Ocidente ou oriente, aparentemente estudantes são iguais em qualquer parte do mundo. Ficam desesperados na época de prova, se descabelam, acham que o mundo vai acabar e, por vezes, recorrem a expedientes menos do que legítimos, como a boa e velha “cola”. Todos sabemos disso em nosso íntimo, pois já fomos ou somos estudantes, uma época da vida que, uma vez vencida, é comemorada e, em seguida, lembrada com carinho e nostalgia, por vezes dando aquela vontade de voltar no tempo e começar tudo novamente. Yasujiro Ozu, em seu terceiro filme de 1930, desta vez com poucos minutos acima de uma hora de duração, encapsula maravilhosamente o “ser estudante”, mesmo considerando o enquadramento durante uma época de depressão econômica.
É importante lembrar, até para fins de contextualização que, em 1929, Ozu já fizera um curta que pode ser visto como o irmão temático de Fui Reprovado, Mas… Em Formei-me, Mas…, o cineasta abordou um estudante recém-graduado que não se conforme em começar sua vida profissional no degrau mais baixo da hierarquia. De certa forma, o longa de 1930 aborda a mesma coisa e poderia até ser visto como um prelúdio. Até mesmo Dias de Juventude, seu primeiro longa não perdido nas brumas do tempo lida com temática semelhante, com Marchar com Alegria dialogando com a rebeldia de uma vida sem rumo. A juventude, de toda forma, é o foco e, no longa sob análise, vemos um grupo de amigos vivendo juntos em uma mini-república tentando fazer de tudo para passar na batelada final de provas da faculdade de economia que cursam.
A conexão entre os jovens é intensa, a camaradagem conecta-os umbilicalmente e, representando essa ligação, Ozu volta ao estranho tipo de ritual que vemos pela primeira vez em Marchar com Alegria, em que os gangsteres usam passos de dança como uma forma de cumprimento. Em Fui Reprovado, Mas…, o diretor amplia essa pegada quase surreal e torna os passos de dança elementos integrais do joie de vivre dos jovens ao ponto de ele até exagerar na dose e tornar o artifício repetitivo demais, especialmente considerando a curta duração do filme e apesar da tentativa de variar as coreografias e do efeito cômico que elas inevitavelmente geram. É simpático nas primeiras vezes, mas, depois, diria, cansa um pouco.
Mas a pegada cômica vai além dos referidos passos e perpassam as várias técnicas que o grupo emprega para driblar a falta de estudos. A cola é a regra para eles, com o emprego até mesmo de uma camisa branca em que eles escrevem as equações, com o jovem da frente levantando o casaco para o que está atrás ver o conteúdo e passá-lo adiante. A leveza é a regra aqui, assim como um ar quase pastelão, com o professor de bigodão que, mesmo vigiando a turma como uma águia, mal consegue detectar as picaretagens.
Nessa altura do campeonato, alguns leitores podem estar se perguntando sobre a história. Pois é, e a história? O drama que se estabelece é enganosamente simples: um dos jovens, justamente aquele que é considerado o mais esperto do grupo, não consegue passar. Enquanto todos seguem para o próximo degrau na escada da vida, passando a procurar emprego em um sistema que não os provê, Takahashi (Tatsuo Saitô) continua na faculdade. Sua frustração e vergonha são enormes ao ponto de esconder sua condição de “repetente” de sua candidata a namorada, ao passo que seus amigos sentem culpa pelo seu fracasso. Claro, temos, aqui, uma nesguinha de história que não sustenta uma narrativa. Ou não sustentaria, se o diretor não fosse Ozu. Ele não está interessado em abordar o drama de Takahashi em detalhes, mas sim alegorizar uma situação que abordei logo no parágrafo de abertura e que pode ser resumido como os “sonhos estudantis”.
Todo estudante é normalmente sôfrego para acabar seus estudos – eu sei que eu era! – e mal pode esperar a vida “adulta”, “independente” e “livre”. Mas, com raras exceções, essa vida adulta, pelo menos em seu começo, pode ser frustrante e, como vejo muitos hoje em dia, que não conseguem pensar a longo prazo, absolutamente inaceitável se o crescimento não vier imediatamente. Ao lidar com a época da depressão, Ozu amplifica os efeitos da formatura, jogando os amigos que se formaram em um ambiente hostil, carregado de dúvidas e de negativas e de contínua falta de dinheiro. Takahashi, ironicamente, por ter “falhado”, acaba em situação melhor do que a de seus pares, o que é justamente o ponto de Ozu para além da crítica sócio-econômica. O diretor parece nos pedir para viver a vida, para não termos pressa para chegarmos ao amadurecimento completo. Colocar os pés para o alto e abraçar a amizade como parte integral da vida é tão importantes quanto crescer e, claro, tudo tem seu tempo certo.
Diferente de seu filme anterior, Fui Reprovado, Mas…. é uma obra de interiores que passa uma sensação claustrofóbica, mas que nunca incomoda. A impressão que fica é de fortalecimento dos laços existentes entre os jovens, com a vida compartilhada entre um cômodo de uma casa e a sala de aula sendo a base para a construção de uma vida sólida, seja ela bem-sucedida ou não profissionalmente. Ozu, aqui, enxerga o cotidiano como tornar-se-ia mestre em fazer com suas obras do “dia-a-dia” e a juventude que ele enxerga – sua juventude, claro – é preciosa, que ele faz de tudo para cultivar.
Os estudantes de Ozu são universais, sendo ele próprio, nesse ponto de sua carreira, um estudante da arte que viria a dominar. Fui Reprovado, Mas… conquista com sua leveza, com a forma como aborda a vida e como traz a reboque a crítica sócio-econômica sem que a narrativa seja artificialmente invadida. Acima de tudo, é muito fácil nos identificarmos com o longa e abrir um sorriso a cada demonstração dançante de amizade e felicidade.
Fui Reprovado, Mas… (Rakudai wa shitakeredo, Japão – 1930
Direção: Yasujiro Ozu
Roteiro: Akira Fushimi (baseado em história de Yasujiro Ozu)
Elenco: Tatsuo Saitô, Kaoru Futaba, Kinuyo Tanaka, Tomio Aoki, Hiroshi Mikura, Ichirô Okuni, Chishû Ryû, Kenji Satome, Tokio Seki
Duração: 65 min.