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Crítica | Frankenstein: Como Hollywood Criou Um Monstro

Do livro aos palcos teatrais, das encenações aos filmes: o panorama genético de Frankenstein.

por Leonardo Campos
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A história que inspirou não apenas o filme de 1931, mas tantas versões posteriores e anteriores, em mídias diversas, segue o seguinte mote: Victor Frankenstein, um jovem cientista, consome-se pela ambição de desafiar as leis da natureza. Desde a infância, ele é fascinado pelo funcionamento da vida e pela ideia de reanimar os mortos. Incentivado por seus estudos na Universidade de Ingolstadt, Victor utiliza uma combinação de ciência e alquimia para criar uma criatura a partir de partes de cadáveres. Após um intenso trabalho, ele finalmente dá vida à sua criação, uma figura grotesca que, apesar de não ter culpa por sua aparência, se torna fonte de horror e repulsão para Victor. Desapontado e aterrorizado por sua própria obra, Victor abandona a criatura logo após sua criação. A criatura, que não possui nome e é apenas referida como “o monstro”, é inicialmente ingênua e busca aceitação, mas se torna cada vez mais isolada e desprezada pela sociedade devido à sua aparência. Ela vaga pelo mundo, observando os seres humanos e desejando pertencer a alguém, enquanto acumula experiências de rejeição e solidão. Quase todos os filmes se organizam em torno desse mote, sendo Frankenstein, de 1931, produzido pela Universal, com Boris Karloff como o monstro em questão, uma tradução que muda diversos aspectos do ponto de partida literário e simplifica a história para dar conta das demandas do formato cinematográfico, ainda em desenvolvimento estético e dramático na época.

Olhando o filme em retrospectiva, é uma trama com diversos problemas estruturais, diálogos comprometedores, dentre outras questões. Mas, seu poder como clássico é inegável. Influenciou uma geração de realizadores dos anos seguintes e se transformou em um marco. E, convenhamos, com sua abordagem sobre morte, crimes e violência, algo banal no contemporâneo, mas não tratado na época, chocou plateias e estabeleceu muitas polêmicas. Frankenstein: Como Hollywood Criou um Monstro é um documentário retrospectivo que  traz, em suas fotografias de bastidores, excertos do filmes e depoimento de especialistas e pessoas conectadas com a produção ou com quem esteve por lá, tipo filhos de produtores, atores, afins, nos apresenta o legado e o impacto cultural do monstro que talvez possa ocupar o lugar de maior representante do Primeiro Ciclo de Horror da Universal, um marco de bilheteria, publicidade e busca instigante por formulação de uma linguagem mais própria para o cinema, ainda tateando a sua estética no período. A autocrítica dos entrevistados é um dos pontos favoráveis, pois o legado é analisado e respeitado, mas os problemas das sequências excessivas e até mesmo as falhas narrativas do filme em questão são retratadas de forma objetiva pelos depoentes.

Como os demais documentários produzidos pela Universal para comemoração na ocasião de relançamentos dos clássicos em outros formatos, dentro de valiosas coleções, Frankenstein: Como Hollywood Criou um Monstro possui uma narrativa em duas vias: funciona bem como entretenimento e se estabelece como uma fonte de pesquisa para estudiosos do cinema. Como três documentários retrospectivos foram lançados em torno do filme, para os lançamentos remasterizados, trabalho de curadoria da Universal importante para a manutenção de seus acervos, quase todas as produções tocam em pontos semelhantes. Aqui, por sua vez, aprofundarei em algumas peculiaridades mencionadas em Boris Karloff: Um Monstro Amável e Terror Universal. Dentre os tópicos, temos as ressonâncias do expressionismo alemão, apropriado pela estética dos clássicos de monstro do estúdio, os impactos do fotojornalismo que deflagrou imageticamente os horrores da Primeira Guerra Mundial, com seus feridos diante de cicatrizes e sequelas monstruosas, juntamente com uma abordagem mais detalhada do icônico trabalho de maquiagem de Jack Pierce para Boris Karloff interpretar o monstro, uma composição que marcou para sempre a imagem desse personagem no imaginário popular.

