A década de 60 não é estranha aos filmes de guerra e de fuga, com Fugindo do Inferno sendo um dos grandes exemplares do período ainda próximo do pós-guerra. O épico tem todos os ingredientes de um clássico: uma produção gigantesca para a época, com filmagens em locação na Alemanha; um cineasta em John Sturges que sabe como trabalhar uma obra desse porte em seus planos gerais e set-pieces ambiciosas, sem negar os momentos intrínsecos de drama e melancolia; e um elenco abarrotado de estrelas, passando por Steve McQueen, James Garner, Richard Attenborough e Charles Bronson. Você mistura tudo isso com a premissa instigante sobre uma versão ficcionalizada da fuga em massa de prisioneiros de guerra de uma concentração nazista e o resultado é diversão na certa, mesclando ação com thriller no que é um longa que caminha entre a leveza de um escapismo (he, he) e a dramatização de mais um evento terrível da Segunda Guerra Mundial.
Interessante, porém, como o início da obra é dilatado – até me pergunto se Robert Aldrich se inspirou nesse filme para sua abordagem similar em Os Doze Condenados. A produção toma seu tempo em uma gradual construção do grupo de prisioneiros, focando, claro, em um número pequeno de personagens, com destaque para os planos e sobreplanos que todos fazem para fugir do campo nazista. Existe um cuidado do roteiro em estabelecer boas caracterizações e personalidades para seus personagens que não são simples arquétipos, todos com diferentes qualidades e traumas, como o personagem de Bronson, um especialista em cavar túneis que é claustrofóbico ou então o irreverente Hilts de McQueen, que exala carisma, confiança e deboche de seus inimigos.
Existe até um certo humor no início da história, que passa pelas interações divertidas do grupo principal e pela ambientação quase satírica da prisão, bem relaxada e com uma liberdade que soa quase estranha, se ainda charmosa de acompanhar nas infinitas tramoias dos prisioneiros, com destaque máximo para as manipulações de James Garner para conseguir os materiais necessários para a fuga. A comédia chega a quebrar a tônica da narrativa em alguns momentos, mas o texto gradualmente encorpa o drama à medida que o isolamento ganha contornos sombrios – existe uma transição de tom clara a partir de um suicídio – enquanto assistimos com tensão as pequenas vitórias e derrotas diárias dos prisioneiros.
É nessa justaposição de triunfo e tragédia que a obra encontra suas melhores características, com o desenvolvimento de companheirismo e perseverança perpassando as excelentes interações do elenco e a narrativa intrigante sobre a elaboração da fuga, valendo destacar a trilha sonora marcante de Elmer Bernstein, que transita com suas melodias orquestrais entre o humor, o drama e o thriller com tremenda destreza. Não vou negar, porém, que a obra poderia ser mais econômica, faltando um certo rigor por parte da edição no desenvolvimento até a fuga, onde o filme muda completamente de ritmo e de ambientação, saindo da claustrofóbica prisão para as intensas perseguições e tentativas de fuga da Alemanha.
Na reta final de Fugindo do Inferno, John Sturges recompensa a audiência com muita ação engenhosa e alguns stunts lendários, passando pelas eternas corridas de moto de Steve McQueen até uma sequência aérea protagonizada por Garner. Mais do que animação e apuro técnico, o trabalho de direção é envolvente, seja pelo drama, seja pela nossa identificação com esses personagens, resultado da paciência narrativa, sem falar da frustração que é vê-los sendo capturados ou mortos, em um desfecho maduro, que pode até soar cínico, mas que está em linha com a abordagem da produção como um todo, que diverte sem negar a realidade dessa história. A sequência final com Hilts encapsula a beleza melancólica do filme, onde o personagem é recapturado, mas sem se resignar e sem desistir. Mais um plano de fuga a ser feito amanhã.
Fugindo do Inferno (The Great Escape) | EUA, 1963
Direção: John Sturges
Roteiro: James Clavell, W. R. Burnett (baseado no livro The Great Escape, de Paul Brickhill)
Elenco: Steve McQueen, James Garner, Richard Attenborough, James Donald, Charles Bronson, Donald Pleasence, James Coburn, Hannes Messemer, David McCallum, Gordon Jackson, John Leyton, Angus Lennie, Nigel Stock, Robert Graf, Jud Taylor
Duração: 172 min.