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Crítica | For All Mankind – 4X01: Glasnost

Ecos de Armageddon.

por Ritter Fan
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  • Há spoilers. Leiam, aqui, as críticas dos demais episódios.

Mesmo que For All Mankind fosse uma série mediana, ainda assim eu, provavelmente, a acharia fascinante. Obras literárias e audiovisuais de História Alternativa, em que uma pequena alteração no curso da realidade leva a desdobramentos inesperados, são normalmente ricas em uma enorme quantidade de suposições que levam ao assombro e ao pavor, mas também à alegria do que poderia ser. A série criada por Ronald D. Moore parte de um momento importantíssimo, a chegada do Homem à Lua em 1969, para gradativamente, de temporada em temporada, alterar o curso de tudo apenas indagando algo como “o que aconteceria se a União Soviética fosse responsável pela primeira pegada da humanidade em nosso satélite?”, aproximando a série da pura ficção científica, mas no estilo hard sci-fi, ou seja, de pegada mais realista e pé no chão.

E o que é ainda mais interessante e também muito arriscado, é que, estruturalmente, For All Mankind depende de saltos temporais consideráveis de uma temporada para a outra, o que mantém a narrativa sempre refrescante, com desafios diferentes a cada novo ano, além de permitir o envelhecimento – e a inevitável substituição – do elenco fixo, mas, por outro lado, deixa o espectador desejando efetivamente ver o que aconteceu em cada intervalo, o que, para mim, é o testamento de a série realmente funciona. Se a primeira temporada foi de 1969 a 19875, a segunda cobriu o ano de 1983, com a terceira começando em 1993 e acabando em 1996. Para fazer as pontes temporais, a produção da série teve o cuidado de lançar      minidocumentários em forma de telejornal que são oferecidos como extras no Apple TV+ e cuja conferência, apesar de não ser essencial, é altamente recomendada.

No quarto ano, a série avança mais sete ou oito anos, trazendo a narrativa para o século XXI, mais precisamente para o ano de 2003. Em linhas gerais, o mundo mudou muito em termos ambientais e sociopolíticos, primeiro com a descontinuação quase total do uso de combustíveis fósseis em razão da mineração na Lua e, segundo, pela combinação da revelação pública da homossexualidade do astronauta Will Tyler e da presidente americana Ellen Wilson, com a manutenção e ampliação do bloco comunista liderado pela União Soviética, ainda que com uma versão da Glasnost (daí o título) que abriu o país a investimentos externos de maneira semelhante à que aconteceu com a China em nossa realidade e tornou possível o fim da Guerra Fria, com a criação de uma entidade formada por sete países, EUA, URSS e Coréia do Norte entre eles (o M-7) para a exploração espacial, especialmente em Marte. Em termos científicos, portanto, a presença do Homem na Lua e no Planeta Vermelho tornou-se lugar-comum, com uma enorme colônia marciana sendo fundada entre a terceira e quarta temporadas a partir dos 15 meses que Danielle “Dani” Poole, Edward “Ed” Baldwin e Grigory “Kuz” Kuznetsov, liderando uma equipe formada por americanos, soviéticos e um norte-coreano, além da iniciativa privada, tiveram que ficar perdidos em Marte depois de se sacrificarem para tornar possível o retorno de Kelly Baldwin, grávida, para a Terra. Por outro lado, a internet, nesse mundo, nunca realmente deslanchou, algo que está mais para um artifício narrativo para compartimentalizar as informações e evitar entrar nas discussões sobre redes sociais e assim por diante, do que por uma razão específica claramente delineada.

Quando Glasnost (o episódio) começa, todos os eventos acima estão consolidados e são coisas literalmente do passado, ainda que o paradeiro de Daniel Gordo “Danny” Stevens seja mantido em mistério, mas com a indicação de que ele provavelmente morreu ao longo dos tais 15 meses, por ter sido banido para a cápsula norte-coreana ao final de Stranger in a Strange Land. O gatilho narrativo é tematicamente idêntico ao de Polaris, que marcou o começo da temporada anterior, ou seja, um acidente espacial. No lugar da desastrosa inauguração de um hotel na órbita da Terra, temos a tentativa de rebocar um meteorito valioso para a órbita de Marte, de forma a tornar a colônia de lá autossustentável e, também, claro, extrair todas as riquezas minerais possíveis para contribuir para o retorno do investimento multinacional feito em Marte. Durante o reboque comandado por Ed, os ganchos cravados no meteorito se soltam, levando Kuz a tentar reatá-los somente para ele ter que ser deixado para a morte certa de forma a evitar que a nave toda se chocasse com a pedra espacial.