Sobre o expressionismo alemão, movimento artístico que emergiu no início do século XX, nós somos informados que a sua estética esteve intrinsecamente ligada às experiências sociais, políticas e psicológicas da época. Num contexto marcado pela guerra, pela urbanização acelerada e pela alienação, os artistas expressionistas procuraram expressar a intensidade das emoções humanas e a turbulência de suas vivências. Entre os diversos recursos utilizados para transmitir essa mensagem, o uso das luzes e trevas se destaca como um elemento central da sua linguagem visual e literária. A luz e a sombra, simbolizando respectivamente a esperança e a desesperança, tornam-se metáforas poderosas no universo expressionista. Os artistas expoentes do movimento buscaram por meio do contraste entre esses dois elementos, destacar a dualidade da existência humana. A luz, em muitas de suas representações, não é apenas uma fonte de clareza, mas também um símbolo de revelação, de verdade que pode ser dolorosa. Já a sombra, por sua vez, representa o oculto, o desconhecido, e as idiossincrasias da alma humana. Isso não está exatamente no documentário, mas são as associações do repertório cultural de quem vos escreve, nas reflexões sobre as ideias topicalizadas na produção. É possível perceber, em Frankenstein, como traços do movimento encontraram espaço para o estabelecimento do medo e das angústias dos personagens que tinham como destino, a tragédia em suas vidas.

No que tange aos desdobramentos da Primeira Guerra Mundial, creio ser importante situar panoramicamente os acontecimentos desse conflito bélico que devastou nações e trouxe reflexões sobre os perigos das novas tecnologias para a destruição massiva de populações. Foi apenas o preâmbulo para o que seria ainda mais devastador na Segunda Guerra Mundial, datada pelos historiadores em algumas décadas posteriores. Acoplada, por didatismo, ente 1914 a 1918, a Primeira Guerra Mundial teve consequências profundas e duradouras que se manifestaram de diversas maneiras na sociedade, na política e, especialmente, na cultura. Entre os muitos campos impactados pela guerra, o cinema emergente dos anos 1920 e 1930, especialmente os filmes de horror produzidos pelos estúdios da Universal Pictures, reflete as ansiedades e traumas coletivos resultantes desse conflito global. A guerra trouxe à tona o horror em sua forma mais visceral e direta. A brutalidade dos campos de batalha, o uso de novas tecnologias de destruição e a consequente perda de vidas transformaram as percepções sobre a violência e a mortalidade. Esse ambiente sombrio gerou um anseio por escapismo, mas também uma necessidade de confrontar os medos mais profundos da humanidade. O cinema se tornou então um veículo ideal para explorar esses novos temores. Assim, a Universal Pictures, na década de 1930, começou a capitalizar essa necessidade cultural, lançando clássicos que seriam fundamentais para o gênero de horror. Além de Drácula, com Bela Lugosi, outro filme que exemplifica essa fusão entre trauma da guerra e horror é Frankenstein, dirigido por James Whale.

A história de um cientista que reanimou um cadáver e as consequências trágicas de suas ações e correndo em meio ao medo e ao preconceito, ecoam os dilemas morais e as ansiedades que surgiram após a guerra. O monstro de Frankenstein não é apenas uma criatura que aterroriza, mas também um símbolo dos horrores da criação e da responsabilidade, refletindo uma sociedade que se perguntava sobre os limites da ciência e a moralidade na era moderna. A estética visual desses filmes de horror também foi fortemente influenciada pela atmosfera de desolação e decadência que permeava o período pós-guerra. As sombras profundas, os cenários sombrios e a iluminação dramática presentes nos clássicos da Universal não apenas criavam uma ambientação aterrorizante, mas também sugeriam a desolação emocional e psicológica das pessoas que viviam as consequências da guerra. Com um arsenal de imagens tenebrosas de mortos e feridos nos confrontos bélicos, realizadores da indústria cinematográficas tinham imagens poderosas para visualizar, se assustar e, num estilo terapêutico, desaguar os horrores contemplados na composição de suas figuras monstruosas que assustavam as plateias. É o que nos leva ao último tópico: a maquiagem de Jack Pierce para Boris Karloff em Frankenstein.

