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Crítica | Frankenstein: Minissérie Completa

Produção de 2004, lançada por aqui como um longo filme de 177 minutos, traz um Frankenstein visualmente diferente do habitual.

por Leonardo Campos
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Como é possível observar nessa ascendente sequência de reflexões, o romance em questão, publicado inicialmente em 1818 por Mary Shelley por meio de um pseudônimo, tem sido uma fonte profícua de traduções ao longo de gerações, em especial, no século XX, período denominado filosoficamente por Walter Benjamin como era da reprodutibilidade técnica. Uma dessas versões é a interessante, mas “ligeiramente monótona” minissérie de 2004, dirigida por Kevin Connor em dois episódios. Em sua estrutura dramática, o realizador, guiado pelo roteiro de Mark Krueger, explora com o seu notável elenco, a complexidade dos temas presentes na narrativa que lhe serve como ponto de partida, tais como a ambição humana, a moralidade, e a busca por aceitação. É uma versão que honra o material que lhe serve de fonte, traz nuances que expandem a narrativa, permitindo um novo olhar sobre a relação entre criador e criatura, tendo como ponto de desequilíbrio o seu ritmo, devagar demais para uma trama tão empolgante.

A minissérie Frankenstein, lançada em 2004, é dividida em dois episódios, cada um com média de 80 minutos. A história segue a jornada de Victor Frankenstein (Alec Newman), um jovem cientista que, em sua busca pela compreensão da vida, acaba criando uma criatura feita a partir de partes de cadáveres. Desde o início, a minissérie trabalha a ideia do “homem como deus”, um tema central que questiona até onde a ciência deve trafegar em sua busca pelo conhecimento. O primeiro episódio se concentra na vida de Victor e suas ambições. Ele é retratado como um gênio solitário, atormentado pela morte de sua mãe e consumido pela ideia de criar vida. A série mostra Victor se afastando de sua família, amigos e da moralidade, tudo em prol de seu projeto pessoal.

A relação de Victor com sua criação, que eventualmente se torna um monstro, é central para a narrativa, e é nesse ponto que a minissérie desenvolve os conflitos internos de ambos os personagens. Aqui, se afastando do perfil de Boris Karloff, o “monstro” interpretado por Luke Goss precisa lidar com dilemas da irresponsabilidade de seu criador, numa jornada de tragédias inevitáveis, oriundas de escolhas errôneas, indevidamente planejadas. Se no primeiro momento, o cientista é alvo do texto dramático, no segundo episódio, a criatura torna-se o foco principal. Com um coração sensível, ele é um ser que busca aceitação e amor, mas é sempre rejeitado pela sociedade devido à sua aparência horrenda. A minissérie explora temas de isolacionismo e alienação, mostrando como a sociedade pode ser implacável quando a demanda é ter de lidar com o “outro”, o diferente, aquilo que é fora do padrão.

Essa busca da criatura por um propósito e seu desejo por uma conexão humana são tratados de forma sensível e nos refletir sobre a natureza da monstruosidade. A violência é contida, a participação de Julie Delpy como a mãe de Victor e a presença de William Hurt como o Capitão Walton conferem o tom de qualidade nas atuações diante do que nos é apresentado. Elizabeth, interpretada por Nicole Lewis, também cumpre adequadamente o seu papel, numa série de imagens idílicas, disponibilizadas pela direção de fotografia de Alan Caso, setor que em consonância com o design de produção de Jonathan A. Carlson, nos estabelece um tom elegante para a produção alinhada com o gênero terror, mas que aqui, preconiza o drama.

Um dos temas mais marcantes da adaptação de Connor é a responsabilidade do criador. Victor Frankenstein ignora a responsabilidade que tem sobre sua criação. Isso gera uma série de consequências trágicas, tanto para ele quanto para a criatura. Essa reflexão sobre a ética na ciência e na criação de vida é um tema que ecoa fortemente na atualidade, especialmente em discussões sobre genética, inteligência artificial e bioética. Tanto os livros como as suas traduções, caro leitor, são como nas palavras de Nelson Rodrigues, “hediondos” de tão atuais e relevantes. Por falar em relevância, outro tema coerente com o livro ponto de partida é o conceito de humanidade. A minissérie questiona o que significa ser humano, explorando a dualidade entre a aparência e a essência. A criatura, mesmo com sua forma grotesca, expressa emoções e desejos que fazem dela um ser sensível. Isso leva o público a questionar quem realmente é o verdadeiro monstro. O criador que rejeita e teme o desconhecido, ou a criatura que apenas busca amor e aceitação?

Ao utilizar cenários sombrios e uma cinematografia cuidadosa para criar uma atmosfera que reflete o tom gótico do romance de Shelley, a minissérie faz uso eficaz de sombras e luzes para amplificar o desespero e a solidão dos personagens. A trilha sonora, composta por Roger Bellon, oferta ao espectador uma mixagem de elementos sombrios e melancólicos, num complemento para a narrativa, ajudando nos ajudando a sentir a tensão emocional que permeia a história, mesmo que o seu desenvolvimento, como já mencionado, careça de um ritmo menos letárgico, em especial, na primeira parte. Aqui, caro leitor, não é a escrita exigente de alguém viciado em redes sociais, bem como em seus conteúdos audiovisuais vertiginosos, mas um espectador em posicionamento crítico que acredita na dinamicidade como um recurso para fisgar melhor o público e evitar que qualquer lentidão disperse as nossas atuais gerações contaminadas pelos males do imediatismo. Há bastante material traduzido do romance Frankenstein para o formato audiovisual e essa série sem dúvida não é o melhor que a transposição semiótica desse universo pode ofertar, mas acredito que seja interessa explorá-la para ampliação da sua visão sobre esse que é um dos mitos mais vivos e intensos da contemporaneidade.

Frankenstein (Frankenstein/EUA, 2004)
Direção: Kevin Connor
Roteiro: Mark Kruger (inspirado no romance homônimo de Mary Shelley)
Elenco: Julie Delpy, Luke Goss, William Hurt, Alec Newman, Monika Hilmerová, Dan Steves,Daniel Lewis, Donald Sutherland
Duração: 177 min (minissérie em 2 episódios compactados em DVD).

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