A série televisiva Firefly, criada por Joss Whedon, que foi ao ar em 2002 e criminosamente cancelada sem que nem todos os seus episódios fossem ao ar é uma obra que deixou saudades em quem assistiu. Apesar de ter havido uma tentativa de encerrá-la três anos depois por meio de um longa-metragem, Serenity – A Luta pelo Amanhã, ela não foi suficiente para saciar a vontade de saber mais sobre esse rico universo, em um daqueles casos em que a jornada é muito mais relevante do que o destino, levando à publicação de quadrinhos que são lançados até hoje e, também, à criação de uma série literária que começou com Big Damn Hero, em 2018, e que também continua firme e forte até os dias de hoje. James Lovegrove, que escreveu o primeiro livro, retorna para o segundo e ele joga ainda mais seguro do que jogou antes, criando uma história fortemente galgada em faroeste em um pano de fundo whedonesco que bebe fortemente do gênero.
Como o título Os Nove Magníficos (minha tradução direta, já que essa série literária não ganhou publicação no Brasil ainda) não deixa dúvidas, trata-se de uma história baseada em um dos mais reconhecíveis filmes de faroeste já feitos, The Magnificent Seven, que, no Brasil, ganhou o título Sete Homens e um Destino, por sua vez baseado no clássico e esse sim verdadeiramente magnífico Os Sete Samurais, de Akira Kurosawa. Como disse, Lovegrove joga seguro e não poderia haver segurança maior do que usar o referido longa como sua inspiração, ainda que isso não signifique que o que ele escreve é uma mera cópia do que veio antes, mas sim apenas um artifício que reputo válido de criar conforto aos leitores que procuram aquilo que os livros são, ou seja, episódios que poderiam muito bem fazer parte da querida série.
Na história, a Serenity recebe um chamado de Temperance McCloud, uma ex-namorada de Jayne Cobb de 14 anos antes, que pede ajuda dele e da tripulação contra a opressão de uma gangue de bandidos comandada por notório e temido fora da lei Elias Vandal no vilarejo de Coogan’s Bluff, com o objetivo de controlar a água do árido planeta Tethys. Assim como o primeiro livro era focado em Mal, este é focado em Jayne, um personagem difícil de escrever como protagonista por ele ser basicamente o arquétipo do valentão estourado que atira e depois faz perguntas, mas que Lovegrove consegue emprestar mais camadas quando seu grupo chega ao planeta e já é atingido por míssil da gangue dos Reavers, de Vandal. Temperance, que tem uma filha de 13 anos chamada Jane, muito claramente esconde um segredo de Jayne e isso é trabalhado de maneira relevante e não óbvia pelo autor, que usa a usual burrice de Jayne para criar momentos ternos para o personagem que não hesita nem por um momento em se colocar em perigo mortal para enfrentar o grande vilão.
Mas a melhor surpresa do romance é que não só Jayne ganha uma boa e até emocionante história de amor em seu passado, como Lovegrove não deixa de trabalhar Elias Vandal de maneira efetiva ao contar sua origem e construir um vilão que é mais do que apenas uma figura para o leitor odiar a todo custo. Sim, ele é odioso e sim, ele merece o fim que tem, mas existe todo um desenvolvimento para ele que o torna mais relacionável, mas sem que, em momento algum, suas ações sejam justificadas ou mesmo justificáveis com algum tipo de ginástica mental. Lovegrove investe tempo em um vilão de verdade que efetivamente cria situações de tensão para os “nove magníficos” mesmo que o leitor saiba que nada acontecerá com o grupo, considerando que o destino deles é conhecido no referido longa Serenity.
Além disso, Lovegrove mostra, aqui, o que já havia mostrado em Big Damn Hero: ele sabe usar os nove tripulantes da Serenity, sem se esquecer de nenhum. Claro que alguns acabam perdendo o destaque, como é o caso de Inara Serra, que parte para procurar peças e outro tipo de ajuda na maior cidade do planeta, distanciando-a do centro dos acontecimentos, mas mesmo ela está presente e ganha seus momentos interessantes, ainda que, aqui, sem que o que ela faz gere dividendos imediatos para seus colegas. Os Nove Magníficos é uma diversão bem construída como o romance anterior que bebe de fonte mais do que conhecida para dar o protagonismo a Jayne Cobb que, de quebra, ganha um improvável, mas simpático passado amoroso. Em outras palavras, mais um bom exemplar literário para lembrarmos de uma série magnífica.
Firefly: Os Nove Magníficos (Firefly: The Magnificent Nine – EUA, 2019)
Autoria: James Lovegrove (baseado em conceito de Nancy Holder)
Editora: Titan Books
Data original de publicação: 19 de março de 2019
Páginas: 336