Jack Pierce, que nasceu em 1889, numa época em que o cinema estava apenas começando a explorar os limites da narrativa e da imagem, se interessou rapidamente pelo teatro, onde começou a aperfeiçoar suas habilidades de maquiagem. Em 1919, ingressou na Universal Pictures, onde se destacou como o principal maquiador da empresa. Seu trabalho no estúdio o levou a se tornar uma figura central na era dos monstros, que começou a tomar forma na década de 1930. A maquiagem de Frankenstein, apresentada ao público em 1931, foi um projeto desafiador tanto técnica quanto artisticamente. O diretor James Whale queria uma representação visual do monstro que transmitisse sua natureza trágica e ao mesmo tempo aterrorizante. Pierce e Whale colaboraram de perto para criar um design que capturasse a atmosfera da obra de Mary Shelley. O resultado foi uma aparência grotesca, mas ao mesmo tempo fascinante, responsável, como já mencionado, por cristalizar a imagem de Karloff como uma espécie de monstro definitivo do universo em questão. Segundo depoimentos, um dos desafios mais significativos que Jack Pierce enfrentou foi a limitação dos meios técnicos da época. A maquiagem foi construída com produtos que hoje seriam considerados primitivos, como látex, gessos e tinturas. Para criar a pele do Monstro, Pierce utilizou uma combinação de palha, dentes falsos e uma extensa aplicação de maquiagem para dar ao personagem uma aparência pálida e cadavérica. A caracterização ainda foi complementada com cicatrizes e costuras, que ajudaram a enfatizar a natureza “criada” do Monstro e seu passado torturado.

A icônica maquiagem de Frankenstein também foi fruto da exaustiva pesquisa de Jack Pierce sobre anatomia. O profissional se dedicou a estudar diversas características faciais e corporais que poderiam ser exageradas ou combinadas para criar uma figura única. A ideia de dar ao Monstro uma cabeça quadrada e um pescoço robusto, que remete à sua origem artificial, foi um ponto focal do design. Além disso, Pierce decidiu usar uma prótese no rosto de Boris Karloff, o ator que interpretou o Monstro, para criar uma atmosfera ainda mais grotesca. O impacto da maquiagem de Jack Pierce não se limitou apenas ao sucesso de Frankenstein. O design inovador influenciou gerações de artistas de maquiagem e efeitos especiais, estabelecendo um padrão que seria seguido em muitos filmes subsequentes, tanto dentro do gênero de terror quanto em outras modalidades narrativas. Em muitos aspectos, a maquiagem de Frankenstein é vista como um precursor das técnicas modernas de maquiagem de efeitos especiais que são amplamente utilizadas hoje em dia. A importância do trabalho de Pierce se reflete não apenas no filme, mas também na forma como ele ajudou a moldar a carreira de uma série de monstros cinematográficos, como Drácula, A Múmia, O Lobisomem, dentre outros.

Além da técnica refinada, a abordagem emocional de Jack Pierce em relação à maquiagem também merece destaque. Ele não via seu trabalho apenas como mera aplicação de produtos, pois para Pierce, a maquiagem era uma forma de contar histórias. Ele acreditava que a aparência do personagem deveria refletir sua psique e experiências. Essa visão se alinha perfeitamente com a narrativa de Frankenstein, onde o Monstro, apesar de sua aparência aterrorizante, é uma figura trágica, sedenta por aceitação e compreensão. Outra contribuição importante de Pierce para a maquiagem de monstros foi sua habilidade em trabalhar com a iluminação. Ele entendia como as luzes e sombras poderiam acentuar certos aspectos faciais e criar a atmosfera desejada. Assim, a maquiagem não apenas funcionava em close-ups, mas também era projetada para parecer crível mesmo em cenas de longa distância. A atenção aos detalhes e a compreensão da filmagem permitiram que sua maquiagem tivesse um impacto visual duradouro, aumentando a intensidade emocional do filme. Clássico absoluto desse Primeiro Ciclo de Horror, estabelecido pela Universal, Frankenstein e sua imagem icônica, personificada por Boris Karloff, ainda deve influenciar muitas gerações. É o poder dos clássicos, devidamente reforçado no documentário.

Frankenstein: Como Hollywood Criou Um Monstro (The Frankenstein Files/EUA, 2002)
Direção: David J. Skal
Roteiro: David J. Skal
Elenco: David J. Skal, Bill Condon, Richard Gordon, Gregory W. Mank, Donald F. Glut, Bud Abbott, Paul M. Jensen
Duração: 45 min.

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