Quer gostem ou não do show, Friends é uma daquelas séries de TV que não só marcaram uma Era, como também representaram as características sociais, comportamentais e da indústria cultural de um tempo. A série original, exibida entre 1994 e 2004, abocanhou uma massa de espectadores a longo prazo — mantendo esse feito para as gerações posteriores ao término do programa — e criou uma marca curiosa de referências, problematizações e haterismo indo de frases como “ah, é um plágio de Living Single!” ou “ih, Ross é um boy lixo” até o básico “uh, eu odeio Friends porque não é engraçada“. Não é uma novidade para nenhuma série de muito sucesso, certo? Se até Seinfeld tem haters, quem dirá Friends, que apesar de eu gostar (muito!) mais, não tenho ganas de negar o óbvio, que ela não tem nem metade da inteligência, elegância ou alta qualidade do humor visto nos enredos da série do tio Jerry. Mas não é sobre isso que eu quero falar — posso deixar isso para um Fora de Plano depois, o que vocês acham?
Há anos que os fãs de Friends vêm esperando por um momento de reunião. Bem… na verdade, ainda nos anos 2000, falava-se muito sobre uma espécie de continuidade, de sequência, de algo ficcional relacionado ao show; vontade frustrada pelos criadores da série e pelos próprios atores, que apesar de sempre dizerem que a hipótese lhes agradava, não viam como possível esse retorno. Aqui na reunião, Lisa Kudrow fala a evidente verdade em torno dessa não-produção de uma peça ficcional para esse Universo após o Finale, seja em formato de série ou filme. Terminando tão bem como terminou, é dramaticamente impossível trazer uma continuação sem algum tipo de problema para mover a trama. E justamente pelo caráter da série, por não haver melancolia ou nota verdadeiramente triste no final, seria uma traição criar algo do tipo, desfazer o conto de fadas confortável em que a série ficou assentada. Eram outros tempos. O show foi pensado dessa forma (até hoje eu morro de rir com “análises” de gente “esclarecida” que reclama que Friends é “irreal” e que “não representa nada da vida em NY ou mesmo da vida entre qualquer grupo de amigos“. Provavelmente o mesmo tipo de gente que assiste a um filme e exclama, achando que está fazendo “A” crítica do século: “nossa, que mentira!“, como se todos os filmes não fossem, por regra, uma mentira) e seu término seguiu a mesma linha desse conto de maravilhas, todo bonitinho. Adicionar uma camada problemática, com o tom triste, duro, cruel e mais sombrio, todos característicos das ficções massivas de nosso tempo… não faria bem a Friends. Não seria a cara do show.
Essa reunião, porém, tem uma outra proposta. Uma proposta nostálgica, que faz exatamente aquilo que promete, apesar de algumas forçações de barra e desperdícios de oportunidade. O núcleo-guia acaba sendo o da entrevista guiada por James Corden, que faz uma espécie de talk show, de onde os cortes nos levam para entrevistas gravadas com os showrunners, com alguns fãs famosos e também não famosos da série. A proposta geral, do encontro, é muito bonita, emocionante e toda vez que mostra o elenco junto, compartilhando memórias, batendo um papo sobre o que eles viveram naquele período é absolutamente agradável. Já o restante… é apenas uma tentativa de entulhar o Especial de figuras famosas que não possui absolutamente nenhuma relevância para a série (BTS, minha gente, BTS! Pelo menos Lady Gaga faz uma participação útil, pois canta o hit Smelly Cat. Mas ter o BTS aqui apenas para compartilhar por que gostam de Friends… que horrível!) só para conseguir impulso de público e reunir o máximo de tribos espectadoras possíveis. Marqueteiramente é compreensível? Claro que sim! Funciona para o Especial? Absolutamente não! O que acaba sendo um péssimo marketing, no fim das contas, pois mina a qualidade do produto a ser vendido.
Isoladamente, todas as escolhas do Especial fazem sentido. Todas elas, de verdade. Pessoas ao redor do mundo comentando como Friends foi marcante em suas vidas. Gente famosa falando como Friends foi marcante em suas vidas. Cenas inéditas de bastidores. Tudo isso integra a memória de um dos programas mais importantes da TV americana e um dos mais icônicos da história da televisão. Ocorre que, por ser uma reunião de Friends, esse tsunami de participações especiais extra-série tiram a oportunidade, por exemplo, de ouvirmos muito mais coisas do sexteto protagonista e também dos atores coadjuvantes que estiveram aqui como convidados, aparecendo brevemente. Seria maravilhoso ouvir mais dos atores que interpretaram os pais dos Geller. Ou da atriz que interpretou Janice. Ou de Gunther! Em vez disso, tivemos participações microscópicas deles, espremidas num mar de inutilidades como os depoimentos de David Beckham, Malala Yousafzai, Mindy Kaling e Kit Harington, por exemplo.
Friends Reunion Special é uma cavalar injeção de nostalgia e a realização de um sonho para os fãs da série. Sim, foi muitíssimo emocionante e muito bom ver esses seis atores reunidos (impressionante como Matthew Perry é o mais sombrio, o mais quieto, o mais amargamente engraçado de todo o grupo, não?). Por eles e pelo que temos deles é que esse Especial acaba valendo a pena. Mesmo as participações-relâmpago de atores coadjuvantes do show acrescentam doses de saudade ao caldeirão, reforçando a ideia de que o tempo passou, de que todos estão mais velhos, com as carreiras em uma outra fase e, ainda assim, conseguem se emocionar (e nos emocionar) com as lembranças do que viveram enquanto filmaram essa série. Acredito que tudo seria infinitamente melhor se o Especial tivesse verdadeiro foco em sua temática. Que cortasse as bordas inúteis e fizesse uso dessa oportunidade que dificilmente teremos mais: ver esses seis reunidos. Nesse aspecto, o projeto acaba sendo decepcionante. Por outro lado, a balança muda um pouco justamente pelo peso do pouco essencial que nos mostra. Eu me diverti bastante aqui. Estava esperando por muito mais Friends e não “amenidades relacionadas” a eles. Mas ainda assim, valeu muito a pena.
Friends Reunion Special (EUA, 2021)
Direção: Ben Winston
Roteiro: David Crane, Marta Kauffman
Elenco: Jennifer Aniston, Matthew Perry, Courteney Cox, Matt LeBlanc, Lisa Kudrow, David Schwimmer, Reese Witherspoon, Cara Delevingne, Tom Selleck, Kit Harington, Thomas Lennon, Lady Gaga, James Michael Tyler, Maggie Wheeler, James Corden, Mindy Kaling, Elliott Gould, Christina Pickles, Larry Hankin, Cindy Crawford, Justin Bieber, Malala Yousafzai, BTS, David Beckham
Duração: 100 min.