissa de um coming of age que parte de raízes já razoavelmente mais amadurecidas que outros da mesma época. Não seria sequer incorreto dizer que, para Jeanie, suas desventuras não são exatamente de amadurecimento, mas sim de consolidação de sua cabeça no lugar, claramente ciente de quem é do que quer ser, com ela efetivamente ajudando as demais a crescerem.

A direção de Lyne já mostra, aqui, características que viriam a marcar sua consideravelmente curta carreira. A atmosfera que ele consegue criar é elegante, respeitosa e realista, mas mantendo uma leve camada onírica que a fotografia de Leon Bijou marca com um filtro que dessatura as cores e cria uma leve “névoa” amplificada pelas tomadas externas em região de pesado smog. Da mesma maneira, o diretor mantem-se como um observador das relações humanas, trabalhando o contraste em mulheres e homens em termos de amadurecimento, com as primeiras, claro, sempre vários passos a frente dos últimos. Há, também, uma marca melancolia que subjaz por toda a história e que ganha pontuação musical na trilha sonora do italiano Giorgio Moroder com On the Radio, usada por todo o longa, inclusive na forma de música-tema cantada por Donna Summer.

Gatinhas é um ótimo, ainda que talvez pouco característico, para quem o conhece por filmes como Atração Fatal, começo de carreira para Adrian Lyne que deixa claro seu estilo cuidadoso e delicado que sabe quando deve apenas observar, no lugar de se intrometer. Um coming of age sério, adulto e pensativo que convida o espectador a viver por alguns minutos as angústias, temores e alegrias de inseparáveis meninas adolescentes prestes a dar um passo além em um mundo hostil a elas.

Gatinhas (Foxes – EUA, 1980)
Direção: Adrian Lyne
Roteiro: Gerald Ayres
Elenco: Jodie Foster, Cherie Currie, Marilyn Kagan, Kandice Stroh, Scott Baio, Randy Quaid, Sally Kellerman, Lois Smith, Roger Bowen, Laura Dern, Robert Romanus, Adam Faith, Fredric Lehne
Duração: 106 min.

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