Antes de Boris Karloff e o império da Universal, construção imagética definidora do visual do monstro de Mary Shelley ainda na contemporaneidade, o realizador J. Searle Dawley entregou ao público, um dos primeiros filmes que nos traz o célebre romance Frankenstein para as telonas. Lançado em 1910, a narrativa com pouco mais de 10 minutos é uma cápsula do conhecimento para iniciação daqueles interessados na compreensão da evolução da linguagem cinematográfica. Embora o filme seja mudo, aliás, “não sonoro”, como a nomenclatura dos estudos acadêmicos na área de linguagens tem preconizado, algumas sessões eram acompanhadas por música ao vivo, isto é, a sincronização era ao vivo, algo peculiar, característico das exibições da época, tendo em vista colaborar com a criação da atmosfera de tensão. Os efeitos visuais, embora “primitivos” se analisados pelo olhar das plateias contemporâneas, foram inovadores para a época e contribuíram para a representação do monstro. Interpretado por Charles Ogle, cuja aparência assustadora nos apresenta um desenho totalmente diferente da ideia estabelecida pela Universal na década de 1930, o monstro dessa pioneira versão do clássico segue uma abordagem bastante diferente da versão que ficou cristalizada em nosso imaginário, não apenas em seus aspectos visuais, mas também no ritmo dentro dos enquadramentos, além dos gestos e olhares.
Mesmo com as limitações de tempo, a condução narrativa de Dawley conseguiu capturar os principais temas da obra de Shelley, como a ambição científica, a solidão e os conflitos éticos em torno da criação de vida, com fotografia focada em planos mais fechados, cenografia gótica e ambientes sombrios que refletem a atmosfera do ponto de partida literário. Devido à falta de diálogos falados, o elenco em cena utiliza com intensidade, a expressividade corporal e facial para transmitir emoções e intenções, numa era onde o cinema ainda era muito próximo da perspectiva de representação teatral, algo que se modifica ao passo que a arte, ainda em fase experimental, evoluiu, e passou de testagem para uma expressiva indústria, tal como nós a conhecemos hoje. Aqui, os intertítulos são inseridos entre as cenas para apresentar os diálogos, narrativas ou explicações necessárias para a compreensão do enredo, recursos essenciais para guiar o público através da história. No texto, os realizadores investem no básico do romance Frankenstein, sem deixar, por sua vez, de encapsular na trama os seus principais momentos, em especial, os testes de Victor em laboratório, o nascimento de sua ousada criação, o abandono do monstro e os desdobramentos da criatura em sua trajetória posterior.
Hoje, causa algum estranhamento, pois falta desenvolvimento maior para a tradução de suporte semiótico para um livro repleto de nuances e reflexões, mas como já mencionado anteriormente, é um curioso desenvolvimento narrativo de uma época em que o cinema atravessava experimentações, ainda não dotado de autenticidade em seus aspectos estéticos e dramáticos. A história, caro leitor, todos nós conhecemos, mesmo aqueles que nunca leram o romance. Victor Frankenstein é um jovem cientista tomado por diversos traumas em sua infância e, na fase adulta, resolve assumir uma postura divina ao desafiar a ciência e criar um ser por meio de partes de cadáveres. O resultado é uma criatura não nomeada, abandonada e que, diante das circunstâncias, segue numa jornada de busca por aceitação, negada veementemente não apenas pelo seu criador, mas pela sociedade que o circunda. A inevitável vingança se estabelece, juntamente com uma série de tragédias. Inspirado pelas leituras de Mary Shelley e pelos avanços científicos de sua época, o romance encontrou desdobramentos constantes, com traduções para o teatro, cinema e, atualmente, é um dos clássicos da literatura mais traduzidos para outros suportes semióticos em nossa ainda vertiginosa era de reprodutibilidades técnicas. Frankenstein, de 1910, apesar de pouco conhecido, ousou ao flertar com o livro e apresentar, duas décadas antes do icônico Boris Karloff, um olhar peculiar para essa história que, ainda hoje, é pertinente em suas discussões sobre ética e limites na ciência.
É uma narrativa para olhar diacrônico. Observar e contemplar com distanciamento e alteridade, tendo em vista que para a sua época, foi assustadora e impactante. Confira.
Frankenstein (EUA – 1910)
Direção: J. Searle Dawley
Roteiro: J. Searle Dawley (baseado no livro de Mary Shelley)
Elenco: Charles Ogle, Marry Fuller, Augustus Phillips
Duração: 10 min.