Tenho plena consciência de que, hoje em dia mais do que em qualquer outra época, elogiar filmes que transformam o presidente dos EUA em um herói de ação que salva o mundo pode não ser de bom tom, para dizer o mínimo, mas, sinceramente, eu pouco me importo para isso, pois G20, que tem exatamente essa “premissa tabu”, é uma bobagem tão absurda, tão escalafobética e tão repleta de pancadaria inverossímil, com um roteiro copiado de todo tipo de obra semelhante, que acaba sendo divertido pacas, um guilty pleasure instantâneo, diria até. E olha que eu sou o cara que afirma e reafirma para quem quiser ouvir que filmes divertidos deveriam sempre oferecer algo mais do que apenas diversão, que eles não podem ser apenas entretenimento do estilo “desliguem o cérebro e entorpeçam-se com essa baboseira”. Nesse aspecto, o bom é que o longa dirigido pela mexicana Patricia Riggen, dona de um currículo quase que exclusivamente composto de obras feitas para a TV, mas com uns poucos longas de cinema que são interessantes, efetivamente tem algo especial que é a onipresente e sempre competente Viola Davis como a presidente americana durona e invencível com o bônus de contar com Antony Starr provando de uma vez por todas que ele é um ator de uma nota só, ou seja, que só sabe viver personagens violentos e psicopatas.
Apesar de haver outros exemplos do sub-sub-gênero dos filmes de ação protagonizados por presidentes americanos, com o ótimo Força Aérea Um provavelmente sendo o melhor deles, G20 é, na prática, Duro de Matar em um hotel de luxo com a presidente dos EUA fazendo as vezes de John McClane. Obviamente que não há, aqui sequer um fiapo, se muito, da qualidade e do charme do clássico longa protagonizado por Bruce Willis, mas G20 é mais uma cria dele que não faz completamente feio como vários outros por aí. Sem perder tempo e sem se preocupar em ser minimamente sutil, os minutos iniciais do longa nos contam tudo o que vai acontecer até o final, com a presidente Danielle Sutton (Davis) sendo ex-soldada e uma ótima lutadora, Derek (Anthony Anderson), o marido que é o protetor dos filhos, Serena (Marsai Martin), a filha que é especialista em fugir do Serviço Secreto e geninha de computação e, finalmente, Demetrius (Christopher Farrar), o filho que… bem… não serve para nada. Aprendemos também o quão malvadão é Edward Rutledge (Starr), ex-soldado das forças especiais da Austrália,, em uma sequência preambular em Budapeste, que logo se revela como o líder de uma equipe de mercenários que eficientemente ataca a Cúpula do G20, na Cidade do Cabo, na África do Sul (a cúpula de 2025 será mesmo por lá, só quem em Joanesburgo), e toma os líderes mundiais como reféns com o objetivo de destruir a economia mundial e, secretamente, ficar bilionário no processo (bem no estilo Hans Gruber, mas, obviamente, sem algo que arranhe a superfície do célebre vilão do saudoso Alan Rickman).
Mas é claro que a Sra. Presidente que, vale dizer, tem como plano de carreira acabar com a fome no mundo (sério!), escapa com a ajuda do agente secreto e fiel escudeiro Manny (Ramón Rodríguez) e levando consigo a esperta e eficiente primeira dama da Coréia do Sul, a assustada e diminuta presidente italiana do Fundo Monetário Internacional e o metido e idiota Primeiro-Ministro britânico. O que acontece em seguida? Obviamente o esperado, ou seja, Yippee-ki-yay, motherfucker! para todo lado, com a presidente mostrando que ninguém pode com ela quando o mundo e seus entes queridos estão à beira do precipício, havendo tempo até mesmo para salvar a equipe da cozinha do hotel das garras dos malvadões. Usando bem a geografia confinada dos cenários no interior do hotel, a direção de Riggen faz milagre com o paupérrimo material dramático do roteiro escrito por nada menos do que quatro pessoas (sério, quatro para isso?) e inteligentemente mantém sua câmera apontada para Viola Davis quase o tempo todo, com as exceções sendo Starr em um crescendo hilário de histrionismo e os coadjuvantes mais importantes. A diretora sabe que tudo depende de sua atriz principal e Davis não desaponta ao fazer como seu colega Denzel Washington fez não uma, não duas, mas três vezes em sua franquia de ação O Protetor (ainda que apenas o primeiro realmente preste), ou seja, entregando uma performance que mescla com eficiência sua latitude dramática com a bobajada infindável ao seu redor, mas sem se levar demais a sério.
Riggen consegue até mesmo construir um semblante de tensão genuína em meio à pancadaria, mesmo que o roteiro seja covarde pacas e não dê cabo de alguns personagens que poderiam ser eliminados justamente para criar drama e fazer com que as apostas ficassem mais altas. Mas a mortandade que existe tem seu valor e, nesses momentos é que o personagem de Starr parece se encontrar completamente, mesmo que ele, no final das contas, desaponte na forma como seu grande plano mirabolante começa muito rapidamente a perder coesão quando a reação inesperada de Danielle passa a dar frutos. E, com isso, em meio a um mar de joio cinematográfico emburrecedor, G20 consegue despontar ali timidamente como um colmo de trigo que, mesmo continuando a ser emburrecedor, pelo menos oferece quase duas horas de uma Viola Davis muito da zangada virando a mesa de um terroristazinho chinfrim e seu exército de incompetentes e salvando o mundo no processo porque é o que os EUA fazem constantemente (sarcasmo, SARCASMO, S-A-R-C-A-S-M-O!!!). Será que teremos G20 II: A Missão em que Danielle, amarrando uma faixa na cabeça, retorna ao Iraque com arco e flecha para libertar colegas seus que permanecem presos por lá?
G20 (Idem – EUA, 10 de abril de 2025)
Direção: Patricia Riggen
Roteiro: Caitlin Parrish, Erica Weiss, Logan Miller, Noah Miller (baseado em história de Logan Miller e Noah Miller)
Elenco: Viola Davis, Anthony Anderson, Marsai Martin, Ramón Rodríguez, Antony Starr, Douglas Hodge, Elizabeth Marvel, Christopher Farrar, Sabrina Impacciatore, MeeWha Alana Lee, John Hoogenakker, Gideon Emery, Conrad Kemp, Joseph Steven Yang, Emmanuel Castis, David James, Clark Gregg, Julius Tennon, Theo Bongani Ndyalvane, Noxolo Dlamini, Ali Suliman, Angela Sarafyan, Colin Moss
Duração: 108 min.