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Crítica | Gallipoli (1981)

Amizade e sacrifícios.

por Ritter Fan
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Em seu quinto longa-metragem, já levando em conta o telefilme O Encanador, Peter Weir aborda de seu jeito muito particular e bem australiano a desastrosa Campanha de Galípoli (ou Batalha dos Dardanelos) ocorrida entre 1915 e 1916, durante a Primeira Guerra Mundial, em que a Tríplice Entente atacou a Turquia via Península de Galípoli, hoje chamada de Gelibolu, com a intenção de chegar à Constantinopla, hoje Istambul, e, com isso, enfraquecer o Império Otomano. Trata-se do primeiro filme do cineasta que se passa parcialmente fora da Austrália, ainda que apenas as sequências no Egito, que formam o segundo terço da narrativa, tenham sido filmadas por lá.

Esse episódio bélico foi particularmente importante para a chamada ANZAC, ou Forças Armadas da Austrália e Nova Zelândia, mas muito mais como uma espécie de rito de passagem, de perda de inocência e de realização de que os referidos países não passavam de colônias submissas e obedientes do Império Britânico. E é a esse elemento que Weir se agarra para construir um filme que ecoa tematicamente suas três obras anteriores, que tinham como pano de fundo de maior ou menor relevância o conflito entre os colonos europeus e os aborígenes, povo originário da Austrália. Enquanto vemos um aborígene sofrer um ataque racista no começo do longa, o conflito que o cineasta foca é de outra natureza, um em que os australianos se veem como britânicos de segundo e terceiro escalão, um país que não luta por si, mas sim em defesa de seus mestres, por assim dizer.

Mas Weir é Weir e ele nunca abordaria o assunto diretamente, pois Gallipoli sequer pode ser colocado lado-a-lado com filmes tradicionais de guerra. Pouco se vê de batalhas (há apenas um punhado de minutos de uma delas já no finalzinho) e pouco se vê dos detalhes da Campanha de Gallipoli para além do que é estritamente necessário para fazer o filme funcionar. O roteiro escrito por David Williamson com base em ideia de Peter Weir é bem menos ambicioso do que isso, ainda que não menos vocal e crítico sobre a relação entre Inglaterra e Austrália e sobre os horrores e a futilidade da guerra, com fortes ecos – pela temática – do clássico Glória Feita de Sangue, de Stanley Kubrick. Mas o recorte escolhido é ainda menor e o foco fica mesmo na nascente e crescente amizade entre dois jovens australianos, Archibald “Archy” Hamilton (Mark Lee), um adolescente de 18 anos que trabalha com gado e Frank Dunne (Mel Gibson), um trabalhador de ferrovia desempregado e sem um tostão, que se conhecem em uma corrida de 100 metros rasos, o primeiro por puro dom e o segundo para conseguir algum dinheiro.

Peter Weir não tem pressa e dedica todo o primeiro terço de seu longa aos dois jovens, Archy inocente e idealista que deseja se alistar e Frank mais vivido e cínico, com o segundo terço já lidando com os dois devidamente alistados, o primeiro na cavalaria e o segundo na infantaria, treinando no Egito como realmente aconteceu. Somente no terceiro ato, quando a relação de amizade e respeito entre Archy e Frank está profundamente enraizada na narrativa, com os dois tendo amadurecido juntos, cada um de seu jeito, é que Weir oferece um gosto de guerra, focando particularmente na pequena, mas mortal Batalha do Nek, oferecendo uma sucessão de sequências magníficas que se revezam entre os coprotagonistas, um servindo de mensageiro em uma confusão de mandos e desmandos e o outro esperando para final e efetivamente entrar na guerra, com direito a um final com congelamento de imagem que é de uma inteligência em termos temáticos que dá vontade de tirar o imaginário chapéu para Weir.

Gallipoli é, sob todos os pontos de vista, um filme de personagens com contorno de coming of age, tendo a relação entre Inglaterra e Austrália como a versão macro da relação colonizador-colonizado dentro do país dos cangurus, com a guerra servindo de pano de fundo e, também, como um dos momentos que levou ao amadurecimento da Austrália como país, criando uma espécie de autoconsciência coletiva em razão da Campanha de Galípoli. Weir, novamente, aponta sua câmera crítica para seu país, oferecendo uma outra visão, uma outra camada de opressão e de dominação no panorama geopolítico mundial. E isso tudo com uma obra que não reinventa a roda, que faz uso da icônica Oxygène II, de Jean-Michel Jarre, como música tema de maneira muito semelhante ao que Vangelis fez no mesmo ano para Carruagens de Fogo, e que usa a prosaica conexão entre dois jovens para criar ternura, drama, tensão e, claro, horrores.

Gallipoli (Idem – Austrália, 1981)
Direção: Peter Weir
Roteiro: David Williamson (baseado em história de Peter Weir)
Elenco: Mark Lee, Mel Gibson, Bill Kerr, Harold Hopkins, Charles Yunupingu, Ron Graham, Gerda Nicolson, Robert Grubb, Tim McKenzie, David Argue, Steve Dodd, Robyn Galwey, Don Quin, Phyllis Burford, Marjorie Irving, Bill Hunter, Diane Chamberlain, Peter Ford, Geoff Parry, John Morris, Stan Green, Max Wearing, Jack Giddy, David Williamson
Duração: 111 min.

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