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Crítica | Frankenstein (2004)

Telefilme criado como episódio piloto para série abortada traz proposta intrigante, mas execução falha.

por Leonardo Campos
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Após o término da sessão dessa tradução irregular do clássico monstro gótico, disponibilizada em um streaming, a sensação que tive foi a mesma já esboçada em outros textos publicados por aqui sobre Frankenstein: por qual motivo uma história com tanto potencial, amplamente traduzida para outros suportes semióticos, possui tão poucas boas versões audiovisuais, algo que podemos contar nos dedos das mãos? Mesmo que tenha sido um clássico e estabelecido um legado respeitável ao longo do século passado, Frankenstein, de 1931, é mais imagem que qualidade narrativa. Os estúdios Hammer flertaram com a trama de maneira intrigante em A Maldição de Frankenstein, mas logo depois lançaram uma série com mais seis filmes quase intragáveis de se contemplar como entretenimento. O audacioso projeto de Kenneth Branagh, nos anos 1990, trouxe um olhar mais dramático para o enredo e uma ousadia estética que o torna uma das melhores traduções da história de Shelley, mas antes de sua assinatura para o clássico, tivemos um manancial de tentativas frustradas nesse âmbito ao longo de décadas. Mesmo que seja curioso, o britânico A Verdadeira História de Frankenstein, dos anos 1970, é demasiadamente bizarro, fora as outras tentativas frágeis dos anos 1980. Diante desse panorama, nós ficamos diante do questionamento: o que essa versão de 2004 pode nos ofertar de envolvente?

O universo do filme é inspirado em Frankenstein, uma série de cinco romances coescritos por Dean Koontz, narrativas literárias que transcendem os gêneros de mistério e suspense ao incluir elementos de horror, fantasia e ficção científica. Os três primeiros livros formam uma trilogia. Primeiro, tivemos Prodigal Son, publicado em 2004, em coautoria com Kevin J. Anderson. Logo depois, City of Night, de 2005, uma coautoria com Ed Gorman. Em 2009, Dead and Alive, escrito sozinho por Koontz, cujas edições passaram a ser creditadas apenas a ele, numa demarcação territorial na literatura que desaguou em dois romances subsequentes, Lost Souls (2010) e The Dead Town (2011), sendo esse último considerado o volume final da série. Em sua estrutura narrativa, temos uma reinterpretação contemporânea do clássico de Mary Shelley, situado em Nova Orleans. A história gira em torno de Victor Frankenstein, dessa vez, conhecido como Victor Helios, e o enredo o acompanha enquanto utiliza tecnologia avançada para criar novas formas de vida, incluindo bioandroides. Em paralelo, temos as investigações de dois detetives de homicídios e o próprio monstro do romance, agora chamado Deucalion.

Victor, ao contrário de seu “ancestral” que utilizava partes de corpos humanos mortos, faz uso de biotecnologia para desenvolver seres que são essencialmente humanos artificiais, com conhecimento e comportamento programados em seus cérebros, semelhantes a computadores. A série, comprometedora em suas histórias excessivas demais, explora temas como a moralidade, a natureza da vida e as consequências da ambição desmedida. Dean Koontz, autor da série em questão, se tornou conhecido por suas histórias de suspense que muitas vezes misturam horror, fantasia e ficção científica e, ao longo de sua carreira, alcançou reconhecimento comercial, aparecendo na lista de mais vendidos do respeitado The New York Times com diversas publicações. Por isso, não demorou, para produtores televisivos investirem numa versão audiovisual de suas histórias. Era 2004 e CSI estava em alta, bem como os seus derivados e outras numerosas produções seriadas voltadas ao âmbito da investigação criminal.

Aqui, encontramos um telefilme que, em teoria, era o piloto para a primeira temporada de uma série que acabou não sendo produzida. O cineasta Marcus Nispel, em alta depois de sua intrigante refilmagem do clássico O Massacre da Serra Elétrica, assina a direção da empreitada que tem alguns poucos bons momentos, mas em linhas gerais, é pecaminosa em seu ritmo e desenvolvimento de personagens. Ao longo dos 88 minutos de Frankenstein, Nispel assina mais uma parceria com Daniel Pearl na direção de fotografia, que aqui, não ganha a mesma intensidade de outros trabalhos da dupla. Os ambientes são escuros, há um clima sombrio razoável, mas falta um toque de criatividade, pois a construção do espaço ficcional é uma cópia de tudo aquilo que a televisão já estava fazendo no âmbito das narrativas seriadas policiais. Ademais, conduzido com tédio, o episódio piloto vendido como telefilme traz personagens planos, motivações que não introduzem a catarse e desfecho insalubre, pois diante do abandono da produção, a ideia de amarrar melhor os arcos narrativos não é concretizada.

