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Crítica | Frankenstein VS. A Múmia (2015)

Um filme irregular, mas com algumas ideias bem interessantes.

por Leonardo Campos
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Mesmo não sendo exatamente uma novidade, ao longo dos últimos anos, o fenômeno do crossover no cinema tornou-se uma estratégia recorrente para unificar franquias, expandir universos narrativos e proporcionar experiências mais complexas ao público. Essa prática, que envolve a junção de personagens, tramas e cenários de diferentes obras, como mencionado, não é recente, mas ganhou força com o advento dos grandes estúdios cinematográficos e a crescente popularidade das franquias. A combinação de personagens e histórias que antes eram vistas como isoladas teve um impacto significativo na forma como as produções são pensadas e comercializadas. Mas não em todas, devo dizer, como é o caso desse bizarro, mas divertido Frankenstein Vs. A Múmia, dirigido por Damien Leone, hoje conhecido por seus violentos filmes da franquia Aterrorizante, aquela com o histriônico palhaço assassino. A possibilidade de ver heróis e vilões interagindo, aliados ou adversários, abre um leque de oportunidades para o desenvolvimento de tramas multifacetadas. Não é, por sua vez, o que acontece por “aqui”.

Para entender as obras dirigidas por Damien Leone, é crucial considerar o legado das histórias de Frankenstein e A Múmia. Criada por Mary Shelley em 1818, a figura de Frankenstein não é apenas um monstro, mas uma representação das consequências da ambição humana e da alienação. Por outro lado, A Múmia, originada da mitologia egípcia e popularizada no cinema desde os anos 1930, traz incertezas sobre a vida após a morte e as maldições, numa perspectiva que também expõe os riscos da ambição humana ao mexer em elementos considerados sagrados ao longo da evolução da humanidade. Leone, um realizador dotado de estilo forte e elementos gráficos proeminentes em seus filmes, traz essas tradições para o século XXI, proporcionando uma experiência que, embora reverente ao passado, se adapta às sensações do terror moderno. O horror contemporâneo frequentemente explora questões sociais e psicológicas, e suas adaptações não são exceção. Esqueça cenários góticos e foco no sobrenatural. O esquema narrativo do cineasta nesse filme bizarro é estabelecer assassinatos sangrentos em cena, numa batalha pueril entre as duas figuras clássicas, próximo ao seu desfecho.

Não podemos, por sua vez, ignorar que há no texto dramático uma tentativa incessante de apresentar ao público algo para ser levado com seriedade. O problema, neste caso, não está exatamente nas discussões filosóficas empreendidas pelos personagens, mas a fragilidade dos desempenhos dramáticos, a estética comprometedora e o desenvolvimento narrativo com momentos de muito exagero, com foco na violência e diminuição do impacto reflexivo que a união de dois monstros clássicos poderia proporcionar para nós, espectadores. Os personagens centrais, catalisadores desse encontro monstruoso, ficam em torno de Victor (Max Rhyser) e Naihla Khalil (Ashton Leigh). Ele é o novo Victor Frankenstein. Ela é a pesquisadora que encontrou uma figura numa escavação e agora pretende estudar o espécime em seus laboratórios. Entre descuidos e posturas de ética questionável, ambos se tornam responsáveis pelo estabelecimento de um império de terror. A criatura dele, erguida com base em órgãos concedidos por um contato misterioso e questionável, permite o surgimento de seu monstro. E a criatura da pesquisadora, do outro lado da história, na formação de um paralelo entre figuras monstruosas prontas para a destruição, ressuscita e deixa uma trilha de corpos significativa.

Mesmo sendo um filme ruim, Frankenstein Vs. A Múmia me trouxe não apenas momentos de entretenimento ligeiro, mas também me permitiu que as lacunas em sua estrutura narrativa me permitissem transgredir os limites do filme para filosofar, com base nas leituras de artigos, documentários, de outras traduções e do romance de Mary Shelley, as questões apresentadas superficialmente no roteiro, escrito por Damien Leone, também responsável pela edição. Em algumas passagens, interessantes, das aulas de ambos os pesquisadores universitários, eles discutem com os estudantes sobre a morte e seus desdobramentos filosóficos. Acompanhamos as cenas pela básica direção de fotografia de George Steuber, sempre acinzentada, provavelmente acometida pelos recursos orçamentários limitados. A música de Paul Wiley, também pouco expressiva, contribui razoavelmente para estabelecer a mínima tensão em determinados trechos de um crossover que vai muito além dos seus limites no quesito tempo de duração: são 115 minutos, isto é, quase duas horas de uma trama que poderia terminar muito bem com meia hora a menos. Mas sigamos, para compreender: o que é possível encontrar como gatilhos para reflexão numa história estruturalmente questionável?

