- Há spoilers. Leiam, aqui, as críticas dos demais episódios.
Mais uma vez, Ronald D. Moore mostra que realmente tem um plano bem elaborado para sua série que espero que não seja atrapalhado por sua ida para a Disney. Em Triage, a segunda temporada começa a encerrar arcos narrativos e a estabelecer de maneira mais escancarada – e inevitável – o que poderá ser o moto central da próxima, com a Guerra Fria finalmente deixando de ser fria, pelo menos no que se refere ao solo lunar, efetivamente marcando a série como uma forma de preâmbulo para toda sorte de obras de ficção científica que lidam com conflitos espaciais.
Em termos de arcos narrativos, o primeiro a ganhar um semblante de encerramento – pelo momento, claro – é o de Molly. O desespero da personagem em evitar a perda de sua visão de forma que ela possa continuar voando é palpável e sua tendência em acreditar no primeiro charlatão que aparece prometendo milagres é algo que é perfeitamente compreensível, mesmo ela sendo uma mulher inteligente e extremamente capaz. Wayne, por mais que tenha se mostrado o marido mais do que “gente boa” ao longo da série, decide radicalizar para impedir sua amada de fazer algo impensado, o que a faz realmente reverter o raciocínio, aceitar o inevitável e viver o restante de sua vida ao lado dele, mesmo que cega. Não é um desfecho diferente do que poderíamos esperar, mas isso é positivo, pois ver o que esperamos efetivamente acontecer é, como já cansei de dizer nas mais diferentes críticas, a prova de que a história está sendo bem contada.
E exatamente a mesma coisa acontece com Ellen. Ela largou a vida na Lua para focar na missão Pathfinder para Marte, encontrou sua vocação verdadeira na política, trabalhando como a conexão do presidente Reagan e a NASA, mesmo que, para isso, tenha que ter endurecido sua posição anti-soviética e, no processo, ela decidiu também sair do armário, voltar para Pam, o amor de sua vida, e viver sua vida sem segredos, sem casamento forjado. Mas é claro que a incompatibilidade das duas decisões sempre foi visível e isso vinha sendo construído sem pressa nos episódios anteriores, com Ellen adiando sua revelação em razão do falecimento de Thomas Paine em Don’t Be Cruel, possivelmente a única pessoa que compreenderia a questão, e envolvendo-se cada vez mais profundamente com a NASA e com a crise política entre as duas superpotências. Dentro dessa lógica, seu caminho pela efetiva política, com um interessante olhar para o futuro razoavelmente distante, quando ela poderia tentar ser presidente dos EUA, era algo esperado, assim como era esperado que Pam compreendesse que o futuro de Ellen não pode ser ameaçado por um relacionamento homossexual, pelo menos não agora. É duro, mas é a realidade. Ou Ellen desistia de tudo e ficava com Pam ou caminhava pela política. As duas coisas ao mesmo tempo é impossível no contexto da série, assim como até hoje é bastante complicado se formos honestos.
E o terceiro arco relevante é o da família Baldwin, subdividido em duas tramas. A primeira delas, a crise conjugal entre Karen e Ed, cuja existência Ed jamais quis enxergar, chega a seu ponto alto com a revelação da traição de Karen momentos antes de Ed partir para a missão adiantada da Pathfinder, agora para a Lua. Não é um encerramento, claro, apenas um momento climático que poderá afetar – como efetivamente afeta – Ed psicologicamente e que precisará ser abordada em mais detalhes potencialmente no terceiro ano da série. A outra é a questão da paternidade biológica de Kelly que… não ganha qualquer desenvolvimento aqui e, como a linha narrativa mais afastada do cerne da história, me deixa com dúvidas como ela será transformada em realmente relevante, também em toda probabilidade na vindoura temporada.
Seja como for, o mote adulto e centrado que os showrunners adotaram para seus personagens merece comenda, costurando a vida real perfeitamente verossimilhante com um pano de fundo crescente de sci-fi na medida em que esse universo de História Alternativa diverge mais – mas não tanto – do nosso. O alívio cômico, por assim dizer, fica por conta da reconexão quase adolescente de Gordo com Tracy em Jamestown, em um momento descontraído e muito divertido que, porém, prenuncia a tragédia e, claro, será provavelmente importante para o desfecho da temporada.
E essa tragédia – a invasão da base americana pelos soviéticos em retaliação à morte de um de seus cosmonautas e o ferimento de outro que, por sua vez, naturalmente pede asilo político – prenunciada pela decolagem da Buran devidamente armada para fazer um bloqueio lunar, da ameaça ao Sea Dragon 17 e a consequente aceleração do lançamento da Pathfinder, agora sob controle do Departamento de Defesa dos EUA, também carregando mísseis, tudo enquanto a missão conjunta de paz Apollo-Soyuz continua a todo vapor (coitada da Dani…), serve como um sensacional cliffhanger de final de temporada, mas que não é final, vale lembrar. O realismo da coisa toda é algo a ser aplaudido, aliás, com astronautas/militares que não sabem muito bem como a coisa vai funcionar e a efetividade da ação em si ser mantida de forma simples e básica, com um mero tiro no vidro da sala de comando de Jamestown sendo suficiente para causar o caos completo, sem que comportas protetoras, escudos de força ou coisas do gênero surjam magicamente para minimizar o problema. É, como disse, o prelúdio das “guerras espaciais” de tantos sci-fis que lemos ou vemos por aí.
Triage é, portanto, uma excelente preparação de encerramento de temporada que, mesmo elevando a tensão entre os países inimigos em solo lunar, não se esquece de seus personagens com pé no chão da Terra mesmo, trabalhando realismo nas duas frentes sem perder a noção do todo. Como já disse antes, fico muito curioso para saber até onde For All Mankind tem potencial de ir.
For All Mankind – 2X09: Triage (EUA, 16 de abril de 2021)
Criação: Ronald D. Moore, Matt Wolpert, Ben Nedivi
Direção: Sergio Mimica-Gezzan
Roteiro: Bradley Thompson, David Weddle
Elenco: Joel Kinnaman, Michael Dorman, Wrenn Schmidt, Sarah Jones, Shantel VanSanten, Jodi Balfour, Krys Marshall, Sonya Walger, Nate Corddry, Dan Donohue, Noah Harpster, Michael Benz, Leonora Pitts, Teya Patt, Coral Peña, John Marshall Jones, Nikola Djuricko, Jeff Hephner
Duração: 56 min.