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Crítica | Festa da Salsicha: Comilândia – 1ª Temporada

Uma refeição sem os mesmos nutrientes da primeira.

por Ritter Fan
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Apetitosa animação para maiores lançada em 2016, Festa da Salsicha foi um dos raros sucessos de bilheteria facilmente franqueáveis de Hollywood que permaneceu na geladeira por um número considerável de anos, oito para ser exato. Mas, claro, considerando que, hoje em dia, mais cedo ou mais tarde sucessos (e até fracassos) do passado são ressuscitados, não é surpresa alguma que o longa dirigido por Greg Tiernan e Conrad Vernon tenha finalmente sucumbido à ob$e$$ão por sequências. Na verdade, surpresa alguma é uma inverdade, pois, diferente do que se poderia imaginar, no lugar de regurgitar mais um filme, Seth Rogen e companhia enveredaram pelo caminho de uma série animada, Festa da Salsicha: Comilândia, que traz de volta o elenco principal de voz – além de Rogen, temos Kristen Wiig, Michael Cera e Edward Norton retornando a seus papeis -, além de Vernon desta vez solo na direção de todos os oito episódios.

Sabiamente ignorando o ambicioso epílogo do filme que prometia uma continuação metalinguística, Comilândia não perde tempo em estabelecer sua premissa absurda: ao final dos eventos do longa, os alimentos revoltaram-se contra a humanidade e exterminaram os seres humanos em uma guerra aparentemente mundial. Agora sozinhas, as comidas, então, partem para fundar uma cidade utópica (o título original, Foodtopia, deixa isso mais claro) em que elas viverão para sempre felizes e em harmonia. No entanto, como eles não demoram a aprender, utopias não existem e nunca existirão, pelo que os personagens primeiro têm que enfrentar ameaças prosaicas para nós, humanos, mas mortais para eles, como a chuva e os corvos famintos, precisando recorrer a um humano sobrevivente (Jack, com voz de Will Forte) para entender exatamente o que está acontecendo. Mas a ameaça maior é interna e reflete a boa e velha humanidade, ou seja, os alimentos precisam deparar-se com a ambição, ganância, insensibilidade, torpeza, inveja, frustração, avareza e todos as características muito humanas que passam a contaminar o cotidiano de festas e bacanais alimentares deles.

O casal de heróis do filme é o mesmo da série. Temos a salsicha Frank Frankfurter (Rogen) e o pão de cachorro-quente Brenda Bunson (Wiig) como representantes da pureza de princípios dessa nova comunidade, a salsicha deformada Barry (Cera) que se revela como o grande herói da revolução e um anti-humano resoluto e a rosquinha Sammy Bagel Jr. (Norton), enlutada pela morte de Lavash (David Krumholtz) que, para alcançar sucesso como uma forma de fuga, acaba aceitando ser manipulado pelas forças malignas que começam a surgir. E essas “forças malignas”, de certa forma a convergência de tudo o que há de errado no mundo, resumem-se ao ganancioso Julius (Sam Richardson), uma laranja que enriquece (o dinheiro, nessa “utopia”, são dentes humanos) e passa a concorrer à presidência, revelando que a escolha da referida fruta não foi nem um pouco aleatória, he, he, he. Ou seja, a abordagem crítica à religião e à cegueira por ela causada que era forte no longa original desaparece por completo aqui, com a produção enveredando acertadamente por um lado muito mais político que, sem papas na língua, escancara o quanto nós temos tendência à autodestruição.

O grande problema da temporada que, como já disse, tem apenas oito episódios, é que os roteiros investem tempo demais na construção de mundo, por assim dizer, algo que reputo desnecessário para uma premissa tão bizarra e tão autoconsciente de sua bizarrice, o que acaba levando a uma cansada reutilização de ideias e do humor tosco e chulo do longa, basicamente requentando material preexistente na tentativa de justificar a manutenção de um humano vivo por Frank e Brenda e explicar a ascensão de Julius. Praticamente metade da temporada tem esse condão e isso somado a decisões inexplicáveis, como matar o sensacional Gum (Scott “Diggs” Underwood) logo no primeiro capítulo, personagem que poderia beneficiar demais a série, faz com que o processo de passar por essa primeira metade uma razoável luta morro acima.

Claro que tudo aquilo que se espera de alguma obra dessa franquia está presente. Sexo alimentar explícito (a temporada começa com um enorme bacanal, mas tem outras sequências ótimas mais para a frente, especialmente uma envolvendo Frank que conta até com um aviso jocoso de explicitude sexual), intermináveis trocadilhos com comida (vale especial destaque o ótimo diálogo entre um casal de ovos mulheres) e todo o tipo de absurdismo quase dadaísta que precisa fazer parte de uma narrativa tão estranha quanto essa. Isso, sendo bem sincero, até impede que a metade inicial derreta por completo, mas não resolve seus problemas e nem retira aquele gosto de que a produção está apenas reciclando material antigo. No entanto, quando o cítrico Julius finalmente chega ao poder e quando Barry passa a desconfiar de que Frank tem um terrível segredo, a temporada melhora sensivelmente, estabelecendo uma narrativa refrescante mais uma vez que descarta a mesmice e mergulha em críticas políticas e socioeconômicas, que, apesar de razoavelmente didáticas, funcionam bem aqui. E há até tempo para boas paródias, como a de Velozes e Furiosos, especificamente do quinto filme, que ganha um remake alimentício que ficou bem melhor do que o original.

Festa da Salsicha: Comilândia é uma maneira inusitada de se continuar um filme inusitado, mas, entre sexo explícito alimentar e também entre espécies, trocadilhos infames, repetições de fórmula, um bom vilão e lampejos criativos que transpõem discussões realmente relevantes do mundo real para esse universo esquisito, a temporada até que consegue, por pouco, ter mais pontos positivos do que negativos e vale o esforço da relativa indigestão dos quatro primeiros episódios para chegar ao prato principal dos quatro últimos. No final das contas, está mais para fast food do que uma refeição realmente nutritiva, mas não se pode ter tudo sempre, não é mesmo?

Festa da Salsicha: Comilândia – 1ª Temporada (Sausage Pary: Foodtopia – EUA, 11 de julho de 2024)
Criação: Seth Rogen, Evan Goldberg, Conrad Vernon
Desenvolvimento: Kyle Hunter, Ariel Shaffir
Direção: Conrad Vernon
Roteiro: Seth Rogen, Evan Goldberg, Kyle Hunter, Ariel Shaffir, Ali Waller, Dewayne Perkins, Jennifer Kim, Laura Krafft, Jeremy Levick, Rajat Suresh
Elenco (vozes originais): Seth Rogen, Kristen Wiig, Michael Cera, Edward Norton, Will Forte, Sam Richardson,
Stephanie Beard, Scott “Diggs” Underwood, Natasha Rothwell, Yassir Lester, Grey DeLisle, David Krumholtz
Duração: 204 min. (oito episódios)

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