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Crítica | Finis Hominis – O Fim do Homem

Mojica leva suas assinaturas para longe do terror em filme irregular, mas ambicioso.

por Rafael Lima
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José Mojica Marins ficou famoso como o criador e intérprete do icônico Zé Do Caixão, ao ponto de criador e criatura serem confundidos no imaginário popular. Por isso, muitos se esquecem que a carreira de Mojica não se limitou só ao Zé Do Caixão ou mesmo ao gênero terror, sendo Finis Hominis o maior exemplo disso. Na trama, um homem sai do mar, nu, e passa a interferir direta ou indiretamente em uma série de situações de injustiça que encontra na cidade. Adotando a alcunha de “Finis Hominis” e passando a se vestir com roupas coloridas e um turbante, Finis causa espanto e fascínio por onde passa, chamando a atenção da mídia e das autoridades.

Escrito por Marins e pelo seu habitual parceiro Rubens Francisco Lucchetti, Finis Hominis traz muitas marcas das obras mais famosas de Mojica. Estão aqui passagens de erotismo, protagonistas com discursos grandiloquentes e uma visão crítica e subversiva para figuras de autoridades e seus ícones (especialmente os religiosos). Embora o clima macabro dos filmes mais populares de Mojica esteja ausente, Finis Hominis está mergulhado em um clima absurdista de perversão que torna absolutamente naturais passagens onde uma equipe hospitalar joga cartas e escuta um programa de rádio enquanto uma criança sangra na sala de espera, ou aquela onde uma mulher tem um orgasmo durante o velório do marido, suportando assim as críticas sociais pretendidas pelo texto.

O roteiro de Mojica e Luchetti é episódico em sua construção, com Finis Hominis se envolvendo em várias situações com pouca ou nenhuma ligação entre si, excetuando um dos últimos segmentos, onde vemos um culto de seguidores do protagonista reunir alguns dos personagens vistos ao longo da história. Essa estrutura pode incomodar aqueles que desejam uma narrativa mais direta e coesa, mas ela serve completamente aos objetivos de Mojica de tecer uma crítica social mais ampla e plural, que atira para todo lado, dos movimentos contraculturais aos padrões mais conservadores da sociedade.

É curioso que, assim como fez com o famoso vilão, Mojica constrói Finis com referências visuais que contrastam com os ambientes que ele frequenta, com adereços como o turbante e as roupas coloridas dando-lhe uma assinatura visual marcada. O personagem-título também é bem construído dentro do arquétipo messiânico que adota. É um homem que faz o bem, mesmo que por acidente, vide a cena onde uma idosa volta milagrosamente a andar após o choque de ver Finis surgir nu diante dela. Não que ele seja um personagem hiper bonzinho, mas a austeridade com que é posto em cena coloca-o sob uma luz positiva quando comparado ao caráter escrachadamente vil de outros personagens, o que se comunica com o ótimo desfecho da obra, abrindo margem para várias interpretações críticas.

Esteticamente, Finis Hominis é um filme bastante inteligente também, mesmo que longe de ser sutil (o que, em se falando de Mojica, é mais uma característica do que um defeito). O diretor sempre foi muito crítico em relação à autoridade moral, o que é simbolizado aqui pela figura da cruz, mesmo em ambientes não religiosos, como o hospital. Ironicamente, Mojica vale-se muito fortemente de iconografias bíblicas para construir diversos momentos do filme, vide o uso de contra-plongée em momentos como a ressurreição de um homem em um velório, ou o discurso no morro perto do fim do filme, gerando uma aura grandiosa ao protagonista dentro de situações dramáticas com referenciais fortemente cristãs.

Com Finis Hominis, vemos um José Mojica Marins abordar muitos dos temas e abordagens que lhe são caros, mas longe do verniz do terror que o tornou famoso. Dessa forma, o longa-metragem, embora não me pareça ter o mesmo apelo popular de suas obras mais famosas, parece também ter ambições maiores em seu discurso crítico. O filme muitas vezes é um pouco irregular, um risco que se corre ao trabalhar com narrativas episódicas, mas com certeza é um dos trabalhos mais intrigantes de Mojica, o que com certeza quer dizer alguma coisa.

Finis Hominis (Brasil, 1971)
Direção: José Mojica Marins
Roteiro: José Mojica Marins e Rubens Francisco Luchetti
Elenco: José Mojica Marins, Teresa Sodré, Roque Rodrigues, Mario Lima, Andréia Bryan, Rosângela Maldonado, Carlos Reichenbach, Araken Saldanha
Duração: 79 Minutos.

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