Na trama, acompanhamos a jornada de Carson O’Conner, uma detetive interpretada por Parker Posey, parceira de Michael Sloane (Adam Goldberg). Ambos lidam com os crimes cometidos pelo doutor, papel desempenhado por Thomas Kretschmann, figura ficcional que realiza experimentos tenebrosos alinhados com muita liberdade narrativa, ao que no passado, Mary Shelley delineou no romance Frankenstein. Apesar de ser uma excelente atriz, Posey recebe a missão ingrata de desempenhar uma personagem pouco interessante. Abundante em clichês, o seu entorno traz também um antagonista além do “cientista louco”. Ela precisa lidar com o Detetive Jonathan Harker (Michael Madsen), um misógino estorvo em sua investigação, colega de profissão que faz questão de atrapalhar o seu trabalho constantemente. Ademais, numa caminhada que flerta com o real e o sobrenatural, a protagonista precisa provar a existência de Deucalion (Vincent Perez), uma criação antiga dos experimentos científicos que culminam nos crimes que nós acompanhamos em cena, uma “entidade” que aparece e desaparece no mesmo ritmo, deixando o discurso da investigadora parecer insano e, por isso, com ausência de credibilidade.

No “coração” Frankenstein ou o Prometeu Moderno, caros leitores, está o debate sobre a criação da vida artificial por meio de métodos científicos, uma questão que ressoa fortemente com os debates contemporâneos sobre biotecnologia. A manipulação genética, clonagem e a engenharia de tecidos são áreas de pesquisa atuais que levantam questões éticas semelhantes às enfrentadas por Victor Frankenstein. Discussões sobre onde traçar a linha entre avanço científico e o respeito pela vida natural são centrais aqui, assim como as implicações morais de “brincar de Deus”. O telefilme versa sobre esses assuntos, mas não há uma organicidade narrativa que permita um olhar mais instigante sobre essas temáticas, largamente trabalhadas no bojo da cultura cinematográfica do século XX. O ritmo policialesco não é comprometedor, mas há uma sensação de ausência harmônica diante do que é dito nas linhas de diálogos com as necessidades dramáticas de todos os personagens, sem exceção. A sensação que temos é o desenvolvimento conectado com a expressão popular “toque de caixa”. Tudo é jogado em tela, mas tecido com baixa qualidade narrativa.

Outro ponto curioso é que a narrativa de Shelley, que serve como base para o pastiche de Dean Koontz, é também um alerta sobre as consequências não intencionais da inovação científica. Victor Frankenstein não antecipa o sofrimento e o caos que seu experimento causa. Similarmente, na biotecnologia moderna, há preocupações sobre o impacto ambiental e social de organismos geneticamente modificados, terapias genéticas, e outras intervenções biológicas. Exatamente 20 anos após a execução dessa narrativa tradução de Frankenstein, ainda há uma necessidade imperativa de ponderar os possíveis efeitos colaterais e responsabilidades pela criação de novas tecnologias. No romance, tal como na série de Koontz (com menor intensidade) a relação entre o criador e sua criatura levanta questões profundas sobre a responsabilidade emocional e moral que os cientistas têm sobre suas criações. Em biotecnologia, isso pode ser traduzido pela responsabilidade dos cientistas pelas consequências de seus estudos, especialmente em práticas controversas como a edição de genes. Percebemos, então, diante dessa versão, que há muita potência nessas temáticas, mas que os realizadores não conseguiram trabalha-las de maneira coesa e coerente.

Em linhas gerais, um filme com proposta ousada, mas ineficiente em sua execução.

Frankenstein (EUA, 2004)
Direção: Marcus Nispel
Roteiro: John Shiban (inspirado no romance homônimo de Mary Shelley)
Elenco: Parker Posey, Vincent Perez, Thomas Kretschmann, Adam Goldberg, Ivana Milicevic, Michael Madsen, Deborah Duke, Ann Mahoney, Deneen Tyler, Brett Rice, Stocker Fontelieu, Maureen Brennan
Duração: 88 min.

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