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Crítica | Força Sinistra

Vampirismo trash.

por Fernando JG
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É suficiente que acompanhemos apenas vinte minutos de filme para que constatemos inúmeras falhas estruturais que convertem o enredo de Força Sinistra em algo capenga. Quer dizer, não capenga de todo, mas trash, ‘vampíricamente trash’ num estilo retrô que é charmoso mas guarda inúmeras falhas basilares que transformam o filme num daqueles da série B. De equívocos de montagem à continuidade, a película de Tobe Hooper, embora tenha assistido muito Andrei Tarkovski e se espelhado diretamente em um dos maiores filmes de ficção científica de todos os tempos, Solaris (1972), parece que, dele, nada toma como aprendizado. 

À bordo numa missão espacial, uma tripulação avista um objeto estranho à deriva no espaço, ao que tudo indica ser um cometa. Quando se aproximam do objeto, há um estranhamento imediato, afinal, não se trata de um cometa, mas de uma nave. Ao entrarem, chocam-se ao descobrirem três corpos humanos em perfeito estado, enclausurados numas cápsulas. Trazidos à Terra, ocorre um verdadeiro despertar dos “mortos”, iniciando um apocalipse vampírico em cuja figura de uma alien mulher, transformada numa humanoide sedutora e perspicaz, dá-se o centro das preocupações dos agentes do Estado. Com uma narrativa vampiresca, em que a espécie humana está em risco, a ação fílmica corre a fim de pará-los antes que todos se transformem em zumbis. 

Apelando para um insistente uso desregrado e desmedido de efeitos especiais, que enchem os olhos nas primeiras cenas mas depois deixa de ser interessante pela artificialidade, esse filme chama a atenção pelo exagero da técnica e pela pobreza narrativa, cujo enredo é eternizado em razão de sua icônica e desnuda personagem feminina. Essa femme fatale assume o papel de musa suprema numa fita em que prevalece, em todos os setores, a figura masculina. Os personagens homens perambulam por todos os cantos, de modo que justifica o estrago que essa “Eva” faz ao longo da ação fílmica, seduzindo-os como uma sereia de outra dimensão. Os únicos vampiros homens que aparecem morrem numa cena que dura um corte de poucos segundos, restando apenas ela, o que mostra a intencionalidade da direção em trabalhar esse aspecto da sedução na sua película. Eu gosto, particularmente, dos inúmeros perdidos dados pela fem-alien, que os engana todo tempo. Isso confere dinamicidade ao curso das ações de enredo. 

Isso se coaduna à estrutura retrátil do longa-metragem, que é inserido num modelo de enredos policiais em que a fuga dessa dama sorrateira é acompanhada por uma busca incessante a fim de que eliminem essa ameaça potencial e salvem o planeta de um apocalipse vampírico. As soluções são todas fáceis numa trama que, longe de querer se fazer de difícil, entrega ao seu público uma divertida história a respeito de uma mulher sedutora que persegue apenas homens, sedenta para roubar suas energias vitais – e eles, encantados, se entregam. 

Dos efeitos, num primeiro momento, pareciam atrativos, mas logo se mostraram defeituosos porque se tornam caricatos quando deveriam ser naturais, de acordo com alguma verossimilhança, afinal, o filme não quer ser trash e adota uma postura séria, o que acaba não ocorrendo no resultado final. Neste sentido, a movimentação de câmera também opta por um travelling estranhíssimo. Na verdade, não se trata de um travelling, mas de uma inversão de ângulo, que, por um mau gosto exemplar, coloca a câmera de cabeça para baixo como se quisesse mimetizar a baixa gravidade que opera no espaço, fazendo com que todos fiquem flutuando de ponta-cabeça. Quanto mais despreocupado com bons usos de técnicas cinematográficas e narrativas, melhor para um público que, por algum motivo, tem o fetiche em fazer de filmes ruins espécies de obras-primas do submundo do cinema. 

A respeito do gênero no qual o filme se enquadra, ele poderia facilmente ser visto como um horror futurista inserido num sci-fi sem preocupação alguma com a densidade da psicologia dos personagens, inflando todos os aspectos da cena do filme, não para provocar efeitos típicos do horror, mas para entreter e flertar, propositalmente ou não, com produções de segunda linha feitas com baixo orçamento. Não há nenhuma intenção de complexificar o arco narrativo, e não o faz. Os filmes de Lloyd Kaufman eram melhores porque eram abertamente “tromáticos” e não se escondiam atrás de uma falsa trama “prafrentex”, forjando um enredo que tende a ser supercool mas que é super chato. 

Essa “força sinistra” de Tobe Hooper é sinistra mesmo em todos os aspectos, menos naquele que deveria ser, o de gênero. O erro do cineasta foi o de conferir a esse filme um tom de seriedade, quando visivelmente o material não tinha capacidade para isso. Lifeforce vai tentando imprimir dramaticidade e grandeza nas suas cenas mas aí quando chega em determinado ponto acaba que não consegue sustentar a proposta e cai num ponto zero, evidenciando uma ficção que, em todos os ápices climáticos, vira caricatura. 

Essa mulher nua que caminha de um lado para o outro dá um toque diferente ao seu filme, sendo mesmo o que tem mais de emblemático nele. E é exatamente só por isso que ele perdura por tantos anos no gosto de um público caduco que se sente atraído não pela dinâmica de um trashzeira top de linha como as obras-primas Tromeo e Julieta e o Vingador Tóxico, mas porque se encantam com esse artifício cinematográfico empregado e realçado pelo cineasta (aqui, não se engane, a mulher nua é um artifício como todos os outros, um elemento de cinema) para esconder a baixa força de seu enredo.

Vale-se ainda de grandes atores como Steve Railsback, Peter Firth e Patrick Stewart e da nossa bela Alien, interpretada por Mathilda May. Força Sinistra tem um forte apelo retrô, e se mantém por ser esse clássico ruim com efeitos que enganam aos olhos e que é atuado por uma atriz nua que forja no filme um status de pseudo-cult, mas que, por trás dele, encontra-se um fraquíssimo roteiro, baixa profundidade de tudo e ações muito mal trabalhadas. Deste modo, Lifeforce, presumo eu, deve aceitar, sem muitos questionamentos, o seu lugar na estante de filmes B.

Força Sinistra (Lifeforce, Reino Unido, 1985)
Direção: Tobe Hooper
Roteiro: Dan O’Bannon, Don Jakoby (baseado no romance The Space Vampires)
Elenco: Steve Railsback, Peter Firth, Frank Finlay, Mathilda May, Patrick Stewart, Michael Gothard, Nicholas Ball, Aubrey Morris, Sidney Livingstone, John Hallam, John Keegan, Chris Jagger, Bill Malin, Jerome Willis, Derek Benfield, John Woodnutt, John Forbes-Robertson
Duração: 116 min. 

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