Vamos lá, pelo que me acompanhem. A filosofia, ao longo da sua história, sempre se debruçou sobre questões fundamentais que permeiam a existência humana. Entre estas, a morte se apresenta como um tema central e, frequentemente, inquietante. A reflexão filosófica sobre a morte não é apenas uma busca por respostas, mas uma forma de compreender a condição humana, a finitude da vida e a busca por significado diante da inevitabilidade da nossa própria mortalidade. Para alguns, é preciso que morramos, para que a sociedade evolua. Vamos de panorama. Desde os tempos da Grécia Antiga, pensadores como Sócrates e Platão abordaram a morte como um fenômeno que provocava não apenas o medo, mas também a reflexão sobre a própria essência da vida. Sócrates, em particular, viu a morte como uma oportunidade para a alma se libertar do corpo e alcançar uma forma de conhecimento superior. Para ele, era preferível aceitar a morte ao viver uma vida baseada na ignorância e na acomodação. Essa perspectiva sugere que, ao confrontarmos a morte, somos levados a questionar a validade de nossas crenças, valores e prioridades.

Filósofos como Sêneca e Epicteto enfatizavam a importância da aceitação da finitude. Para os estoicos, a morte não deve ser temida, mas compreendida como uma parte natural da vida. A prática estoica da meditação sobre a morte, conhecida como “memento mori”, convida o indivíduo a refletir sobre sua própria mortalidade, encorajando um viver mais autêntico e presente. A morte serve, dessa forma, como um catalisador para que as pessoas valorizem o tempo e as experiências que possuem. São esses os pensadores mais traduzidos, na atualidade, para a linguagem superficial das redes sociais, em postagens que abordam o assunto e provavelmente sequer possuem a noção de seus respectivos pontos de partida filosóficos. No entanto, ao longo dos séculos, a visão da morte na filosofia foi se diversificando, levando em conta diferentes contextos culturais e históricos. Com a chegada da Modernidade e o rompimento com a tradição, a morte passou a ser vista por meio de novas lentes. Filósofos como Martin Heidegger problematizaram a morte não apenas como um fim, mas como uma parte essencial da “ser-para-a-morte”. Para Heidegger, a consciência da morte é aquilo que nos torna plenamente humanos, permitindo uma forma de autenticidade que está em falta na vida do indivíduo comum, que muitas vezes vive na negligência de seu próprio ser.

Na contemporaneidade, a morte é também uma questão ética e existencial que se encontra no cerne de discussões sobre bioética, eutanásia e a qualidade de vida. A figura do “morrer bem” se torna um ideal a ser buscado, onde a dignidade no fim da vida é enfatizada. Albert Camus refletiu sobre o absurdo da vida e a inevitabilidade da morte, propondo que, diante de um mundo que nos parece indiferente, somos nós que devemos atribuir significado à nossa existência. A aceitação da morte, para Camus, é libertadora e nos permite viver com intensidade. Além disso, a morte traz à tona a fragilidade das relações humanas. O amor, a perda e o luto são temas que atravessam a filosofia existencialista, em especial nas obras de pensadores como Jean-Paul Sartre e Simone de Beauvoir. A consciência da morte enfatiza a importância do outro e como as relações moldam nossa identidade e significado. Sendo assim, o diálogo acerca da morte não se limita a uma reflexão solitária, mas se torna uma prática dialógica que nos liga a outros.

São pontos que não estão exatamente dialogados nas linhas do roteiro de Frankenstein Vs. A Múmia, apenas pincelados, mas que me permitiram viajar panoramicamente sobre o assunto.

Frankenstein VS. A Múmia (Frankenstein vs. The Mummy | EUA – 2015)
Direção: Damien Leone
Roteiro: Damien Leone (baseado no livro de Mary Shelley e na história de Nina Wilcox Putnam e Richard Schayer)
Elenco: Max Rhyser, Ashton Leigh, Constantin Tripes, Brandon deSpain, Boomer Tibbs, John Pickett, Martin Pfefferkorn, Michael Chmiel, Rahul Rai, Stefanie Merola, Daniel Rodas, Robert MacNaughton, Sean Rogers
Duração: 115 min.

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