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Crítica | Frankie (2019)

por Michel Gutwilen
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Existe uma crença de que viajar pode ser um ato transformador. Pelo menos, é isso que uma família rica e cheia de problemas de relacionamento acredita. Explorar o desconhecido e o místico de uma região é também um exercício de autoconhecimento. Ou talvez a simples experiência compartilhada e a mudança de ares seja o suficiente para que aquelas pessoas acreditem que o mesmo irá acontecer com elas por meio de osmose. Este é o caso da famosa atriz Frankie (Isabelle Huppert), que sempre organiza uma viagem familiar quando quer anunciar algo grande. Desta vez, a escolhida é a histórica cidade de Sintra, em Portugal. Para além de praias, florestas, ruas íngremes de pedra, monumentos religiosos e fontes com possíveis poderes de cura, a protagonista está lá por um motivo. Após a recaída de seu câncer, Frankie quer agir como um pombo do amor e aproveitar o máximo de tempo possível com todos os seus entes queridos, mas também deixando um espaço para que eles resolvam seus problemas sozinhos.

Basicamente, o longa é narrativamente dividido em diversas subtramas e poderia facilmente se chamar Antologia do Amor em Sintra”. Contudo, apesar de nunca haver um senso de fechamento para todas essas histórias e nem uma conexão direta com a jornada de Frankie, há algo em comum em todas elas e que acaba revelando a verdadeira protagonista do filme: a cidade portuguesa. Filmado pelas lentes de Rui Poças (colaborador frequente de Miguel Gomes e João Pedro Rodrigues), o cinegrafista consegue capturar Sintra como uma entidade viva e que mesmo ainda estando ao fundo dos diálogos, chama atenção de um jeito que também não tira a força destes e se torne apenas uma tour paisagística. Sempre caminhando ou olhando tanto para o horizonte na linha do mar ou quanto para o “mar verde” de árvores, os personagens parecem sentir os ventos daquela cidade costeira provocar um desejo de mudança em seus espíritos. 

Em Frankie, Sintra se torna o palco que acomoda todas as fases que uma relação pode ter: temos aqueles que estão vivendo uma paixão de verão; os que estão em um relacionamento estável; os que percebem que estão vivendo um romance desgastado ou que não estão com a pessoa certa; e aqueles solteiros que vivem bem consigo mesmo ou descobrem que precisam de alguém. Em um momento do filme, Frankie diz que não quer ver as pessoas chorando a sua volta, mas apenas aproveitando o momento. Por este motivo, faz até sentido que não exista um grande desfecho dramático e emocional para cada relação, como se o roteiro de Sachs e Zacharias se curvasse às vontades de sua protagonista, que quer apenas aproveitar o momento despretensiosamente. Aliás, isso é algo que acaba ficando claro desde a cena inicial, na qual ela se prepara, sem pressa, para entrar na piscina e retira a parte de cima de seu biquíni, em um ato que já demonstra essa vontade de apenas aproveitar o agora, sem filtros.

Neste sentido, Huppert — que assim como em Câmera de Claire, parece interpretar a si mesma —  ganha força principalmente por esconder uma enorme fragilidade através de um visível esforço justamente por estar sempre tentando contê-la. De certo modo, além de ter a mudança como mote, Frankie, paradoxalmente, é também sobre conformismo. Personagens que relutam em mudar ou aceitar o destino indesejado, mas que precisam de alguma forma se adaptar a ele. Assim, o que se revela é que que tudo parece estar longe do controle de seus personagens.

Em um momento do longa, Paul (Jérémie Renier), revela que sua mãe, Frankie, havia planejado uma viagem para Algarve (também em Portugal), quando ele tinha 18 anos, para que houvesse uma aproximação com Jimmy (Brendan Gleeson), seu novo padrasto, e Sylvia (Vinette Robinson), sua futura meia-irmã. Contudo, contrariando os planos da matriarca, os dois jovens acabaram se relacionando, o que impediu que eles se reunissem como família e fazendo com que Paul fosse morar longe. Similarmente, a viagem para Sintra guarda contornos parecidos: na tentativa de unir sua amiga Ilene (Marisa Tomei) com o próprio Paul, mal sabia Frankie que o destino guardava outros planos para Ilene. Ao final do filme, quando a atriz percebe o que está acontecendo, ela observa de longe, em um misto de medo e conformação com a situação, finalmente entendendo que o amor talvez seja algo incontrolável, assim como a morte. Aliás, voltando na questão da mística de Sintra, curioso pensar nos dois personagens que ao início do filme bebem na fonte considerada mágica.

São duas situações paralelas (e até cíclicas) que reforçam em Frankie a indiferença da vontade humana diante dos desejos da paixão e da própria natureza, que se regem por forças autônomas — e, neste caso, parecem acontecer em um lugar estrangeiro: Algarve e Sintra. No fim, é significativo que Ira Sachs decida finalizar seu filme com um plano tão distanciado, mostrando a pequenez daqueles dramas — que não deixam de ser burgueses — diante de um pôr-do-sol. Sintra prometeu uma mudança, mas traçou o seu próprio destino para aquela família. O que resta é a contemplação e aceitação do destino.

Frankie – França, Portugal 2019
Direção: Ira Sachs
Roteiro: Ira Sachs, Mauricio Zacharias
Elenco: Isabelle Huppert, Brendan Gleeson, Greg Kinnear, Marisa Tomei, Jérémie Renier, Pascal Greggory, Ariyon Bakare, Vinette Robinson, Carloto Cotta, Mikaela Lupu, Senia Nannua
Duração: 98 min.

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