Apesar de, em termos técnicos, tudo funcionar muito bem, seja a construção da tensão, seja o CGI empregado para dar vida ao gigantesco “gancho” que é cravado no meteorito, a grande verdade é que a semelhança com Polaris traz aquela sensação incômoda de déjà vu que poderia ter sido evitada com a execução de alguma outra ideia mais interessante ou, pelo menos, não tão próxima. Por outro lado, é inegável que essa missão serve bem sua função de ser a “ação” que entremeia as reapresentações de personagens antigos e as apresentações de personagens novos. Por exemplo, ver Aleida Rosales na sala de controle da missão é interessante, mas estranho, pois teria sido natural – e esperado – que ela, nesse tempo, tivesse galgado até um ponto mais alto de sua carreira, talvez como controladora geral e não apenas como mais uma na engrenagem. No entanto, essa estranheza se dissipa quando notamos que ela sofre de estresse pós-traumático em relação ao atentado no prédio da NASA que ceifou as vidas de Molly Cobb e Karen Baldwin e – ainda não tenho certeza – também a de sua mentora Margo Madison no que diz respeito a ela e aos americanos, obviamente, o que a impede de funcionar e trabalhar de maneira normal.

Igualmente, ver Ed começando a perceber que talvez esteja com alguma doença degenerativa, talvez Mal de Parkinson ou esclerose, dá indicações também de que seu tempo na série será encurtado, algo que reputo saudável, de maneira que o “sangue novo” tome conta do antigo de vez, mesmo que Dani – retirada da aposentadoria por Eli Hobson (Daniel Stern), novo administrador da NASA – acabe se tornando a grande líder da colônia em Marte como aponta o final. Aliás, falando em final, apesar de eu ter achado a apresentação de Miles Dale (Toby Kebbell, o Sean Turner de Servant), ex-trabalhador em plataformas de petróleo que, precisando de dinheiro para reconstruir sua vida, aceita uma missão de dois anos em Marte, um tanto quanto sem sal, o conceito em si de “pessoas comuns” sendo levadas ao espaço – algo que vimos no exagerado, mas muito divertido Armaggedon que guarda a “perfuração de meteorito” como outra semelhança ao episódio – tem enorme potencial tanto para facilmente multiplicar a oferta de personagens novos, como para criar tensões variadas que podem ser de naturezas mais relacionadas com ação e tensão, mas, também, conflitos hierárquicos.

No lado da linha narrativa de Margo em seu entediante cotidiano vigiado na União Soviética para onde ela foi como um sacrifício por Sergei, seu único amor, nós a vemos tentar imiscuir-se nas consequências do acidente espacial, mas sua presença não só é indesejada, como também alvo de comentários de um oficial que a considera obsoleta. Seu contato, ao final, com o que parece ser uma agente de inteligência russa a mando de um rival de Mikhail Gorbatchov, talvez, ou até da inteligência americana mesmo, também abre caminho para algum tipo de retorno efetivo da personagem para as agências espaciais, ainda que, pessoalmente, eu ainda ache que teria sido melhor que seu arco na série tivesse sido encerrado com aquele epílogo no final da temporada anterior. Por outro lado, como não sei os planos que Moore e equipe têm para Margo, é esperar para ver se sua manutenção na série terá real valor.

Glasnost é um bom começo de temporada, mas bem mais na linha de Every Little Thing, em que o ônus da passagem temporal pesou, do que do citado Polaris. Mas é aquilo, For All Mankind tem ônus duplo a cada começo de novo ano, pois precisa lidar com novas conjunturas macro e micro intervaladas não por alguns dias ou meses como é o padrão em séries, mas sim por quase uma década e Moore já provou repetidas vezes que ele sabe muito bem o que está fazendo.

For All Mankind – 4X01: Glasnost (EUA, 10 de novembro de 2022)
Criação: Ronald D. Moore, Matt Wolpert, Ben Nedivi
Direção: Lukas Ettlin
Roteiro: Matt Wolpert, Ben Nedivi
Elenco: Joel Kinnaman, Wrenn Schmidt, Krys Marshall, Cynthy Wu, Coral Peña, Toby Kebbell, Tyner Rushing, Daniel Stern, Lev Gorn
Duração: 62 min.

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