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Crítica | Flores Partidas

por Fernando JG
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E novamente Bill Murray fazendo o papel – muito bom, diga-se de passagem – de um homem no centro de um desencontro. Dois anos antes, ele tinha protagonizado o melancólico Encontros e Desencontros (Sofia Coppola, 2003), e aqui ele retorna para encenar o mesmo tipo de personagem, mas com uma dose de humor levemente requintada e uma tristeza moderada, descortinando o tédio e a monotonia do cotidiano. Um ator plenamente dramático e entediado, Murray foi a escolha perfeita para interpretar um homem de mais de meia idade, mulherengo, mas intensamente enfadado com tudo. Apesar do elenco ser de peso, com Tilda Swinton, Jéssica Lange, Sharon Stone, Jeffrey Wright e Frances Conroy, nenhum deles impulsiona a narrativa como Bill Murray faz, ainda que esse impulso seja apenas tédio. E isso é brilhante, porque não é apenas o filme que segue um ritmo lento e monotônico, mas é, sobretudo, o fato de Murray saber interpretar o enfado e convencer por essa atuação.

Em resumo, somos apresentados à vida de Don Johnston (Bill Murray), um homem solteiro, uma espécie de Don Juan mais velho, que acaba de receber uma carta anônima cor-de-rosa dizendo que ele tem um filho de 19 anos, e então tudo vira de cabeça para baixo. Ele imediatamente parte em busca de descobrir de onde vem a carta e de quem a mandou, mas o grande problema é que ele se relacionou com muitas mulheres, e aí vira uma epopeia investigativa, com fortes doses de road movie e filme policial. Descobrir quem é o filho se torna o sentido de vida de Don a partir desse momento.

O que não deixa de ser verdade é que este filme tem um senso estético-temático muito influenciado pelo Paris, Texas, de Wim Wenders, e isso parece atravessar a criação artística de todo o longa-metragem. O laço cor de rosa, a travessia, a busca pelo sentido da existência e os vazios, sugerem um diálogo com o cinema de Wenders. Don Johnston é um personagem que está no meio de uma crise de interesse pela vida e as coisas caminham para um desalento gigantesco. Nas primeiras cenas, Don aparece quase sempre imóvel, assistindo à televisão ou deitado no sofá, enquanto cresce uma apatia visível em sua personalidade. A construção de uma atmosfera pálida ao redor de Don tem como ponto de partida uma aproximação do personagem por meio de planos que enfocam as expressões faciais de enfado e ironia do protagonista, que é guiado pela excelente atuação de Murray, que parece conduzir o filme inteiro numa corda monotônica, num único meio-tom infinito. Don Johnston é uma releitura do mito do Don Juan, mas de um modo um pouco menos extravagante e mais intimista. 

Vejo como um ponto positivo a introdução de uma ambientação policial-investigativa com o “whodunit” dentro da narrativa melancólica, oferecendo por vezes um suspense e uma quebra da monotonia do filme. O longa-metragem leva a gente a querer saber quem é o filho, de qual das tantas mulheres que ele já visitou, entre outras questões que marcam a busca de Don, e com isso a direção vai pregando peças, indicando pistas e mostrando coincidências para tentar enganar o protagonista. Os alívios cômicos servem para tirar um pouco o peso da intriga central, que tenta a todo momento fazer com que Don desabe. 

A trilha sonora casa bem com a unidade estilística do filme e é um dos pontos altos pois aprofunda um sentimento de solidão do personagem. O foco narrativo, com uma câmera em primeira pessoa, leva-nos a compartilhar a perspectiva de Don, e com isso, somos levados, através do silêncio, a partilhar das mesmas dúvidas e das mesmas convicções que o protagonista. A ambiguidade da cena final em que acreditamos ser uma coisa, quando na verdade é outra, explica esse ponto do foco narrativo, que, além disso, opta por um final aberto. 

No entanto, apesar dos elogios, o lado negativo fica por conta dos personagens femininos, que poderiam ser muito melhor aproveitados e inflados de afetividade e emoção. O pouco tempo de tela não é bem aproveitado e a grandeza dramática do longa fica por conta de Murray, que carrega o drama do filme nas costas. Se era a intenção do filme ou não, ele é, de fato, uma película morna e mediana – e combina bem com seu próprio ritmo narrativo. Ainda que bem amarrado, ele não consegue ser muito mais do que isso e por vezes acaba caindo no vazio. 

Flores Partidas de Jim Jarmusch é uma viagem para o passado na busca por um sentido de vida, sobretudo na tentativa de romper com a monotonia de um cotidiano cansado. A encruzilhada montada pelo cineasta confunde o protagonista da trama e o coloca no meio de encontros e desencontros que parecem que o levarão a algum lugar, mas que, no fim, não o levam a lugar algum, retornando ao mesmo modus operandis do início, relegando a Don um status de indefinição plena e de aborrecimento constante.

Flores Partidas (Broken Flowers, EUA, 2005)
Direção: Jim Jarmusch
Roteiro: Jim Jarmusch, Bill Raden, Sara Driver
Elenco: Bill Murray, Tilda Swinton, Jéssica Lange, Sharon Stone, Jeffrey Wright e Frances Conroy, Heather Simms, Julie Delpy, Pell James
Duração: 106  min.

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