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Crítica | Frankenstein: As Muitas Faces de Um Monstro, de Susan Tyler Hitchcock

As múltiplas facetas de um monstro que partiu da literatura e ganhou a era da reprodutibilidade técnica.

por Leonardo Campos
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Muitos livros voltados ao processo de análise minuciosa de mitos, clássicos literários, dentre outros conteúdos que possuem longa tradição, tendem a repetir coisas já faladas por estudiosos que, anteriormente, já retrataram o objeto de estudo como ponto de partida para investigação. Esse não é o caso de Susan Tyler Hitchcock, autora de Frankenstein: As Muitas Faces de Um Monstro, publicação veiculada no Brasil pela Editora Larousse, traduzida eficientemente por Henrique Amat Rêgo.  Ao longo de suas 352 páginas, o texto publicado em 2010 por aqui traz uma panorâmica, no entanto, detalhada, abordagem dos desdobramentos do romance gótico da escritora britânica Mary Shelley, numa perspectiva que parte do livro para, ao em seu desenvolvimento minucioso, analisar como os personagens desse trágico enredo ganharam outras faces na era da reprodutibilidade técnica, termo cunhado por Walter Benjamin, aqui utilizado para melhor compreendermos como o cientista egoísta e a criatura desalmada saíram das páginas do livro em questão e foram traduzidos para HQS, games, músicas, cinema, televisão, dentre outros suportes semióticos. Dividido em introdução e três partes, o trabalho da escritora é se debruçar analiticamente em torno não apenas de interpretações do romance e de suas versões em outras artes, mas também contextualizar os respectivos contextos históricos de produção dessas narrativas, para que assim possamos compreender onde Frankenstein se mantinha posicionado no imaginário em cada era de suas novas representações.

Cada capítulo traz uma epígrafe que nos situa diante da temática que será abordada ao longo da passagem reflexiva. Na introdução, a autora destaca que Frankenstein é um romance interessante mesmo depois de dois séculos de sua publicação, pois Mary Shelley teceu uma narrativa não isenta de irregularidades literárias, mas que ainda assim, diante do palco de nossas vidas, continua a despertar mais indagações que necessariamente responde-las. E, quem vos escreve aqui, diante dessa sequência de textos sobre o romance, pode afirmar a mesma coisa. Victor Frankenstein, Dr. Waldman, Justine, Elizabeth, e, em especial, o “monstro” que não pediu para ser concebido, mas ao ser criado, ganhou o desprezo de seu “pai”, continuam a fascinar diante de suas trajetórias que dialogam muito com o contexto de evolução das relações interpessoais em nossa sociedade, bem como nas discussões de um mundo constantemente acometido por evoluções tecnológicas transformadoras. Susan compara Mary Shelley com Jane Austen, apontando as projeções das obras das escritoras, delineando que mesmo Austen publicando histórias mais “desejáveis e corretas”, foi a autora de Frankenstein quem mais ganha visibilidade e popularidade. Dentre outros destaques da introdução, há explicações sobre como a sua tradução para o cinema colaborou com as confusões em torno do monstro, uma criatura sem nome no texto, mas que as pessoas comumente intitulam de Frankenstein, sem saber que esse é o sobrenome de Victor, o cientista que forjou a criatura. Ademais, há também a afirmação sobre as pessoas conheceram a história sem sequer terem lido o livro, haja vista a forte imagem de Boris Karloff como o monstro no clássico da Universal de 1931, imagem que por sinal, é destaque na arte da capa de Renné Ramos para a edição do livro de Susan por aqui.

No capítulo intitulado Primeira Parte: Nascimento, o texto analisa aspectos gerais do romance, a perspectiva descrita romântica de Mary Shelley, o “evento” na Vila Diodati que mudou para sempre determinados aspectos da história da literatura, além de desenvolver fatos da biografia da autora de Frankenstein, versando também sobre como o terreno da política utilizou o romance e seus desdobramentos na confecção de cartuns. Há também destaque para as encenações teatrais, responsáveis pela manutenção do livro na memória coletiva e, consequentemente, no interesse dos produtores de cinema no preâmbulo do século XX. Em Segunda Parte: Atingindo a Maturidade, temos uma radiografia do clássico de 1931, uma explicação sobre como a Primeira Guerra Mundial influenciou o cinema com suas imagens reais de vitimados, inspiração para o horror contemplado nas telas, além de menções aos temas do romance em A Procura do Absoluto (de Balzac), Moby Dick (de Melville) e O Sinal de Nascença (de Hawthorne). Susan Tyler Hitchcock também menciona como a peça teatral de Peggy Webling reforçou o interesse social em torno de Frankenstein no começo antes da Universal apostar nos personagens de Mary Shelley em seu Primeiro Ciclo de Horror, fortemente ressonante do expressionismo alemão. E, por fim, na Terceira Parte: O Nosso Monstro, a autora delineia os desdobramentos do romance nos filmes da Hammer, comenta a audaciosa versão de Kenneth Branagh dos anos 1990, traça um panorama dos herdeiros de atores que interpretaram esse monstro no cinema, pessoas que busca de resgate da imagem de seus pais, além de destacar como o humor e a massificação transformaram o monstro numa caricatura. Frankenstein, para a escritora, se tornou uma das tantas commodities que aquecem os nossos mercados.

Em linhas gerais, como aprendizado, reforçamos com a leitura de Frankenstein: As Muitas Faces de Um Monstro, as ressonâncias de um clássico publicado inicialmente em 1918, depois revisado e com inserção de prefácios para o deleite dos pesquisadores no âmbito da critica genética, uma narrativa ainda atual por permitir debates que dialogam com o que vivenciamos em 2024. Vejamos. O desejo do monstro por aceitação e a rejeição que ele enfrenta da sociedade são temas universais. Em um mundo onde o bullying, a discriminação e a marginalização estão em foco, a luta do monstro para encontrar seu lugar ressoa com muitos que se sentem excluídos ou mal compreendidos. A obra aborda a necessidade humana de pertencimento e as consequências da exclusão social. Frankenstein também explora profundamente o que significa ser humano. A dicotomia entre o criador e a criatura provoca reflexões sobre a essência da humanidade, os atributos que nos definem e o papel dos sentimentos e moralidade. Em um tempo em que questões sobre direitos humanos estão em discussão, as reflexões filosóficas do livro sobre identidade e essência continuam provocativas. E mais: a história é um alerta sobre as consequências de ações imprudentes e a responsabilidade que vem com a criação e o poder. Victor Frankenstein negligencia as implicações de sua criação, resultando em tragédias. Em uma era onde as ações humanas podem causar impactos ambientais e sociais globais, a necessidade de responsabilidade pessoal e coletiva é um tema atual.

Um monstro de muitas faces? Sim. E, consequentemente, de muitas interpretações.

Frankenstein: As Muitas Faces de Um Monstro (Frankenstein: A Cultural History/EUA, 2007)
Autoria: Susan Tyler Hitchcock
Tradução: Henrique Amat Rêgo Monteiro
Editora: Larousse
Páginas: 352

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