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Crítica | Frankenstein: Terror das Trevas

Uma tradução bizarra que honra o legado de seu realizador: Roger Corman.

por Leonardo Campos
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Por que Frankenstein é um mito? Essa é uma pergunta que nos fazemos diante da múltipla disponibilidade de narrativas cinematográficas que já traduziram o romance de Mary Shelley para o cinema. Uma das respostas, já tratadas em reflexões anteriores por aqui, é porque o seu enredo incorpora questões essenciais que permeiam a experiência humana: a busca por identidade, o desejo de poder, a luta contra a solidão e a necessidade de conexão. É um mito que nos confronta com as questões mais profundas da existência humana, ainda bastante atuais. Suas lições sobre conhecimento, responsabilidade, aceitação e alienação continuam a nos guiar e desafiar, revelando que, independentemente da era, a busca pelo sentido e a luta contra nossos próprios limites permanecem uma constante na jornada da humanidade. A obra de Mary Shelley se redefine a cada geração, provando que os mitos nunca realmente morrem. Na realidade, evoluem constantemente. E é nessa linha de raciocínio que o icônico Roger Corman, realizador que ao longo de várias décadas, deixou a sua assinatura em “filmes B”, nos guia enquanto espectadores ao longo dos 85 minutos do bizarro, mas curioso Frankenstein: Terror das Trevas.

Na trama, escrita pelo próprio diretor, numa parceria com F. X. Feeney, ambos inspirados no romance homônimo de Brian Aldiss, acompanhamos o seguinte mote narrativo: ao utilizar uma abordagem estética que evoca tanto o terror clássico quanto elementos contemporâneos, o filme nos coloca diante de Frankenstein em uma narrativa futurista, onde a busca por conhecimento e a ambição humana se tornam os pontos de engrenagem críticos de uma história que tal como seu ponto de partida literário traz um painel de dilemas éticos. O enredo se desenrola em 2031, em um mundo apocalíptico, onde uma catástrofe nuclear transformou a sociedade. O Dr. Victor Frankenstein, interpretado por John Hurt, tem seu legado revisitado, enquanto ele luta contra os ecos de seu passado e a criação de seu monstro. A história se aprofunda nas consequências das ações de Victor e na sua incessante busca por redenção e autorrealização, em um texto que estabelece uma crítica à irresponsabilidade da ciência quando irrefletida.

Corman, consciente da bizarrice da proposta, explora com maestria a noção do “monstro”, algo que é de seu domínio ao longo de sua vasta experiência com filmes de terror. Em Frankenstein: Terror das Trevas, o isolamento e a alienação que a criatura experimenta em relação à sociedade refletem questões contemporâneas sobre identidade, aceitação e o que significa ser humano. A relação entre criador e criatura se torna um microcosmo das questões sociais do século XXI, onde preconceitos e a luta por aceitação social continuam relevantes, em especial, na época de seu lançamento, uma década dominada por inovações, incertezas, lutas políticas, terreno pavimentado diante dos desdobramentos da também profícua década de 1980.  Essa transição da década é um elemento contextual bastante peculiar para o filme, pois trouxe um novo conjunto de inquietações sobre o futuro da humanidade, especialmente no que diz respeito à tecnologia e à manipulação genética. A produção reflete, em meio aos seus recursos estéticos e dramáticos “medianos”, as ansiedades da época ao retratar a ciência como uma força não apenas de avanço, mas também de destruição.

Em linhas gerais, o “monstro” de Frankenstein: Terror das Trevas se torna uma metáfora para o medo do desconhecido que a ciência pode gerar. Visualmente limitado, o filme nos apresenta uma equipe sábia ao lidar com as limitações orçamentárias. A direção de fotografia, assinada pela dupla formada por Michael Scott e Armando Nannuzzi, sabiamente utiliza os espaços e a iluminação para criar uma atmosfera opressiva e inquietante. As sequências de ação e os efeitos especiais, embora um tanto datados para a geração atual, conseguem capturar a proposta estabelecida por Corman. Em muitos momentos, a ambientação sombria e os cenários ruinosos refletem o estado de um mundo destruído, servindo como um pano de fundo perfeito para a crise moral enfrentada pelos personagens. Carl Davis entrega uma exagerada textura percussiva e Leslie Huntley assume o posto de supervisão dos efeitos visuais, ambos além do tom, mas também em consonância com aquilo proposto pelo realizador.

Ademais, a interação entre Hurt e sua criação (um papel interpretado por Michael Hutchinson) pode até ser um pouco estranha, mas funciona dentro do previsto para um filme assinado por Roger Corman. Hurt, um ator eficiente e experiente, consegue transmitir a sua luta interna entre o arrependimento e a necessidade de controlar sua invenção. Curioso, estranho, nalguns momentos, engraçado por conta do humor involuntário de determinados trechos, Frankenstein: Terror das Trevas é uma narrativa que vai além de uma simples reinterpretação de um clássico do terror. Mesmo sem ser um trunfo dramático e estético, o filme tece críticas relevantes sobre as consequências e as responsabilidades da ciência, questionando o que significa ser humano em uma era de mudanças tecnológicas rápidas. Apesar de suas falhas, como a superficialidade em alguns diálogos e a falta de desenvolvimento dos personagens coadjuvantes, o filme nos oferece uma perspectiva interessante e perturbadora sobre temas que permanecem relevantes.

Assim, além de Frankenstein, o personagem, ser um mito, caro leitor, Roger Corman também não deixa de ser. Ele é um nome peculiar na história do cinema enquanto arte de entretenimento. Muitas vezes chamado de “o rei do cinema B,” ele que morreu recentemente se destacou como produtor, diretor e roteirista, sendo responsável pela criação de filmes que não apenas moldaram uma geração de cineastas, mas também deixaram um impacto duradouro na cultura cinematográfica. Ao longo de sua carreira de mais de seis décadas, Corman tornou-se sinônimo de criatividade, inovação e empreendedorismo no mundo do cinema. Interessante observar que uma das principais contribuições de Corman para a indústria cinematográfica foi a sua habilidade em produzir filmes de baixo orçamento que se tornaram sucessos de bilheteira. Ele entendia as necessidades do público e sabia como maximizar recursos limitados. Com isso, ele não apenas desbravou novas formas de produção cinematográfica, mas também estabeleceu um modelo que influenciou muitos cineastas independentes ao longo dos anos. Filmes como A Pequena Loja dos Horrores, por exemplo, ilustram a sua capacidade de criar obras envolventes e memoráveis com orçamentos reduzidos.

Muitos dos grandes nomes de Hollywood começaram sua carreira sob sua tutela, incluindo Francis Ford Coppola, James Cameron, Martin Scorsese e Ron Howard. Um mentor que merece ser visto e conhecido por todos aqueles que sem dizem cinéfilos. Mesmo que para rejeitar.

Frankenstein – Terror das Trevas (Frankenstein Unbound | EUA – 1990)
Direção: Roger Corman
Roteiro: Roger Corman, F.X. Feeney (baseado no livro de Brian Aldiss, baseado na novela de Mary Shelley)
Elenco: John Hurt, Raul Julia, Nick Brimble, Bridget Fonda, Catherine Rabett, Jason Patric, Michael Hutchence, Catherine Corman, William Geiger, Mickey Knox, Myriam Cyr, Terri Treas, Cynthia Allison, Isabella Rocchietta
Duração: 85 min.

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