- Há spoilers. Leiam, aqui, as críticas dos demais episódios.
For All Mankind tem sido uma montanha-russa de qualidade. Depois de uma trinca inaugural de episódios que mostrou o capricho da produção, mas deixou a desejar com seus roteiros perdidos, a série de Ronald D. Moore encontrou propósito na dobradinha Prime Crew e Into the Abyss, somente para deixar a peteca cair no extremamente expositivo Home Again. E, agora, mais uma vez, com Hi Bob, o showrunner acerta ao focar principalmente nos três astronautas ilhados na lua depois do acidente fatal com a Apollo 23, que atrasou a troca da tripulação da base lunar de Jamestown.
Chega a ser irônico que Ed, Dani e Gordo, que tinham como maior sonho na vida pisar na lua, agora não aguentam mais o isolamento forçado na base que os leva, no desespero, a reencenar cenas do programa de televisão que eles já viram tantas vezes quando o videocassete (olha a tecnologia de ponta aí!) quebra. A lua, para eles, é o dia-a-dia agora e a falta de privacidade, a rotina e o marasmo, mesmo considerando suas missões diárias, não é o suficiente para fazê-los reavivar toda a excitação que tinham para chegar no satélite vazio. A magia definitivamente acabou.
E cada um deles, claro, é afetado de uma forma diferente. Ed, veterano de guerra, é o que melhor se adapta à rotina e ao isolamento, mantendo a cabeça razoavelmente fria, mas deixando sua paranoia causada pela presença soviética do outro lado da cratera Shackleton ocupar sua mente constantemente. Faz sentido, claro, até porque toda a Guerra Fria foi “transportada” para a superfície lunar nessa história alternativa, com essa linha narrativa realmente mostrando potencial para episódios e até temporadas futuras. Dani, por sua vez, sofre mais ao ver seu marido Clayton tendo que lidar, sozinha, com o transtorno de estresse pós-traumático resultante da guerra do Vietnã e que ele se recusa a tratar com um psicólogo e o que lhe impede conseguir empregos melhores do que o de ensacador de compras em supermercados. Mesmo concentrada e calma na base, sua impossibilidade de ajudar o marido a deixa inquieta e justifica o que ela acaba fazendo por Gordo ao final, que não só é um gesto altruísta bonito, que a coloca como heroína para seus dois companheiros de base, mas como decepção para toda a NASA, como tem um fundo pessoal (e, portanto, egoísta) importante.
Finalmente, há Gordo. Ele já havia mostrado vários sinais de descontrole antes de ir para a lua, especialmente no que se refere sua entrega à bebida, com seus “passeios” lunares já sendo algo no mínimo intrigante no episódio anterior. Agora, ele realmente “quebra”. O astronauta não aguenta o espaço confinado e começa a arriscar a sua própria vida e a de seus colegas com seus ataques maníacos que trazem um bom grau de tensão a Hi Bob, além de uma melancolia pesada, destrutiva que Michael Dorman consegue imprimir muito bem em seu personagem, sem exageros e sem que seja fácil chamá-lo de maluco ou desequilibrado. A construção de sua queda é bem feita e lógica dentro da estrutura da série, com uma conclusão que demanda o referido sacrifício de Dani e também de Ed, que acaba realmente isolado na base, sem chance de voltar antes da chegada da Apollo 24 em “duas semanas”.
Na Terra, duas tramas paralelas ganham espaço também. Uma delas, de cunho macro, aborda a perseguição do FBI à astronauta Ellen Waverly e ao engenheiro Larry Wilson, que fingem ser um casal, em razão de suspeita de homossexualidade, “desvio moral” que, segundo o bureau, poderia colocar a NASA sob o perigo da ameaça vermelha. E isso acontece simultaneamente ao escândalo sexual envolvendo o presidente Ted Kennedy que adiciona pressão à situação. Em um universo em que a paridade de gêneros entre homem e mulher é acelerado em razão da Corrida Espacial, nota-se que a questão da sexualidade ainda tem muito o que evoluir e pode ser, também, um elemento interessante a ser desenvolvido em futuro próximo. A pergunta que se coloca na mesa é: será que Ellen e Larry fizeram certo ao casarem-se para desviar os holofotes deles? A resposta não é tão fácil como muitos acharão, pois a vida profissional dos dois poderia ser profunda e irremediavelmente afetadas se eles assim não fizessem, colocando em conflito a praticidade e o idealismo.
A trama de cunho micro gira em torno do filho de Ed, Shane, cada vez mais rebelde e incontrolável, continuando o que foi abordado no episódio anterior. Depois de mais um problema sério na escola, o garoto é colocado de castigo por Karen, somente para rebelar-se completamente e sair de casa, o que resulta em um acidente que não é mostrado. Fica o cliffhanger sobre o destino do jovem, mas, seja o que for, isso potencialmente abalará e muito a permanência de Ed na base, o que pode levar à decisão de não contar nada para ele antes da chegada da Apollo 24.
No entanto, mesmo com seus vários pontos positivos, Hi Bob continua o sério problema visto em Home Again: Molly Cobb, tão bem desenvolvida em Prime Crew e Into the Abyss, não é sequer mencionada, nem que seja para dizer que ela está aposentada e foi morar com o marido em uma cabana no meio de uma floresta. É como se ela não tivesse existido, como se a série não tivesse empregado tempo considerável para trabalhar a personagem e como se Sonya Walger não tivesse feito um ótimo trabalho dando vida a Molly. E o pior de tudo é ver que, agora, pelo visto, Margo, que ganhou os holofotes no episódio anterior, foi relegada a ser uma cabeça no monitor cheio de chuvisco lá em Jamestown, novamente apontando para outra personagem que perderá espaço. E, se isso acontecer, o mesmo pode ocorrer com a jovem Aleida, já que ela passou a ser – pelo menos em tese – a protegida de Margo.
Moore, apesar de suas boas intenções e não obstante ele entregar episódios visualmente muito bem feitos, tem sido incapaz de manejar os personagens que introduz. Isso tem tornado For All Mankind uma série que demonstra enorme potencial, mas que frustra tanto quanto alegra o espectador. Hi Bob é um alento, mas o showrunner precisa mostrar consistência se quiser fisgar de verdade seu público.
For All Mankind – 1X07: Hi Bob (EUA, 29 de novembro de 2019)
Criação: Ronald D. Moore
Direção: Meera Menon
Roteiro: Ronald D. Moore
Elenco: Joel Kinnaman, Michael Dorman, Wrenn Schmidt, Sarah Jones, Shantel VanSanten, Jodi Balfour, Chris Agos, Matt Battaglia, Chris Bauer, Jeff Branson, Dan Donohue, Colm Feore, Ryan Kennedy, Eric Ladin, Steven Pritchard, Rebecca Wisocky, Tait Blum, Arturo Del Puerto, Noah Harpster, Krys Marshall, Tracy Mulholland, Dave Power, Mason Thames, Olivia Trujillo, Sonya Walger, Lenny Jacobson, Edwin Hodge, Nate Corddry
Duração: 60 min.